Medo???
Por
Alessandra Leles Rocha
Então, é assim, o medo como
estratégia de controle social?! Embora não tenham sumido do mapa, as Fake News tiveram sim um arrefecimento
considerável. O frisson de outrora perdeu um pouco do gás, depois que uma onda
de contestação e enfrentamento desse tipo de notícias ganhou protagonismo. Foram
muitos os veículos de checagem desenvolvendo um trabalho sério, sistemático e
atuante, a fim de desconstruir as velhas narrativas que giravam ao redor de uma
pseudoignorância social impregnada de más intenções.
Porém, isso não significa que o
medo deixou de nos rondar. Não. Só que agora ele chega vestido com cara de notícia
recém-saída do forno trazida por veículos de informação e comunicação
conhecidos. Notícias que causam, ou pelo menos têm a intenção de causar
calafrios, tendo em vista que abordam assuntos já tão sensíveis e indigestos à própria
realidade nacional, como, por exemplo, o fim da gratuidade no Sistema Único de
Saúde (SUS) e nas Universidade Federais e uma “desideologização” do ensino 1.
Acontece que o medo desconforta. E
justamente por isso, reduz a capacidade de parar e refletir de maneira isenta e
serena a respeito de qualquer assunto. Ora, mas basta uma passada de olhos pela
realidade brasileira para computar a quantidade de pequenos “caos” deflagrados
por todos os cantos. O momento nacional é péssimo em todos os sentidos.
Primeiro, por conta própria, dada
a flagrante ausência de habilidade e competência do governo para manter o país
nos trilhos do desenvolvimento e do progresso. Segundo, porque o Brasil, ainda,
faz parte do globo terrestre e, por essa razão, sofre direta e/ou indiretamente
os impactos reverberados pelas crises que acontecem em outros cantos. Terceiro,
porque somatizamos mazelas históricas seculares ao fluxo contínuo e recente de
outras tantas.
Isso significa que a população já
está amedrontada pelo dia de amanhã. Será que vai ter emprego? Será que vai ter
comida no prato? Será que vai ter como encher o tanque do automóvel? Será que
vai ter dinheiro para o remédio? Será que a pandemia nunca mais vai passar? Será
...? Será ...? Será ...? Perguntas que tiram o sono, tiram a paz, tiram o
sossego, tiram a dignidade das pessoas, porque as lançam em um redemoinho de
incertezas aterrorizador e intenso. Que traçam uma realidade inóspita sem prazo
para acabar.
Então, quando a turma da extrema
direita nacional acha graça em colocar mais pilha na grande massa da população,
é realmente algo sem noção! Apologia de estratégias para levar o Brasil a
situações que mergulhem de cabeça no aprofundamento da bancarrota nacional, é mesmo
surreal. Destruir a dignidade humana das parcelas mais frágeis e vulneráveis do
país, que diante da situação atual beiram mais de 70% da população, não
sustenta e nem melhora o conjunto de regalias e privilégios dessa gente que
vive em outro planeta, ou melhor, em outro século.
De modo que esse tipo de “terrorismo discursivo” não diz nada
para coisa nenhuma. Dizer que vão fazer isso ou aquilo, que vão transformar o
país na materialização de uma idealização desvairada, é um ataque direto aos próprios
interesses dessa gente. Porque se eles acreditam que dilapidando e usurpando os
recursos nacionais, até a última gota, vai ser suficiente para a sua sanha, não
vai não! Pessoas de espírito absolutista, como essas, não se contentam com
pouco, querem mais, e mais, e mais... Mas, de onde só se retira e não se repõe,
rapidamente se depara com a escassez. E eles não querem um país pobre, miserável,
árido de recursos.
Portanto, diz a lógica do bom
senso para se ter prudência e não jogar contra os interesses daqueles que
sustentam o topo da pirâmide social brasileira. O seu infortúnio, a sua
infelicidade, o seu desespero, não são nada producentes para a sobrevivência do
país. E não sou eu quem diz, basta lembrar o que foi a Revolução Francesa, no
século XVIII. A monarquia nunca acreditou que o povo poderia chegar ao limite
que chegou, que poderiam insurgir contra o topo da pirâmide. E não é que eles
provaram o contrário!!! Subestimar os “inimigos”
ou “adversários” é um erro crasso.
Ninguém nunca mediu o limite da tolerância
brasileira. E mesmo se tivesse medido, está na configuração das conjunturas o
balizamento desse limite. Quanto piores elas se tornam, mais se abre
possibilidade de ele diminuir. Sem contar que, no momento atual, muita gente
que se achava seguro na sua bolha de estabilidade viu a vida puxar-lhe o tapete
sem a menor cerimônia.
Pois é, muita gente que comia
chuchu e arrotava caviar, agora vende o almoço para comprar a janta, e olhe lá!
De modo que, certamente, não são pessoas distribuindo alegria e contentamento,
resignação e passividade. Como dizia Martin Luther King, “A verdadeira medida de um homem não se vê na forma como se comporta em
momentos de conforto e conveniência, mas em como se mantém em tempos de controvérsia
e desafio”.
Lamento, mas cultivar o medo é, além
de inútil, absurdamente irresponsável. O saudoso sociólogo Herbert de Souza, o
Betinho, afirmava que “O desenvolvimento
humano só existirá se a sociedade civil afirmar cinco pontos fundamentais: igualdade,
diversidade, participação, solidariedade e liberdade”. Ele estava corretíssimo!
Um pouco de reparo no próprio ciclo das Revoluções Industriais para perceber
que elas só chegaram até aqui, porque apesar de muita resistência, de muita intransigência,
de conflitos gravíssimos, direitos a
priori negados aos cidadãos trabalhadores tiveram que ser legalizados e
institucionalizados, para minimizar os prejuízos e os retrocessos.
Por isso, eu adoro essa frase da
cientista Marie Curie, “Nada na vida é
para ser temido, apenas sim para ser entendido”. Que bom que as notícias
estejam nos veículos de informação e comunicação. Que bom que as verdades e as
tolices estejam pelos nossos caminhos. Porque, dessa forma, tomamos nas mãos a
nossa responsabilidade de exercitar a cidadania. De ler com atenção cada linha.
De extrair com personalidade e propriedade cada entrelinha. De analisar,
segundo a nossa própria cabeça, cada ideia ali presente. Porque é dessa maneira
que o entendimento, o conhecimento, pessoal e intransferível, é aceso dentro de
nós. Afinal, como escreveu Louisa May Alcott, “Não tenho medo de tempestades, pois estou aprendendo a navegar meu
barco”.