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décadas e uma reflexão que ultrapassa os limites do tempo...
Por
Alessandra Leles Rocha
As chances de o mundo presenciar
um outro jubileu de platina de um (a) monarca são praticamente impossíveis,
observando o cenário atual. Mas, não é esse o ponto que me faz escrever no
momento. A proposta reflexiva vem de um outro viés.
Em plena contemporaneidade,
quando tudo parece orbitar a instantaneidade, a fugacidade da fama, da
visibilidade, dos (pseudo)poderes, das regalias e dos privilégios, a Rainha da
Inglaterra 1 desconstrói os
paradigmas no mais absoluto e discreto silêncio, sem alardes.
Há 70 anos pesam sobre seus
ombros femininos um poder descomunal. Nada que a riqueza, as regalias, os privilégios,
a fama ou a notoriedade, pudesse resolver ou amenizar. A investidura do cargo é
um peso a ser experimentado a seco, na solitude da própria existência humana,
com raras exceções da oportunidade opinativa ou conselheira, de terceiros
encarregados dessa função.
Portanto, ela seguiu o curso das
possibilidades conjunturais. Errou. Acertou. Hesitou. Refletiu. Se posicionou.
... No contexto da impossibilidade natural de dissociar a condição humana da
prerrogativa real. O que significa compromisso com as obrigações assumidas;
mas, sem jamais perder de vista, a humanidade reinante dentro de si.
De modo que essa é a grande
questão. Nem mesmo reis ou rainhas estão a salvo da vida como ela é. E como é importante
discutir sobre isso! Afinal de contas, escondidos dentro dos labirintos contemporâneos,
o individualismo e o materialismo têm provocado no inconsciente coletivo uma
construção ideológica de princípios, crenças e valores totalmente deturpados.
A começar pelo fato, de que uma
imensa maioria acredita, piamente, que a felicidade se baseia no sucesso
material. Que o arcabouço de riquezas é suficiente para consolidar uma
blindagem contra todos os males do mundo, além de alçar o indivíduo a um
patamar de superioridade e distinção inquestionável.
Olhar para a Rainha da
Inglaterra, com seus quase 100 anos de vida, exige reconhecer que, mesmo sendo
ela quem é, os caminhos não foram apenas floridos e fáceis. Talvez, mais espinhos
do que ela pudesse supor ou gostaria de ter encontrado estavam presentes. O que
soubemos pelas páginas dos livros de História, ela viveu, presenciou in loco. Ora como expectadora em tempo real,
ora como partícipe de grandes decisões.
Acontece que, dentro ou fora dos
seus limites reais, ou seja, na vida pública e na vida privada, esse movimento
nunca deixou de acontecer. A Rainha teve desafios dentro e fora dos palácios. O
que demonstra o quanto os rótulos, os estereótipos, as imagens, são
insuficientes para dar conta da dimensão da existência humana que cada indivíduo
é obrigado a carregar. Pois, antes de qualquer outra atribuição, somos alguém
de carne e osso.
Daí o viver ser tão complexo. Quando
menos nos damos conta estamos diante da obrigação de cumprir inúmeros papéis
sociais. Nenhum menos ou mais fácil. Todos chegam carregados de senões. Todos nos
desafiam. Todos nos confrontam. De modo que os materialismos fracassam, no
sentido de nos servir como suportes firmes, resistentes, imbatíveis.
O filme “Grace de Mônaco”, de 2014 2,
é didático para trazer essa compreensão. Não só pelo fato de discutir os
aspectos da realeza europeia; mas, para visibilizar os desafios de conviver e
coexistir nesse cenário, que exige uma fortaleza humana muito consistente.
Claro que, no caso da Rainha da Inglaterra, ela nasceu dentro da realeza,
diferentemente, de Grace Kelly; mas, isso não diminui significativamente o peso
das tensões a que foram obrigadas a lidar.
Aliás, não se pode negar o fato
de que em situações dessa envergadura social, as mulheres são ampla e
severamente mais exigidas e cobradas do que os homens. Ninguém ousa sequer
perguntar, qual o peso das lágrimas, dos sofrimentos, das angústias, dos
desconfortos, etereamente escondidos pelo glamour da toalete, do penteado, das
joias que elas ostentam, como se nada disso existisse ou fosse possível existir.
Como se o peso da sua própria humanidade fosse um preço módico a se pagar pela
vida de regalias e privilégios que tem nas mãos.
Pois é, a vida tem dois lados. Um
bom e outro perverso. De modo que nem tudo que reluz é realmente ouro! Talvez,
algumas pessoas surpreendam pela capacidade notável de se adaptar a tamanho desafio
e abnegação, mas não acredito nisso como regra. Haja vista quantos renunciam
aos cargos públicos, aos holofotes, ao glamour, a exposição, ao sucesso, a fama,
pela consciência da sua falta de habilidade ou de competência para sobreviver a
tudo isso.
Alguns chamariam isso de loucura.
Outros de sanidade. Mas, eu considero de profunda coragem e respeito consigo
mesmo. Admitir tal posição, consciente de que está contrariando “a maioria”, é notável! Mas, é também
extraordinário do ponto de vista de acenar ao mundo com outras possibilidades
de existir. Uma maneira de defender com unhas e dentes o seu próprio senso de
dignidade, de integridade, de personalidade.
Afinal, devemos ser e fazer, nesse mundo, segundo a nossa consciência, os nossos valores, os nossos princípios. Ninguém melhor que você para saber onde lhe doem os calos ou onde está tudo dentro do equilíbrio. Porque nada do que você tem, ou aparenta ter, servirá de amparo e consolo nos dias de chuva ou de sol. Nem enxugará o seu pranto nos tempos de agonia. Nem restaurará a sua alma rasgada pela dor. Nem lhe fará companhia na solidão. Sem essa percepção apurada da vida, não haverá jamais, em tempo algum, o que comemorar. Nem 70 segundos. Nem 70 minutos. Nem 70 horas. Nem 70 dias. Nem 70 meses. Nem, tampouco, 70 anos.