sábado, 14 de maio de 2022

Atenção aos erros de cálculo!!!


Atenção aos erros de cálculo!!!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Os tempos são outros! Essa é uma verdade que grita a sua urgência de entendimento. Daqui e dali percebo um saudosismo enviesado, despropositado, e quanto mais tenta avançar dentro da sociedade mais nos aproxima da beira do abismo, colocando em risco a sobrevivência de todos.

Então, lendo a notícia de que o “Governo prepara redução de FGTS e multa por demissão” 1 me parece escancarados os limites que a aporofobia, no Brasil, atingiram.  As medidas erráticas que vieram sendo produzidas no campo econômico; sobretudo, nos últimos 4 anos, acrescidas de todas aquelas que vieram precarizar o trabalho no país, não deixam quaisquer dúvidas em relação ao “repúdio, aversão ou desprezo pelos pobres ou desfavorecidos; hostilidade para com pessoas em situação de pobreza ou miséria” 2.

Acontece que esse sentimento de ódio nascido nos primórdios da colonização brasileira e disseminado de geração em geração, até aqui, está cada vez mais desconectado da realidade. Primeiro, porque, lá entre os séculos XIV e XVII, a população do mundo era infimamente menor do que os mais de 7,8 bilhões de seres humanos existentes agora.

Depois, porque o regime político vigente no Colonialismo era a monarquia, de modo que bens e riquezas eram obtidas para constituir a propriedade das famílias reais e garantir-lhes regalias e privilégios ao longo da vida.  Sem contar que não havia quaisquer possibilidades de mobilidade social nesse período.

E, por fim, as Revoluções Industriais que viriam futuramente consolidar o sistema capitalista e criar uma sociedade de consumo, nem sequer figuravam no horizonte. Portanto, a má distribuição de recursos, a exploração do trabalho pelo regime servil, as péssimas condições de vida da população, tudo isso era facilmente aceitável no contexto colonial.

Mas, como o mundo gira... eis que a partir da segunda metade do século XVIII, com o advento da Primeira Revolução Industrial, as camadas sociais tidas, até então, como desimportantes e desprivilegiadas, passaram a contar nas análises socioeconômicas. Ora, ainda que uma burguesia tenha surgido para disputar espaço de influência e poder com as monarquias existentes no cenário mundial, esse contingente abastado não seria suficiente para dar vazão ao fluxo do ciclo produtivo. Sim, por mais dinheiro que essas pessoas dispusessem de recursos, elas seriam incapazes de consumir todo o volume produzido pela industrialização.

De modo que a sociedade foi obrigada a perceber e compreender a necessidade de possibilitar que os outros estratos, além do topo da pirâmide social, tivessem condições de não apenas produzir; mas, também, de consumir os frutos do seu trabalho. Algo que fica bastante evidente quando há uma crise econômica que impossibilita o consumo, pois a redução direta do poder de compra da grande massa da população faz a produção ficar parada nas prateleiras dos comércios e das indústrias. O que inevitavelmente significa um imenso prejuízo para os donos dos meios de produção e para a própria economia do país.

Assim, engana-se quem pensa que a economia global gira sem sobressaltos apenas com a força do mercado de capitais, criado para negociar os ativos financeiros de um grupo seleto da sociedade, ou seja, a elite. Mesmo que existam investidores menores no mercado de capitais a pujança desse espaço advém das grandes fortunas, daqueles que realmente têm condições de investir na bolsa de valores, através de corretoras e instituições financeiras autorizadas para esse tipo de negociação.

Na verdade, o tempo imprimiu um atrelamento direto entre a economia e o desenvolvimento científico e tecnológico, a tal ponto que se tornou impossível que não houvesse impactos sobre o cotidiano da população. Foi através desse atrelamento que a ideologia do consumo se aprimorou para tornar os cidadãos cada vez mais dependentes de recursos financeiros a fim de satisfazer suas demandas, fossem elas básicas ou supérfluas. A todo instante são lançadas novidades para encher os olhos e exercer um estímulo sobre os indivíduos para que eles busquem encontrar condições econômicas para adquiri-las.

Então, quando um país trabalha na contramão desse movimento, ele tende a sucumbir. Queiram ou não aceitar, há sim, um limite até que o país entre em falência da sua dinâmica econômica. Quanto maior e mais acelerado é o processo de empobrecimento, mais próximo ele fica desse limite. Reitero que a economia não gira apenas com a força do mercado de capitais ou com a força sazonal das exportações. Não, ela precisa de cada um dos membros da sociedade de consumo executando a sua rotina de aquisição de bens, produtos e serviços.

E a excelência desse processo se dá, basicamente, pela redução do empobrecimento, da miséria, das desigualdades sociais. Não se trata de uma especulação ou de uma suposição. Não é uma questão ideológica como tentam justificar e desqualificar esse tipo de observação. Basta verificar que os países com melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) possuem um alto desenvolvimento socioeconômico 3. 

Afinal, “o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida resumida do progresso a longo prazo em três dimensões básicas do desenvolvimento humano: renda, educação e saúde. O objetivo da criação do IDH foi o de oferecer um contraponto a outro indicador muito utilizado, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento” 4. Em relação ao Brasil, em 2021, quando comparado aos 188 países analisados, ele ficou na posição 75, ou seja, posterior ao México e anterior à Geórgia. Quanto ao PIB, ele está na 13ª posição, logo após a Austrália.

Vejam bem, todos os discursos e narrativas envolvendo a expansão do sentimento aporofóbico no Brasil o estão conduzindo à sua autodestruição. O mais peculiar e intrigante nessa história toda é que lá, pelos idos do século XIX e XX, tempo em viveu Rui Barbosa, o grande jurisconsulto, ele já havia escrito: “Lucram com a desordem os governos desacreditados, que, vivendo apenas de viver, tendo violado todas as leis, faltado a todos os deveres, perdido toda a estima pública, necessitam de romancear revoluções, que recomendem o zelo da administração pela estabilidade da paz, autorizem a perpetração de insídias contra o direito desarmado, e encubram, na confusão das ruas, a mão da polícia, que passa, executando os seus cálculos de eliminação homicida” 5.

Portanto, não se esqueçam de que empobrecer a grande massa da população a fim de destruí-la e/ou exterminá-la, por meio de práticas perversas e cruéis, tem efeito rebote sobre todos. Extinguir direitos, ameaçar a dignidade humana, comprometer a cidadania, afrontar a Democracia, ... tudo isso atinge sob diferentes formas e conteúdos, velocidades e intensidades, as regalias e os privilégios de quem está no topo da pirâmide. Ora, se a base for destruída o ápice, inevitavelmente, cai. Porque os erros de cálculo podem sim, fazê-lo perder a sua sustentação.