sábado, 4 de junho de 2022

7 décadas e uma reflexão que ultrapassa os limites do tempo...


7 décadas e uma reflexão que ultrapassa os limites do tempo...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

As chances de o mundo presenciar um outro jubileu de platina de um (a) monarca são praticamente impossíveis, observando o cenário atual. Mas, não é esse o ponto que me faz escrever no momento. A proposta reflexiva vem de um outro viés.

Em plena contemporaneidade, quando tudo parece orbitar a instantaneidade, a fugacidade da fama, da visibilidade, dos (pseudo)poderes, das regalias e dos privilégios, a Rainha da Inglaterra 1 desconstrói os paradigmas no mais absoluto e discreto silêncio, sem alardes.  

Há 70 anos pesam sobre seus ombros femininos um poder descomunal. Nada que a riqueza, as regalias, os privilégios, a fama ou a notoriedade, pudesse resolver ou amenizar. A investidura do cargo é um peso a ser experimentado a seco, na solitude da própria existência humana, com raras exceções da oportunidade opinativa ou conselheira, de terceiros encarregados dessa função.

Portanto, ela seguiu o curso das possibilidades conjunturais. Errou. Acertou. Hesitou. Refletiu. Se posicionou. ... No contexto da impossibilidade natural de dissociar a condição humana da prerrogativa real. O que significa compromisso com as obrigações assumidas; mas, sem jamais perder de vista, a humanidade reinante dentro de si.

De modo que essa é a grande questão. Nem mesmo reis ou rainhas estão a salvo da vida como ela é. E como é importante discutir sobre isso! Afinal de contas, escondidos dentro dos labirintos contemporâneos, o individualismo e o materialismo têm provocado no inconsciente coletivo uma construção ideológica de princípios, crenças e valores totalmente deturpados.

A começar pelo fato, de que uma imensa maioria acredita, piamente, que a felicidade se baseia no sucesso material. Que o arcabouço de riquezas é suficiente para consolidar uma blindagem contra todos os males do mundo, além de alçar o indivíduo a um patamar de superioridade e distinção inquestionável.

Olhar para a Rainha da Inglaterra, com seus quase 100 anos de vida, exige reconhecer que, mesmo sendo ela quem é, os caminhos não foram apenas floridos e fáceis. Talvez, mais espinhos do que ela pudesse supor ou gostaria de ter encontrado estavam presentes. O que soubemos pelas páginas dos livros de História, ela viveu, presenciou in loco. Ora como expectadora em tempo real, ora como partícipe de grandes decisões.

Acontece que, dentro ou fora dos seus limites reais, ou seja, na vida pública e na vida privada, esse movimento nunca deixou de acontecer. A Rainha teve desafios dentro e fora dos palácios. O que demonstra o quanto os rótulos, os estereótipos, as imagens, são insuficientes para dar conta da dimensão da existência humana que cada indivíduo é obrigado a carregar. Pois, antes de qualquer outra atribuição, somos alguém de carne e osso.

Daí o viver ser tão complexo. Quando menos nos damos conta estamos diante da obrigação de cumprir inúmeros papéis sociais. Nenhum menos ou mais fácil. Todos chegam carregados de senões. Todos nos desafiam. Todos nos confrontam. De modo que os materialismos fracassam, no sentido de nos servir como suportes firmes, resistentes, imbatíveis.

O filme “Grace de Mônaco”, de 2014 2, é didático para trazer essa compreensão. Não só pelo fato de discutir os aspectos da realeza europeia; mas, para visibilizar os desafios de conviver e coexistir nesse cenário, que exige uma fortaleza humana muito consistente. Claro que, no caso da Rainha da Inglaterra, ela nasceu dentro da realeza, diferentemente, de Grace Kelly; mas, isso não diminui significativamente o peso das tensões a que foram obrigadas a lidar.

Aliás, não se pode negar o fato de que em situações dessa envergadura social, as mulheres são ampla e severamente mais exigidas e cobradas do que os homens. Ninguém ousa sequer perguntar, qual o peso das lágrimas, dos sofrimentos, das angústias, dos desconfortos, etereamente escondidos pelo glamour da toalete, do penteado, das joias que elas ostentam, como se nada disso existisse ou fosse possível existir. Como se o peso da sua própria humanidade fosse um preço módico a se pagar pela vida de regalias e privilégios que tem nas mãos.  

Pois é, a vida tem dois lados. Um bom e outro perverso. De modo que nem tudo que reluz é realmente ouro! Talvez, algumas pessoas surpreendam pela capacidade notável de se adaptar a tamanho desafio e abnegação, mas não acredito nisso como regra. Haja vista quantos renunciam aos cargos públicos, aos holofotes, ao glamour, a exposição, ao sucesso, a fama, pela consciência da sua falta de habilidade ou de competência para sobreviver a tudo isso.

Alguns chamariam isso de loucura. Outros de sanidade. Mas, eu considero de profunda coragem e respeito consigo mesmo. Admitir tal posição, consciente de que está contrariando “a maioria”, é notável! Mas, é também extraordinário do ponto de vista de acenar ao mundo com outras possibilidades de existir. Uma maneira de defender com unhas e dentes o seu próprio senso de dignidade, de integridade, de personalidade.

Afinal, devemos ser e fazer, nesse mundo, segundo a nossa consciência, os nossos valores, os nossos princípios. Ninguém melhor que você para saber onde lhe doem os calos ou onde está tudo dentro do equilíbrio. Porque nada do que você tem, ou aparenta ter, servirá de amparo e consolo nos dias de chuva ou de sol. Nem enxugará o seu pranto nos tempos de agonia. Nem restaurará a sua alma rasgada pela dor. Nem lhe fará companhia na solidão. Sem essa percepção apurada da vida, não haverá jamais, em tempo algum, o que comemorar. Nem 70 segundos. Nem 70 minutos. Nem 70 horas. Nem 70 dias. Nem 70 meses. Nem, tampouco, 70 anos.