sábado, 2 de abril de 2022

Pois é, não vai dar para esquecer!


Pois é, não vai dar para esquecer!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Deveriam ser quatro anos a serem esquecidos; mas, não será possível. Amargaremos décadas tentando reparar os danos, os prejuízos gigantescos que o governo federal nos presenteou. Não há uma área específica a se apontar, como causa do grande desastre, segundo propõem alguns 1.

Tudo tem sido péssimo, na medida em que se buscou destruir, desarranjar, desconfigurar, sem ter quaisquer propostas melhores para colocar no lugar. Portanto, ficamos com vazios, com lacunas, que mais se assemelham a terras arrasadas.

Chegamos ao quarto mês de 2022 e o que fez o governo, até agora, para suprir tantas demandas que urgem no país? Nada. Permanecemos às voltas com mais do mesmo no balaio das mazelas. Nenhuma notícia traz consigo uma consistência que anima e faz acreditar em passos adiante, o que puxa o bom humor e uma eventual esperança para baixo.

Tudo porque as atenções estão voltadas para o pleito eleitoral em outubro, a exatos seis meses a contar de hoje. A velha máxima de que “tempo é dinheiro” foi literalmente abandonada. Afinal, o não fazer na gestão pública significa exatamente desperdiçar recursos ao invés de bem empregá-los com vistas a se obter retornos melhores e mais expressivos.

Assim, não só perdemos na estagnação, na inação, no descaso, na indiferença; mas, em relação a um tempo que se converte em décadas perdidas em um piscar de olhos. Pois, leva-se muitos giros do relógio para realizar e, bem poucos, para se destruir. Sem contar que nem tudo o que se destrói pode ser recuperado.

E não podemos negar que assistimos, minuto a minuto, a perda de centenas de milhares de vidas para a má gestão da pandemia. De grandes extensões dos principais biomas nacionais, principalmente, o Cerrado, o Pantanal e a Amazônia, pelo desmatamento voraz e as queimadas criminosas.

O esgotamento dos cursos hídricos pela escassez dos regimes pluviométricos, em razão da ausência de medidas eficazes contra as mudanças climáticas. A destruição dos espaços geográficos pelos eventos extremos do clima que varreram o território brasileiro.

O retorno triunfante da fome e da miséria pelas mãos da inflação, do desemprego e de todas as medidas econômica erráticas que foram empregadas. E muito mais.

Daí a imensa dificuldade de esquecer. Cada lembrança, cada registro dos acontecimentos cotidianos, está presa na certeza da mais plena ausência de retratação ou reparo. É só a imagem fria e cruel dos fatos a latejar dentro da consciência, até conseguir alcançar as camadas mais profundas do inconsciente, para não mais se perder.

Talvez, isso explique porque nos sintamos rodando sem destino dentro de uma espiral de caos e loucura, sem conseguir nos segurar em algum apoio. A realidade foi travestida para parecer menos atroz e mais digerível. Só não contavam que o resultado seria passageiro e, logo, a dissimulação iria se esvair como fumaça.

Aliás, é todo esse processo que nos faz entender que o desejo do esquecimento não é tão genuinamente inocente, como tenta fazer transparecer. Não. Queremos esquecer para nos abster, nos absolver, nos afastar, a qualquer custo, da consciência em relação ao nosso quinhão de responsabilidade pelos acontecimentos. Seja pela ação ou pela omissão, nossas mãos estão sempre manchadas da tinta que escreve a história, todos os dias.

De modo que se algo nos entristece, nos perturba, nos desconforta, nos enraivece, não podemos lançar sobre os ombros do acaso, todo o peso da responsabilidade. Protagonistas ou coadjuvantes, nossa presença compõe cada ato da obra cotidiana.

Talvez, porque deixamos de pensar, de refletir, de analisar a vida como deve ser. Não é à toa tantos erros e equívocos repetidos desnecessariamente. Tanta credulidade depositada no vazio. Tanta convicção sobre um imenso mar de incertezas.

Só pela falsa sensação, a ilusória emoção, de que damos as cartas, que temos o jogo nas mãos, que podemos decidir sem prestar a devida atenção. Só porque alguém nos disse que somos dotados de inteligência. Mas, será que só ela é o suficiente para ler o mundo no seu direito e no seu avesso?

No fim das contas, esquecer não muda o curso da história. Os fatos são os fatos, ainda que uma Pós-Verdade, incrustada na contemporaneidade, tente contá-los de outras maneiras. Porque os fatos dão conta dos resultados, dos desdobramentos, das consequências e/ou das sequelas, impossibilitando apagar da mente o que realmente aconteceu.

Esquecer é só uma estratégia para aplacar a dor, a raiva, o descontentamento. Como bem escreveu Shakespeare, em Hamlet, “[...] Dormir, dormir... Talvez sonhar...”; pois, assim, quem sabe, fosse possível encontrar meios para lidar com as angústias e os sofrimentos advindos da vida e da morte.

Mas, apesar dos pesares, por pior que possa parecer, ser incapaz de esquecer acaba sendo de sumo valor. Porque, ainda que por linhas tortas, ensina, burila, lapida o aprendizado humano para levá-lo a um estágio de maior evolução. Como escreveu Plutarco, escritor e filósofo grego, “O ser humano não pode deixar de cometer erros; é com os erros que os homens de bom senso aprendem a sabedoria para o futuro”.

Isso significa, então, que o não esquecer soa como um alerta da consciência, que não merece ser desprezado; embora, não signifique que sejamos obrigados a recuar. Fomos apenas avisados. O que nos garante uma boa perspectiva do que está por vir. Seguir ou não é, portanto, escolha de cada um; pois, segundo Sidarta Gautama (Buda), “Na vida a dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional”.