Pois
é, não vai dar para esquecer!
Por
Alessandra Leles Rocha
Deveriam ser quatro anos a serem
esquecidos; mas, não será possível. Amargaremos décadas tentando reparar os
danos, os prejuízos gigantescos que o governo federal nos presenteou. Não há uma
área específica a se apontar, como causa do grande desastre, segundo propõem
alguns 1.
Tudo tem sido péssimo, na medida
em que se buscou destruir, desarranjar, desconfigurar, sem ter quaisquer
propostas melhores para colocar no lugar. Portanto, ficamos com vazios, com
lacunas, que mais se assemelham a terras arrasadas.
Chegamos ao quarto mês de 2022 e
o que fez o governo, até agora, para suprir tantas demandas que urgem no país?
Nada. Permanecemos às voltas com mais do mesmo no balaio das mazelas. Nenhuma
notícia traz consigo uma consistência que anima e faz acreditar em passos
adiante, o que puxa o bom humor e uma eventual esperança para baixo.
Tudo porque as atenções estão
voltadas para o pleito eleitoral em outubro, a exatos seis meses a contar de
hoje. A velha máxima de que “tempo é dinheiro”
foi literalmente abandonada. Afinal, o não fazer na gestão pública significa
exatamente desperdiçar recursos ao invés de bem empregá-los com vistas a se obter
retornos melhores e mais expressivos.
Assim, não só perdemos na
estagnação, na inação, no descaso, na indiferença; mas, em relação a um tempo
que se converte em décadas perdidas em um piscar de olhos. Pois, leva-se muitos
giros do relógio para realizar e, bem poucos, para se destruir. Sem contar que
nem tudo o que se destrói pode ser recuperado.
E não podemos negar que
assistimos, minuto a minuto, a perda de centenas de milhares de vidas para a má
gestão da pandemia. De grandes extensões dos principais biomas nacionais,
principalmente, o Cerrado, o Pantanal e a Amazônia, pelo desmatamento voraz e
as queimadas criminosas.
O esgotamento dos cursos hídricos
pela escassez dos regimes pluviométricos, em razão da ausência de medidas
eficazes contra as mudanças climáticas. A destruição dos espaços geográficos
pelos eventos extremos do clima que varreram o território brasileiro.
O retorno triunfante da fome e da
miséria pelas mãos da inflação, do desemprego e de todas as medidas econômica
erráticas que foram empregadas. E muito mais.
Daí a imensa dificuldade de
esquecer. Cada lembrança, cada registro dos acontecimentos cotidianos, está
presa na certeza da mais plena ausência de retratação ou reparo. É só a imagem
fria e cruel dos fatos a latejar dentro da consciência, até conseguir alcançar
as camadas mais profundas do inconsciente, para não mais se perder.
Talvez, isso explique porque nos
sintamos rodando sem destino dentro de uma espiral de caos e loucura, sem
conseguir nos segurar em algum apoio. A realidade foi travestida para parecer
menos atroz e mais digerível. Só não contavam que o resultado seria passageiro
e, logo, a dissimulação iria se esvair como fumaça.
Aliás, é todo esse processo que
nos faz entender que o desejo do esquecimento não é tão genuinamente inocente,
como tenta fazer transparecer. Não. Queremos esquecer para nos abster, nos absolver,
nos afastar, a qualquer custo, da consciência em relação ao nosso quinhão de responsabilidade
pelos acontecimentos. Seja pela ação ou pela omissão, nossas mãos estão sempre
manchadas da tinta que escreve a história, todos os dias.
De modo que se algo nos
entristece, nos perturba, nos desconforta, nos enraivece, não podemos lançar
sobre os ombros do acaso, todo o peso da responsabilidade. Protagonistas ou
coadjuvantes, nossa presença compõe cada ato da obra cotidiana.
Talvez, porque deixamos de pensar,
de refletir, de analisar a vida como deve ser. Não é à toa tantos erros e
equívocos repetidos desnecessariamente. Tanta credulidade depositada no vazio.
Tanta convicção sobre um imenso mar de incertezas.
Só pela falsa sensação, a
ilusória emoção, de que damos as cartas, que temos o jogo nas mãos, que podemos
decidir sem prestar a devida atenção. Só porque alguém nos disse que somos
dotados de inteligência. Mas, será que só ela é o suficiente para ler o mundo
no seu direito e no seu avesso?
No fim das contas, esquecer não
muda o curso da história. Os fatos são os fatos, ainda que uma Pós-Verdade,
incrustada na contemporaneidade, tente contá-los de outras maneiras. Porque os
fatos dão conta dos resultados, dos desdobramentos, das consequências e/ou das
sequelas, impossibilitando apagar da mente o que realmente aconteceu.
Esquecer é só uma estratégia para
aplacar a dor, a raiva, o descontentamento. Como bem escreveu Shakespeare, em Hamlet, “[...] Dormir, dormir... Talvez sonhar...”; pois, assim, quem sabe,
fosse possível encontrar meios para lidar com as angústias e os sofrimentos
advindos da vida e da morte.
Mas, apesar dos pesares, por pior
que possa parecer, ser incapaz de esquecer acaba sendo de sumo valor. Porque,
ainda que por linhas tortas, ensina, burila, lapida o aprendizado humano para
levá-lo a um estágio de maior evolução. Como escreveu Plutarco, escritor e
filósofo grego, “O ser humano não pode
deixar de cometer erros; é com os erros que os homens de bom senso aprendem a
sabedoria para o futuro”.
Isso significa, então, que o não esquecer soa como um alerta da consciência, que não merece ser desprezado; embora, não signifique que sejamos obrigados a recuar. Fomos apenas avisados. O que nos garante uma boa perspectiva do que está por vir. Seguir ou não é, portanto, escolha de cada um; pois, segundo Sidarta Gautama (Buda), “Na vida a dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional”.