domingo, 22 de maio de 2022

Vírus. Cada vez mais próximos das pandemias...


Vírus. Cada vez mais próximos das pandemias...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

É espantoso perceber como, cada vez mais, o (a) brasileiro (a) se rende a uma seletivização arbitrária e estúpida dos acontecimentos da vida, a tal ponto que aquilo o que realmente importa acaba ficando de lado, à margem das prioridades.

Dizia o Prêmio Nobel de Fisiologia (ou Medicina) de 1958, Joshua Lederberg, que “A única maior ameaça ao contínuo domínio do homem no planeta é o vírus” 1. Mas, parece que a humanidade não levou muito a sério esse alerta! Talvez, porque o tamanho dos vírus os torne insignificantes demais para os seres humanos. Talvez, porque haja uma exacerbada confiança no desenvolvimento científico e tecnológico no campo da saúde. Talvez, por puro desconhecimento sobre o assunto. ... Não importam as razões.

O que importa é que a negligência e o descaso humano estão colocando a nossa espécie cada vez mais vulnerabilizada em relação aos vírus. Não apenas em relação aqueles, os quais já adquirimos algum nível de conhecimento a respeito; mas, em relação aqueles que emergem como a mais intrigante surpresa.

Acontece que há um engano profundo em pensar que a discussão sobre os vírus orbita somente o campo da vida e da morte. Na verdade, ela vai muito além. Aliás, a pandemia do Sars-Cov-2 e suas variantes, ainda em curso, nos deu uma perspectiva interessantíssima a esse respeito. Esse, até então, desconhecido agente viral, fez o mundo literalmente parar e se reorganizar para uma adaptação a novos modos, comportamentos, crenças e valores.

Diante dos estragos avassaladores promovidos pelo Sars-Cov-2 (e suas variantes), a raça humana foi obrigada a rever seus conceitos e paradigmas. As suas vontades, os seus quereres, os seus poderes e pseudopoderes, tudo ficou em último plano. A batuta da vida estava nas mãos de um agente invisível e cuja imprevisibilidade não se poderia dimensionar.

Pois é, queiram ou não admitir, a destruição viral começa pela destruição das certezas e convicções, as quais o ser humano acredita ter e as exibe com certa autoridade por aí. Os vírus nos colocam de joelhos! Diante deles os nossos corpos, por mais bem adaptados, nutridos e fortes, podem não reagir e responder a contento das expectativas hipotéticas.  

Doenças virais são sim, um flerte direto com a morte. Algumas mais. Outras menos. Mas a possibilidade de isso vir a se concretizar é real. Porque os sintomas evoluem dentro de um nível de especificidade corpórea imprevisível, o que pode se arrastar pelo tempo e influenciar uma situação de emergência e contaminação biológica coletiva. A gripe, por exemplo, causada por uma certa cepa viral exige um esforço biológico diferente daquele que seria por outra. Daí a sobrevivência diante dela ser uma loteria.

É claro que o avanço científico e tecnológico no campo das ciências médicas é uma maravilha! Mas, isso não quer dizer que as soluções possam surgir da noite para o dia, em quantidade suficiente para atender a todas as demandas, simultaneamente, ao redor do planeta e em custos acessíveis a toda a população. Por mais empenho e esforço que seja gasto nesse sentido. De modo que até que isso aconteça, a vida humana está em franca posição de fragilidade, de risco iminente.

Por isso, chama bastante atenção, o fato de as pessoas não especularem mais acerca do porquê os vírus estarem incidindo com tanta fúria sobre a humanidade, nesse recorte mais recente da contemporaneidade. Sim, muitas grandes epidemias estão registradas no curso da história. Acontece que, de algumas décadas para cá, estamos imersos em uma ocorrência simultânea de viroses. Febre Amarela. Dengue. Zika, Chikungunya. H1N1. H3N2. Sars-Cov-2. Sarampo. ... Todas com um rastro de variantes para tornar, ainda mais, complexa a situação.

Seria, então, obra do acaso? Coincidência? Não. O adoecimento populacional, em uma grande maioria das patologias, se dá simplesmente pelo estreitamento das conjunturas sociais que nos aproximam dos agentes patológicos. Portanto, é impossível dissociar ou negar as ações antrópicas como agentes promotores dos mais simples aos mais complexos infortúnios de saúde.

No caso das viroses em que os reservatórios virais se concentram em espécies animais, insetos, e, às vezes, no próprio solo, ar e água, quando o ser humano interfere no equilíbrio ecossistêmico da Natureza, ele automaticamente promove uma aproximação com esses agentes infectocontagiosos. Situações como queimadas, desmatamento, poluição, urbanização, contribuem sim, para o surgimento e/ou recrudescimento das viroses.

Nesse sentido, não se pode esquecer do aparecimento de um movimento antivacinas para doenças as quais a ciência e a tecnologia já conseguiram produzir imunizantes. Isso, também, se refere a uma ação antrópica. Tratam-se de pessoas imbuídas em desqualificar o desenvolvimento científico e tecnológico, a partir do questionamento infundado quanto à segurança e à eficácia das vacinas, colocando em risco a sobrevivência humana.

Entretanto, esse embate está se acirrando. Se de um lado as ações antrópicas se disseminam despreocupadamente por todo o planeta, de outro as viroses vão se sobrepondo na realidade cotidiana e construído cinturões de alerta e preocupação.

Em relação ao Brasil, por exemplo, houve um aumento de 113,7% nos casos de Dengue, no primeiro quadrimestre desse ano 2. No entanto, o surto de hepatite aguda infantil, que já registra casos em cerca de 20 países 3, também é investigado no território nacional 4.  Então, só aqui, em território nacional, já temos COVID-19, Dengue, Sarampo e, quem sabe, hepatite aguda infantil.

Assim, não bastasse esse cenário preocupante, eis que um vírus semelhante ao causador da Varíola em seres humanos decidiu aparecer no cenário mundial, justamente nesse momento. Do gênero Orthopoxvirus, o vírus da varíola dos macacos 5 já tem 80 casos confirmados em 12 países – Reino Unido, Espanha, Portugal, Alemanha, Bélgica, França, Holanda, Itália, Suécia, EUA, Canadá e Austrália 6.

Embora, haja informações de que ele tenha um comportamento menos devastador que o da Varíola (humana), o qual matou mais de 300 milhões de pessoas, somente no século XX, não dá para relaxar! Vírus são mutantes. Vírus obedecem às suas necessidades de preservação. Daí a existência de cepas mais ou menos contagiosas, com efeitos mais ou menos severos, com mais ou menos risco de letalidade.

Então, fiquemos a conferir o que nos reserva esse emaranhado do imponderável, do insólito. É hora de baixar a bola das certezas absolutas, das convicções inabaláveis, das negligências gratuitas, dos escárnios inapropriados. O mundo está girando à velocidade de uma centrífuga laboratorial. Separando cada componente desse gigantesco celeiro de joios e trigos de maneira precisa.

Então, cuidado! Muito cuidado com seus julgamentos baseados por espumas, por aparências, por superficialidades. O tempo presente pede atenção, pede reflexão, pede profundidade, pois os piores inimigos estão fora do nosso raio de visão; mas, estão circulando entre nós. E será que estamos aptos para quantas pandemias mais? Lembre-se, nenhum vírus da ignorância, da estupidez ou da mediocridade é páreo para os adenovírus, os retrovírus e os arbovírus.



1 The single biggest threat to man’s continued dominance on the planet is the vírus. Joshua Lederberg, Ph.D. – Nobel laureate.