sábado, 6 de agosto de 2022

A rosa...


A rosa ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Há 77 anos o mundo conhecia o poder devastador do Cogumelo Atômico, a rosa mortal de Hiroshima.  Fruto da guerra, do ódio, da destruição, de uma barbárie que vive adormecida nos espaços mais recônditos da alma humana. Três dias depois, Nagasaki experimentou o mesmo horror.

O ponto de reflexão é a inutilidade de tudo isso. As bombas de potencial atômico jamais representaram o ponto de mutação da espécie humana entre a selvageria e a civilidade. Elas mataram. Elas destruíram. Elas reduziram a pó a existência de milhares de pessoas.

Mas, em momento algum, elas foram capazes de tornar o ser humano melhor no que diz respeito a sua própria humanidade. Quase oito décadas depois, e com um bocadinho mais de atenção, é possível vê-la como sempre foi. Repetindo os mesmos erros.

As lições de Hiroshima e Nagasaki não desconstruíram os paradigmas humanos como poderia se esperar. Não ressignificaram as relações humanas como gostaríamos que tivessem feito. O bicho homem permanece homem bicho, na sua irracionalidade coberta por camadas de alguma intelectualidade.

Haja vista como ele facilmente se deixa levar pelos delírios de alguns de seus pares. De como a sede de poder não se sacia com facilidade. De como a ganância subverte as suas prioridades. De como a indiferença pulsa acelerada na sua fúria. ... Então, por que se valer de um arsenal nuclear?

Talvez, Freud pudesse explicar! Porque ao longe das teorias psicanalíticas, o que é possível perceber é o imenso equívoco nesse tipo de belicosidade. As armas nucleares são o fim da linha, o ponto final da história. Elas não atingem só um lado. A radiação reverbera sobre todos, de maneira imparcial e implacável. Ninguém vence; mas, todos perdem.

Mas, e daí? Isso não responde tudo. Não traz a luz de um sentido que justifique, ou minimamente explique, porque se permitiu ir tão longe na loucura humana. Afinal, sabemos que tão logo o rescaldo tenha sido concluído, que os escombros sejam reconstruídos, mais dia menos dia, os seres humanos estarão em busca de um novo ponto de partida para se digladiarem. A espiral insana não tem fim.

É; está intrínseco a existência humana o germe da barbárie! Não se pode ter a pretensão de acreditar que a domesticação imposta pela evolução da espécie foi mesmo capaz de fazer do homem um ser tendente a paz. É só abrir os olhos e ver. Se dispor a ler, diariamente, os veículos de informação e comunicação. Ali está a raça humana. Nua e crua.

De modo que a ideia do Cogumelo Atômico não parece fazer luzir quaisquer movimentos em desfavor da belicosidade, da violência, do extermínio humano. Na balança da vida não há desequilíbrio entre a guerra e a paz, porque a paz não vem sendo colocada em questão, apenas a guerra. Guerras virtuais. Guerras geográficas. Guerras econômicas. Guerras ideológicas. Guerras ...  

Matar ou morrer caiu numa vala de banalização tão profunda, que assusta! Talvez, por isso, a possibilidade de um novo Cogumelo Atômico cause uma impressão inerte, como se não fizesse diferença alguma diante de tantos cenários de terra arrasada, de desolação, de sofrimento, que se proliferam pelo mundo. Como se uma bomba atômica fosse apenas mais um artifício para se alcançar um mesmo fim.

O choque de realidade que Hiroshima e Nagasaki deram ao mundo se perdeu no tempo, do mesmo modo que todo o processo que culminou na tragicidade da Segunda Guerra Mundial. Por isso, uma Terceira Guerra nos espreita. Por isso, vivemos na iminência, na expectativa, na aflição.

A sociedade contemporânea foi gradativamente se distanciando desses fatos e ressignificando-os de uma maneira, até certo ponto, romantizada. O que, no fundo, não passa de um modo simplista de agradar a barbárie que lhe habita desde sempre. Porque os horrores de uma guerra não cabem na perspectiva de uma análise plural.

Guerra é guerra. Sem essa de heróis ou vilões. Subtrair-lhes a sua humanidade existencial é tão perverso e cruel quanto a própria belicosidade em si. Dentro e fora das trincheiras estão seres humanos. Sonhos. Projetos. Esperanças. Amores. Amigos. Famílias. ... Prontos para serem destruídos, aniquilados, à revelia do seu direito de se defender, de se proteger.

Olhe bem, nas páginas da história, a imagem do Cogumelo Atômico, a rosa mortal. Um campo árido. Uma fumaça de ódio. Um grito silencioso de dor. ... Um recorte de tempo marcado pelo desnecessário, pelo inútil, pelo incompreensível. Que, como tantas outras demonstrações de força e poder na história da humanidade, não fizeram desse mundo um lugar melhor para se viver.

Nesses 77 anos, a raça humana teve tempo suficiente para entender que silêncios matam. Omissões matam. Aplausos matam. Alienação mata. Subserviência mata. Então, de que lado queremos estar? Da resignação contemplativa das tragédias consumadas ou do compromisso responsável com a humanidade na qual se faz parte? Lembre-se: você escolhe a rosa que faz parte da sua história.