terça-feira, 13 de setembro de 2022

Nas voltas que o mundo dá...


Nas voltas que o mundo dá...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Caro (a) leitor (a), é na sutileza que o mundo mostra a grande fúria das suas transformações e torna possível perceber que não há possibilidades de se deixar guiar por certos paradigmas, certas ideologias, certas crenças e valores. Como dizem, por aí, o mundo gira!  

Particularmente, eu penso que o grande salto nesse contexto se deu pelas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs). De maneira semelhante ao ocorrido com o advento da imprensa por Gutenberg, no século XV, as pessoas passaram a ter ampliados os seus acessos ao conhecimento. Portanto, tornou-se inevitável uma repercussão desse processo sobre o pensamento humano.

Pena, que muita gente não preste atenção a esses detalhes! Transitam pelo mundo desconsiderando as obviedades com o simples objetivo de fazer prevalecer as suas próprias convicções e pontos de vista, à revelia da adequação ou não deles às conjunturas do momento. E aí, acabam se frustrando e se enraivecendo diante dos resultados.

Os últimos dias trouxeram à tona dois acontecimentos que contribuem bastante para essa reflexão; sobretudo, quanto a análise que ambos proporcionam sobre a dignidade humana.  

O primeiro diz respeito a um vídeo que viralizou na internet e mostra como acontece a prática do voto de cabresto 1 na contemporaneidade brasileira, no seu mais absoluto acinte de humilhação e constrangimento com aquele que está em posição de vulnerabilidade social.  

Dadas as repercussões negativas do caso, o responsável por desagradável absurdo acabou vindo a público munido de desculpas inconsistentes e uma certeza abjeta em relação a permanecer indiferente ao sofrimento do seu semelhante, tratando a situação dentro de uma normalidade vergonhosa 2.

Porém, tudo isso se apequena diante do fato de que há algo surpreendentemente interessante se descortinando nessa situação. Em meio ao horror explícito nas imagens, eis que a dignidade humana nunca foi tão impactante. Apesar da fome, da necessidade urgente do alimento, a mulher não traiu as suas convicções, os seus valores, a sua dignidade humana e cidadã.

A prática do voto de cabresto não funcionou! A realidade contemporânea respira novos ares! Por mais frágil e inconsistente que ainda persista o conhecimento e a formação educacional no país, o mínimo acesso à informação já está conseguindo promover a desconstrução e a ressignificação da cidadania do povo brasileiro.  

O segundo diz respeito ao funeral da rainha Elizabeth II, que deve reunir diversos chefes de estado e demais autoridades diplomáticas. Além de um momento histórico, em razão de seu reinado ter sido um dos mais longevos, é acima de tudo um momento de luto, de respeito incondicional. Como praxe do protocolo diplomático, o Brasil foi, então, convidado a estar presente 3.

Nada de incomum, se não fosse o fato de o Presidente da República brasileiro decidir aceitar o convite, abstendo-se da compreensão da liturgia do momento de luto pelo qual passa a Grã-Bretanha, para valer-se da ocasião de alta visibilidade midiática e, dessa forma, construir uma narrativa eleitoreira para apresentar aos seus simpatizantes 4.

Contudo, colocar em risco a dignidade de chefe de estado, dessa maneira, me parece inócuo. Talvez, pela inexperiência, falte-lhe a consciência de que naquele lugar ele estará submetido a um rígido protocolo que passa longe das suas vontades, dos seus quereres e das suas intenções. Os holofotes, os interesses midiáticos, nada estará voltado para a sua presença, a sua figura.

Ali, ele será apenas mais um na multidão, ou melhor, no círculo dos chefes de estado globais. De modo que tende a ser um mero figurante, sem fala, cuja imagem desfocada pode eventualmente aparecer ao fundo de alguma reportagem. Não se trata de lugar e nem de hora para possíveis encontros da diplomacia internacional.

Bem, ainda que a dignidade seja um valor incorporado à consciência humana, durante o processo de formação ética, moral, intelectual e cognitiva do indivíduo, ela trabalha em movimento contínuo às demandas de informação e de conhecimento impostas pelo mundo. A dignidade funciona, então, como freio e contrapeso para evitar excessos ao comportamento humano; sobretudo, no que tange às suas relações sociais.  

Trata-se de algo tão importante que ela abre a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), em seu artigo 1º, “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São adotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”. Do mesmo modo, se faz presente também no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal brasileira, de 1988, como um de seus fundamentos.

Assim, diante desse breve exposto é possível compreender que não há mesmo possibilidades de se deixar guiar por certos paradigmas, certas ideologias, certas crenças e valores, porque o ser humano não cabe na massificação estereotipada, não cabe nas idealizações infundadas, não cabe nas vontades e quereres de uns e outros. Desconsiderar o óbvio é negar a realidade!

Da Pré-História ao contemporâneo quanta coisa mudou! É claro que, nem sempre, pelo desejo genuíno do ser humano, mas pelas forças conjunturais que o arrastam e impõem as transformações necessárias. Muita gente vai resistir? Vai. Muita gente vai se irritar? Vai. Muita gente vai torcer o nariz? Vai. Acontece que, nesse processo, de um jeito ou de outro, o ser humano acaba se desconstruindo e dando vazão para um ser capaz de transitar por uma nova realidade.    

No fundo, a grande verdade da vida é que “Para as coisas importantes, nunca é tarde demais, ou no meu caso, muito cedo, para sermos quem queremos. Não há um limite de tempo, comece quando quiser. Você pode mudar ou não. Não há regras. Podemos fazer o melhor ou o pior. Espero que você faça o melhor. Espero que veja as coisas que a assustam. Espero que sinta coisas que nunca sentiu antes. Espero que conheça pessoas com diferentes opiniões. Espero que viva uma vida da qual se orgulhe. Se você achar que não tem, espero que tenha a força para começar novamente” (F. Scott Fitzgerald – O Curioso Caso de Benjamin Button) 5.