Atenção
aos erros de cálculo!!!
Por
Alessandra Leles Rocha
Os tempos são outros! Essa é uma
verdade que grita a sua urgência de entendimento. Daqui e dali percebo um
saudosismo enviesado, despropositado, e quanto mais tenta avançar dentro da
sociedade mais nos aproxima da beira do abismo, colocando em risco a sobrevivência
de todos.
Então, lendo a notícia de que o “Governo prepara redução de FGTS e multa por
demissão” 1 me parece escancarados
os limites que a aporofobia, no Brasil, atingiram. As medidas erráticas que vieram sendo
produzidas no campo econômico; sobretudo, nos últimos 4 anos, acrescidas de
todas aquelas que vieram precarizar o trabalho no país, não deixam quaisquer
dúvidas em relação ao “repúdio, aversão
ou desprezo pelos pobres ou desfavorecidos; hostilidade para com pessoas em
situação de pobreza ou miséria” 2.
Acontece que esse sentimento de
ódio nascido nos primórdios da colonização brasileira e disseminado de geração
em geração, até aqui, está cada vez mais desconectado da realidade. Primeiro,
porque, lá entre os séculos XIV e XVII, a população do mundo era infimamente
menor do que os mais de 7,8 bilhões de seres humanos existentes agora.
Depois, porque o regime político
vigente no Colonialismo era a monarquia, de modo que bens e riquezas eram
obtidas para constituir a propriedade das famílias reais e garantir-lhes
regalias e privilégios ao longo da vida.
Sem contar que não havia quaisquer possibilidades de mobilidade social
nesse período.
E, por fim, as Revoluções
Industriais que viriam futuramente consolidar o sistema capitalista e criar uma
sociedade de consumo, nem sequer figuravam no horizonte. Portanto, a má
distribuição de recursos, a exploração do trabalho pelo regime servil, as
péssimas condições de vida da população, tudo isso era facilmente aceitável no
contexto colonial.
Mas, como o mundo gira... eis que
a partir da segunda metade do século XVIII, com o advento da Primeira Revolução
Industrial, as camadas sociais tidas, até então, como desimportantes e
desprivilegiadas, passaram a contar nas análises socioeconômicas. Ora, ainda
que uma burguesia tenha surgido para disputar espaço de influência e poder com
as monarquias existentes no cenário mundial, esse contingente abastado não
seria suficiente para dar vazão ao fluxo do ciclo produtivo. Sim, por mais
dinheiro que essas pessoas dispusessem de recursos, elas seriam incapazes de
consumir todo o volume produzido pela industrialização.
De modo que a sociedade foi
obrigada a perceber e compreender a necessidade de possibilitar que os outros
estratos, além do topo da pirâmide social, tivessem condições de não apenas
produzir; mas, também, de consumir os frutos do seu trabalho. Algo que fica
bastante evidente quando há uma crise econômica que impossibilita o consumo,
pois a redução direta do poder de compra da grande massa da população faz a
produção ficar parada nas prateleiras dos comércios e das indústrias. O que
inevitavelmente significa um imenso prejuízo para os donos dos meios de
produção e para a própria economia do país.
Assim, engana-se quem pensa que a
economia global gira sem sobressaltos apenas com a força do mercado de
capitais, criado para negociar os ativos financeiros de um grupo seleto da
sociedade, ou seja, a elite. Mesmo que existam investidores menores no mercado
de capitais a pujança desse espaço advém das grandes fortunas, daqueles que
realmente têm condições de investir na bolsa de valores, através de corretoras
e instituições financeiras autorizadas para esse tipo de negociação.
Na verdade, o tempo imprimiu um
atrelamento direto entre a economia e o desenvolvimento científico e tecnológico,
a tal ponto que se tornou impossível que não houvesse impactos sobre o
cotidiano da população. Foi através desse atrelamento que a ideologia do
consumo se aprimorou para tornar os cidadãos cada vez mais dependentes de
recursos financeiros a fim de satisfazer suas demandas, fossem elas básicas ou
supérfluas. A todo instante são lançadas novidades para encher os olhos e
exercer um estímulo sobre os indivíduos para que eles busquem encontrar
condições econômicas para adquiri-las.
Então, quando um país trabalha na
contramão desse movimento, ele tende a sucumbir. Queiram ou não aceitar, há
sim, um limite até que o país entre em falência da sua dinâmica econômica.
Quanto maior e mais acelerado é o processo de empobrecimento, mais próximo ele
fica desse limite. Reitero que a economia não gira apenas com a força do
mercado de capitais ou com a força sazonal das exportações. Não, ela precisa de
cada um dos membros da sociedade de consumo executando a sua rotina de
aquisição de bens, produtos e serviços.
E a excelência desse processo se
dá, basicamente, pela redução do empobrecimento, da miséria, das desigualdades
sociais. Não se trata de uma especulação ou de uma suposição. Não é uma questão
ideológica como tentam justificar e desqualificar esse tipo de observação. Basta
verificar que os países com melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
possuem um alto desenvolvimento socioeconômico 3.
Afinal, “o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida resumida do
progresso a longo prazo em três dimensões básicas do desenvolvimento humano:
renda, educação e saúde. O objetivo da criação do IDH foi o de oferecer um
contraponto a outro indicador muito utilizado, o Produto Interno Bruto (PIB)
per capita, que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento” 4. Em relação ao Brasil, em 2021,
quando comparado aos 188 países analisados, ele ficou na posição 75, ou seja,
posterior ao México e anterior à Geórgia. Quanto ao PIB, ele está na 13ª
posição, logo após a Austrália.
Vejam bem, todos os discursos e
narrativas envolvendo a expansão do sentimento aporofóbico no Brasil o estão
conduzindo à sua autodestruição. O mais peculiar e intrigante nessa história
toda é que lá, pelos idos do século XIX e XX, tempo em viveu Rui Barbosa, o
grande jurisconsulto, ele já havia escrito: “Lucram
com a desordem os governos desacreditados, que, vivendo apenas de viver, tendo
violado todas as leis, faltado a todos os deveres, perdido toda a estima
pública, necessitam de romancear revoluções, que recomendem o zelo da
administração pela estabilidade da paz, autorizem a perpetração de insídias
contra o direito desarmado, e encubram, na confusão das ruas, a mão da polícia,
que passa, executando os seus cálculos de eliminação homicida” 5.
Portanto, não se esqueçam de que
empobrecer a grande massa da população a fim de destruí-la e/ou exterminá-la,
por meio de práticas perversas e cruéis, tem efeito rebote sobre todos.
Extinguir direitos, ameaçar a dignidade humana, comprometer a cidadania,
afrontar a Democracia, ... tudo isso atinge sob diferentes formas e conteúdos,
velocidades e intensidades, as regalias e os privilégios de quem está no topo
da pirâmide. Ora, se a base for destruída o ápice, inevitavelmente, cai. Porque
os erros de cálculo podem sim, fazê-lo perder a sua sustentação.