domingo, 7 de agosto de 2022

Tempo... O meu, o seu, o nosso.


Tempo... O meu, o seu, o nosso.  

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A perda de tempo é inflexível! Afinal, desperdiçar os preciosos segundos do dia com questões irrelevantes nos afasta daquilo que é realmente essencial. De modo que isso explica, ao menos em parte, porque o Brasil caminha a passos de tartaruga.

Não que este tenha sido o único episódio; mas, esses quatro anos de governo dão bem a dimensão do que estou dizendo. O tempo escorreu pelas mãos! Tanto que o necessário não foi feito e o que estava pronto se desfez!

Acontece que no campo político-econômico, esse tipo de desperdício custa caro, bem caro. Não só do ponto de vista econômico, propriamente dito; mas, social. Fazer duas, três, várias vezes uma mesma coisa, na tentativa de se atingir um objetivo é acenar para o fato de que não se pretende fazê-lo.

Quem quer mesmo, arregaça as mangas e faz! Faz de primeira. Faz bem feito. Faz para dar certo. Faz, sabendo exatamente o porquê, o como, o quando fazer. Simples assim. Então, ao que tudo indica, para uns e outros esse movimento, com o freio de mão puxado, agrada e atende bem aos seus interesses particulares.

A velha prática de dar um passo adiante e dez para trás favorece a manutenção de uma ordem que não satisfaz ao coletivo; mas, apenas a um limitado núcleo privilegiado. Não só pelo imobilismo que ela representa; bem como, a narrativa de promessas eternas que ela sustenta.

Aliás, nesse sentido, o Brasil nunca olhou para o seu agora. Seus olhos e sua mente sempre estiveram fixados no futuro. Amanhã. Sempre o amanhã! Um amanhã que se espera com certa esperança e, justamente, por isso, arrefece o ímpeto da indignação, do inconformismo, da descrença social. Como se ao final do túnel houvesse uma luz.

Pena que ela nunca chega! Porque alienados por esse discurso, os cidadãos se esquecem do óbvio, do fato de que para existir um amanhã é preciso construir as bases no hoje. Ninguém colhe sem plantar. Ninguém edifica sem construir tijolo por tijolo. A vida é assim!

Mas, o Brasil insiste na ilusão de um gênio da lâmpada. Que de uma hora para outra vai surgir e realizar todos os seus desejos. Sim, porque não pode ser apenas três desejos! Ele tem que dar conta de resolver tudo, de colocar a casa em ordem, de deixar todo mundo feliz e satisfeito! Então, ele projeta o amanhã na chegada de um gênio que não existe.

E assim, vai dando asas à sua imaginação, à sua imprevidência diante do tempo. Nada pior do que um adulto infantilizado! Nada pior do que um cidadão que não assume as suas responsabilidades! Que senta e espera por quem faça por ele, por quem pegue as rédeas da vida pelas mãos.

Mais uma vez, o ranço colonial gritando alto. Porque era exatamente assim, nos tempos de colônia. Ninguém precisava pensar, ninguém precisava agir, ninguém precisava escolher, ... o Imperador determinava e pronto.

Os dias passavam praticamente como imagens carimbadas de mais de um mesmo que não exigia esforços dos cidadãos. Curioso é pensar que, em plena contemporaneidade republicana, haja quem sinta falta desses tempos! Inclusive, que os chame de “bons tempos”!  

Como assim? Basta um breve retrospecto, desses pouco mais de 500 anos de história, para perceber quanto tempo desperdiçado, contribuindo para o atraso e a consolidação de uma posição de figurante, para o país, no cenário mundial. Diariamente, somos confrontados pelo ônus incalculável dessa herança colonial, queiram ou não admitir.

Verdade seja dita, a insistente resistência em admitir as nossas verdades históricas é que tem sido o mais poderoso instrumento de desperdício do tempo. Como um novelo que envolve as pessoas em fios de discussão inútil e rasa, para que se percam nos devaneios inconsistentes e não consigam enxergar a realidade na sua mais pura essência.

Assim, sob camadas empoeiradas pelas areias do tempo, as mazelas se cronificam, os desafios se agigantam, as necessidades se proliferam. E o Brasil permanece estático, na figura do mapa emoldurado na parede que não se move, que não respira, que não se manifesta, apenas observando o tic-tac do relógio.

Relembrando as palavras de um antigo professor de Literatura, no Ensino Médio, quando dizia que “Cada minuto a mais é um minuto a menos”, é assim que vejo a realidade brasileira no seu descompromisso. Cada minuto que passa sem cumprir suas obrigações, seus deveres, suas responsabilidades, minutos a menos constituem as perdas de oportunidade de transformação.

Pois é, já dizia Carlos Drummond de Andrade, “[...]O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente” 1. Afinal de contas, só por ele (o presente) podemos responder. O resto é conjectura, é divagação, é demasiadamente abstração.  

Portanto, não percamos mais tempo! Embora, Albert Einstein tenha nos dito que ele é relativo, nem por isso, ele deixa de ser impiedosamente implacável. De modo que não devemos nos entregar a volatilidade e a fugacidade contemporânea como justificativas para desperdiçá-lo e resistir a não pensar, a não fazer, a não se comprometer, a não agir, a não responder, ...

Mesmo entendendo e aceitando que “você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências” (Pablo Neruda), não se esqueça de que o tempo também é livre para seguir seu caminho e construir as conjunturas que considerar mais adequadas e oportunas, muitas vezes, sem se importar com você, ou suas crenças, seus valores e seus princípios.  



1 Mãos dadas – Carlos Drummond de Andrade. (Antologia Poética. 12ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978. p.108.)