O
que dói mais: pensar ou não pensar?
Por
Alessandra Leles Rocha
Será esse o limite do potencial
cognitivo humano? Olhando com bastante atenção o mundo que nos rodeia, começo a
pensar que sim. Talvez, tenhamos nos tornado demasiadamente preguiçosos, quando
o assunto é utilizar toda a capacidade de pensamento, análise e reflexão que
nos foi oferecida.
Provamos do que éramos capazes e,
agora, sem nenhum pudor ou constrangimento, nos permitimos abdicar de quem
somos para sermos servidos pelos frutos do desenvolvimento científico e tecnológico
disponíveis. Pois é, criamos quem pense por nós, analise por nós, reflita por
nós, faça por nós.
Acontece, cara pálida, que na verdade não é bem assim! Por trás dessa outorga
existencial há um seleto e restrito grupo de pessoas incumbidas desse
desenvolvimento fantástico e futurístico. É com base, em parte, nas crenças,
valores e princípios delas, e naqueles determinados por quem paga caro pelos
seus serviços, que os resultados chegam preestabelecidos para a grande massa da
população.
Isso significa que estamos nos
permitindo curvar aos comandos do mundo contemporâneo, a partir do
entorpecimento oriundo de discursos e narrativas que omitem e mascaram a
realidade dos fatos. Digamos que seja uma típica “propaganda enganosa” o que essa avalanche de tecnologias tem
apresentado aos seres humanos.
O desenvolvimento e o progresso
não nos deram mais tempo, não acabaram com a fome, não mitigaram o desemprego,
não melhoraram a dignidade da renda, não afastaram as violências, não impediram
as epidemias, ... Ao contrário, os problemas do mundo continuam onde sempre
estiveram, diante dos olhos de qualquer um, em qualquer lugar, em qualquer
tempo.
Mas, o pior é saber que lenta e
gradualmente a humanidade não pensa mais, não reflete mais, não analisa mais,
não critica mais. O fluxo constante e dinâmico das novidades tecnológicas a
mantém sob controle, sob vigilância, a fim de que exercitem cada vez menos as
suas habilidades e competências intelectuais e cognitivas.
O cérebro trabalha cada vez mais,
porém, é somente pelo excesso de informação recebida, não informação construída.
Seus filtros, sua capacidade de retenção e processamento, foram desligados para
ceder espaço às instantaneidades, as quais se proliferam aos milhões. Nessa
corrida desenfreada, a comunicação e a informação foram superficializadas
através de linguagens rasas, curtas, extremamente limitadas em formas e conteúdos.
Ao ponto de perdemos até, a
capacidade de sermos generalistas sobre os assuntos. Pois é, o ser humano não dispõe
mais de um lastro argumentativo mínimo e suficiente para estabelecer um diálogo
consistente, razoável. Ele se transformou num mero instrumento de reprodução de
ideias vagas, esparsas, desconectas, que não dizem nada a coisa nenhuma.
Sem se dar conta, o ser humano
trocou a qualidade pela quantidade. Muito embora, essa “quantidade” seja confrontada por uma notória insuficiência, dado o
volume que a vida se despeja por segundo. E aí se chega ao que tão bem descreveu Eduardo
Galeano, “Vivemos em plena cultura da aparência:
o contrato de casamento importa mais que o amor, o funeral mais que o morto, as
roupas mais do que o corpo e a missa mais do que Deus”.
Porque todas as certezas e as convicções
foram fiadas no vazio. Não sabemos mais quem somos, o que queremos, porquê
queremos, o que importa, porquê importa, ... Não, não sabemos mais explicar,
justificar, embasar nossas escolhas, nossas decisões. Porque fizemos da vida um
prato pronto que só precisa aquecer, de acordo com as instruções da embalagem.
O pensamento humano, agora, parece circular nos limites de uma espiral socialmente pré-fabricada. Ficou pequeno,
estreito, confuso. Suas expressões não parecem mais representar o indivíduo nas
suas singularidades e especificidades. A humanidade se assemelha, cada dia
mais, a uma esteira de fabricação em série, homogeneizada e, vez por outra, com
um algum erro destoando do padrão.
E enquanto seu mais expressivo
contingente segue esse fluxo, o seleto e restrito grupo de mentes por trás
desse movimento respira sua satisfação de estar alcançando seus objetivos. Assim,
não é à toa que “Todo pensamento político
nos últimos anos tem sido igualmente viciado. As pessoas podem prever o futuro
somente quando ele coincide com seus próprios desejos, e os fatos mais grosseiramente
óbvios podem ser ignorados quando não são bem-vindos” (George Orwell).
Portanto, seja pensando ou não pensando, estaremos sempre submetidos a dor na nossa consciência. A questão é que se fomos dotados dessa capacidade é porque não faz nenhum sentido não exercê-la. De modo que sofrer ou não sofrer, doer ou não doer, não é e nem nunca foi o que está em jogo! O fundamental é, e sempre será, admitir que “Ver o que temos diante do nariz requer uma luta constante” (George Orwell); mas, apesar de todos os pesares, não nos cabe esconder nem fugir.