Muito
além das quatro linhas...
Por
Alessandra Leles Rocha
Por mais que o esporte nacional
venha ampliando a sua comunicação com o torcedor através da diversidade
desportiva, não se pode negar que o futebol ainda permaneça figurando como a
grande paixão. E é justamente por isso que me incomoda, tanto, perceber como
ele vem se deixando macular pelos mais terríveis absurdos e ferindo com
requintes de crueldade os corações apaixonados das suas massas.
Ganhar ou perder faz parte do jogo.
Todo mundo sabe disso! A questão é como tem se dado esse movimento no cotidiano
dos campeonatos disputados. Certas coisas não fazem o menor sentido e vêm acontecendo com
ares de normalidade que atiçam, de tal forma, o descontentamento popular que
consomem por completo o bom ânimo dos torcedores.
Afinal, olhemos para o Brasil, com
olhos de enxergar uma realidade tão sisuda e difícil, que vem não só entristecendo
os cidadãos; mas, adoecendo-os diante de adversidades impactantes e severamente
duras. De modo que não são uns e outros; mas, milhares, aqueles que procuram
como “agulha no palheiro” uma razão
para extrair da alma um sorriso, um respiro, um alento. Coisa que o futebol
sempre soube como fazer e, agora, parece ter abdicado da função.
Não se trata de apontar a culpa
para esse ou aquele. Pela própria perspectiva do esporte coletivo, as falhas,
os equívocos, os absurdos, partem de todas as direções e sentidos do conjunto
de personagens que dão corpo ao espetáculo, ou seja, dentro e fora das quatro
linhas. De repente, nos deparamos com o pior da profissionalização do futebol,
na medida em que a estrutura comprometeu o equilíbrio entre a razão e a sensibilidade
dos envolvidos.
Vamos e convenhamos, que o
cenário movido pela força de investimentos capitais vultosos contrasta com a
realidade, não só brasileira, mas de muitos outros países. E boa parte desses
recursos advém sim, das torcidas apaixonadas constituídas pela mais ampla
diversidade dos estratos sociais. Gente que se dispõe a todo tipo de sacrifício
para comprar uma camisa, para ir ao estádio, para acompanhar o time nas viagens, para ser um sócio torcedor,
enfim... Acontece que cada dia mais, a
realidade socioeconômica brasileira frustra inevitavelmente essas expectativas.
De modo que essa relação está se
tornando mais e mais desigual, na medida em que das massas há uma tentativa
constante de superação das adversidades cotidianas para não abandonar o time do
coração; mas, na hora da contrapartida, o mesmo não acontece. Equipes que têm
tudo para render nos gramados, para exibir o melhor do futebol que estão aptas
para realizar, estão constrangendo a sua torcida com exibições lastimáveis, com
resultados pífios.
Portanto, os maus resultados, as péssimas
participações, não se restringem ao futebol em si; mas, na repercussão negativa
que recai sobre a subjetividade de uma torcida, cujos participantes, em sua
imensa maioria, já estão padecendo os infortúnios de uma baixa autoestima
social. O vexame em campo reforça todo um conjunto de dificuldades, de impossibilidades,
de carências, que esses torcedores convivem diariamente e à revelia de sua própria
vontade. O que difere da paixão pelo time que é por escolha, é genuína.
De modo que está se estabelecendo
um cansaço moral em relação a essa realidade. Não adianta discursos vazios,
pedidos de desculpas a esmo, promessas protocolares. Isso o torcedor, enquanto
cidadão, está cansado de tropeçar por onde transita. Futebol não se joga com
palavras! Futebol se joga com atitude, com ação, com estratégia, com vontade,
com raça, ... sempre foi assim e sempre vai ser.
Nome não ganha jogo. Patrocinador
não ganha jogo. Centro de treinamento não ganha jogo. Salário não ganha jogo.
... Basta uma visita rápida pelos campinhos de várzea, Brasil afora, para trazer
à mente o que tudo isso quer dizer. Nem sempre o talento, a genialidade, brotou
nesse país pela força das condições ideais. Muito pelo contrário! Grandes ídolos
que figuraram no cenário futebolístico nacional nem chegaram a usufruir dos benefícios
da profissionalização, como se conhece hoje.
E eles se imortalizaram não
somente pelo futebol encantado que sabiam apresentar, mas pelo laço de
proximidade cidadã que teciam com a sua torcida. Eles eram sim, gente do povo! Eles
sabiam o valor da alegria, do entusiasmo, pelo exercício da alteridade. A ideia
era sempre dar o melhor de si, superar os desafios e as adversidades, construir
caminhos que pudessem tornar as vitórias cabíveis e palpáveis. Ninguém entrava
em campo elencando possíveis bodes expiatórios para abafar a derrota. A luta
era franca e aberta nos 90 minutos, sob a máxima de “vença o melhor”!
Então, o que esperam milhares de torcedores, antes de qualquer coisa, é respeito. Respeito por aquele que faz das tripas coração para enaltecer o escudo do seu time, para ofertar-lhe os fiapos de energia e de esperança que ainda lhe resta no dia a dia amargo e difícil que precisa enfrentar. Respeito para não macular o esporte, que é uma paixão nacional, de maneira tão feia e descabida. Respeito, porque respeito aproxima ao invés de afastar. Respeito para que ele não falte na consciência, quando oponentes decidirem se enfrentar de maneira irracional e despropositada. ... Só com essa compreensão de respeito é que se resguarda a dignidade do futebol.