Vírus.
Cada vez mais próximos das pandemias...
Por
Alessandra Leles Rocha
É espantoso perceber como, cada
vez mais, o (a) brasileiro (a) se rende a uma seletivização arbitrária e
estúpida dos acontecimentos da vida, a tal ponto que aquilo o que realmente
importa acaba ficando de lado, à margem das prioridades.
Dizia o Prêmio Nobel de
Fisiologia (ou Medicina) de 1958, Joshua Lederberg, que “A única maior ameaça ao contínuo domínio do homem no planeta é o
vírus” 1. Mas, parece que a
humanidade não levou muito a sério esse alerta! Talvez, porque o tamanho dos
vírus os torne insignificantes demais para os seres humanos. Talvez, porque
haja uma exacerbada confiança no desenvolvimento científico e tecnológico no
campo da saúde. Talvez, por puro desconhecimento sobre o assunto. ... Não
importam as razões.
O que importa é que a negligência
e o descaso humano estão colocando a nossa espécie cada vez mais
vulnerabilizada em relação aos vírus. Não apenas em relação aqueles, os quais
já adquirimos algum nível de conhecimento a respeito; mas, em relação aqueles
que emergem como a mais intrigante surpresa.
Acontece que há um engano
profundo em pensar que a discussão sobre os vírus orbita somente o campo da
vida e da morte. Na verdade, ela vai muito além. Aliás, a pandemia do
Sars-Cov-2 e suas variantes, ainda em curso, nos deu uma perspectiva
interessantíssima a esse respeito. Esse, até então, desconhecido agente viral,
fez o mundo literalmente parar e se reorganizar para uma adaptação a novos
modos, comportamentos, crenças e valores.
Diante dos estragos avassaladores
promovidos pelo Sars-Cov-2 (e suas variantes), a raça humana foi obrigada a
rever seus conceitos e paradigmas. As suas vontades, os seus quereres, os seus
poderes e pseudopoderes, tudo ficou em último plano. A batuta da vida estava
nas mãos de um agente invisível e cuja imprevisibilidade não se poderia
dimensionar.
Pois é, queiram ou não admitir, a
destruição viral começa pela destruição das certezas e convicções, as quais o
ser humano acredita ter e as exibe com certa autoridade por aí. Os vírus nos
colocam de joelhos! Diante deles os nossos corpos, por mais bem adaptados,
nutridos e fortes, podem não reagir e responder a contento das expectativas
hipotéticas.
Doenças virais são sim, um flerte
direto com a morte. Algumas mais. Outras menos. Mas a possibilidade de isso vir
a se concretizar é real. Porque os sintomas evoluem dentro de um nível de
especificidade corpórea imprevisível, o que pode se arrastar pelo tempo e
influenciar uma situação de emergência e contaminação biológica coletiva. A
gripe, por exemplo, causada por uma certa cepa viral exige um esforço biológico
diferente daquele que seria por outra. Daí a sobrevivência diante dela ser uma
loteria.
É claro que o avanço científico e
tecnológico no campo das ciências médicas é uma maravilha! Mas, isso não quer
dizer que as soluções possam surgir da noite para o dia, em quantidade
suficiente para atender a todas as demandas, simultaneamente, ao redor do
planeta e em custos acessíveis a toda a população. Por mais empenho e esforço
que seja gasto nesse sentido. De modo que até que isso aconteça, a vida humana
está em franca posição de fragilidade, de risco iminente.
Por isso, chama bastante atenção,
o fato de as pessoas não especularem mais acerca do porquê os vírus estarem
incidindo com tanta fúria sobre a humanidade, nesse recorte mais recente da
contemporaneidade. Sim, muitas grandes epidemias estão registradas no curso da
história. Acontece que, de algumas décadas para cá, estamos imersos em uma
ocorrência simultânea de viroses. Febre Amarela. Dengue. Zika, Chikungunya.
H1N1. H3N2. Sars-Cov-2. Sarampo. ... Todas com um rastro de variantes para
tornar, ainda mais, complexa a situação.
Seria, então, obra do acaso?
Coincidência? Não. O adoecimento populacional, em uma grande maioria das
patologias, se dá simplesmente pelo estreitamento das conjunturas sociais que
nos aproximam dos agentes patológicos. Portanto, é impossível dissociar ou
negar as ações antrópicas como agentes promotores dos mais simples aos mais
complexos infortúnios de saúde.
No caso das viroses em que os
reservatórios virais se concentram em espécies animais, insetos, e, às vezes,
no próprio solo, ar e água, quando o ser humano interfere no equilíbrio ecossistêmico
da Natureza, ele automaticamente promove uma aproximação com esses agentes
infectocontagiosos. Situações como queimadas, desmatamento, poluição,
urbanização, contribuem sim, para o surgimento e/ou recrudescimento das
viroses.
Nesse sentido, não se pode
esquecer do aparecimento de um movimento antivacinas para doenças as quais a
ciência e a tecnologia já conseguiram produzir imunizantes. Isso, também, se
refere a uma ação antrópica. Tratam-se de pessoas imbuídas em desqualificar o
desenvolvimento científico e tecnológico, a partir do questionamento infundado
quanto à segurança e à eficácia das vacinas, colocando em risco a sobrevivência
humana.
Entretanto, esse embate está se
acirrando. Se de um lado as ações antrópicas se disseminam despreocupadamente
por todo o planeta, de outro as viroses vão se sobrepondo na realidade
cotidiana e construído cinturões de alerta e preocupação.
Em relação ao Brasil, por
exemplo, houve um aumento de 113,7% nos casos de Dengue, no primeiro
quadrimestre desse ano 2. No
entanto, o surto de hepatite aguda infantil, que já registra casos em cerca de
20 países 3, também é investigado no território
nacional 4. Então, só aqui, em território nacional, já
temos COVID-19, Dengue, Sarampo e, quem sabe, hepatite aguda infantil.
Assim, não bastasse esse cenário
preocupante, eis que um vírus semelhante ao causador da Varíola em seres
humanos decidiu aparecer no cenário mundial, justamente nesse momento. Do
gênero Orthopoxvirus, o vírus da
varíola dos macacos 5 já tem
80 casos confirmados em 12 países – Reino Unido, Espanha, Portugal, Alemanha,
Bélgica, França, Holanda, Itália, Suécia, EUA, Canadá e Austrália 6.
Embora, haja informações de que
ele tenha um comportamento menos devastador que o da Varíola (humana), o qual
matou mais de 300 milhões de pessoas, somente no século XX, não dá para
relaxar! Vírus são mutantes. Vírus obedecem às suas necessidades de
preservação. Daí a existência de cepas mais ou menos contagiosas, com efeitos
mais ou menos severos, com mais ou menos risco de letalidade.
Então, fiquemos a conferir o que
nos reserva esse emaranhado do imponderável, do insólito. É hora de baixar a
bola das certezas absolutas, das convicções inabaláveis, das negligências
gratuitas, dos escárnios inapropriados. O mundo está girando à velocidade de
uma centrífuga laboratorial. Separando cada componente desse gigantesco celeiro
de joios e trigos de maneira precisa.
Então, cuidado! Muito cuidado com
seus julgamentos baseados por espumas, por aparências, por superficialidades. O
tempo presente pede atenção, pede reflexão, pede profundidade, pois os piores
inimigos estão fora do nosso raio de visão; mas, estão circulando entre nós. E
será que estamos aptos para quantas pandemias mais? Lembre-se, nenhum vírus da
ignorância, da estupidez ou da mediocridade é páreo para os adenovírus, os
retrovírus e os arbovírus.
1 The single
biggest threat to man’s continued dominance on the planet is the vírus. Joshua
Lederberg, Ph.D. – Nobel laureate.
2 https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2022-05/casos-de-dengue-aumentam-1137-nos-quatro-primeiros-meses-de-2022
3 https://g1.globo.com/saude/noticia/2022/05/02/oms-faz-alerta-sobre-surto-de-hepatite-aguda-infantil-indonesia-registra-mortes-por-causa-da-doenca.ghtml
4 https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2022/05/5009356-ministerio-da-saude-investiga-58-casos-de-hepatite-infantil-misteriosa.html