Nem
isso. Nem aquilo. Na verdade, um conveniente hibridismo histórico.
Por
Alessandra Leles Rocha
Por mais que insistam em
dissociar o passado do presente, na prática isso não é possível. A história se
propaga em ondas de desdobramentos e consequências que perduram por tempos
indeterminados e, algumas vezes, permanecem para sempre. Observar, então, a contemporaneidade
dá bem a dimensão dessa análise.
Seja o mundo, ou mais precisamente
o nosso país, a maioria dos acontecimentos nefastos que nos atingem em cheio,
diariamente, estão sim, impregnados de um ranço colonial que até aqui, não
conseguiu ser superado.
A importância de compreender e
aceitar esse processo está justamente no fato de expandir e aprofundar as
análises e reflexões, a fim de possibilitar escolhas e decisões melhor
fundamentadas.
Rompendo, dessa forma, com as
superficialidades que tendem a ser tão nocivas e tão incapazes de acompanhar
satisfatoriamente a velocidade das transformações e evoluções sociais.
De décadas em décadas vão se
imprimindo, sob formas e conteúdos variados, as mudanças no curso da história,
o que significa que as conjunturas passam a sustentar barreiras que, apesar de
não impedirem a reprodução de certos movimentos, impossibilitam a obtenção dos
mesmos resultados obtidos anteriormente.
Assim, sob os ventos de um pleito
eleitoral que se aproxima, entendo como oportuna a discussão acerca de certos
aspectos da política nacional. Chega de colocar panos quentes, de contemporizar
as mais absurdas situações, de esquivar da realidade, ainda que ela seja pouco
palatável.
Infelizmente, a política no
Brasil não trata do Brasil. Ela diz respeito a alguns indivíduos, os quais ela transforma
em heróis e vilões, segundo as correntes dos movimentos do seu populismo e do
seu fisiologismo, cujas bases foram alicerçadas ainda nos tempos coloniais.
Pois é, colocando reparo nas
entrelinhas da história fica evidente como o espírito republicano se ajustou
tão perfeitamente ao colonial, como se uma similaridade genealógica os
sobrepusesse plenamente.
Tudo em razão da gênese das suas
ideologias permanecer a mesma, ou seja, atendendo aos interesses de uma minoria
privilegiada, que incluiu obviamente a classe política, em detrimento do
restante da população, em qualquer tempo, em qualquer lugar.
De modo que os mandatos se perdem
na fiação sucessiva das eleições, sem que nada ou muito pouco seja de fato
resolvido no país. E esse processo é o que mantém a população, de geração em
geração, agrilhoada e cativa as mazelas sociais.
Inclusive, porque, quando a
classe política se dispõe a exercer o seu papel, ou dão com uma das mãos e
retiram com a outra, ou tornam tudo ainda pior, ainda mais amargo. Não sendo à
toa que tudo aquilo que seria de grande importância e interesse da população é
votado às pressas, na calada da noite, longe dos holofotes e da opinião
pública.
Por isso, é uma pena que muitos
cidadãos ainda se deixem enganar pelo racha das narrativas e discursos
sustentados pela bipolarização ideológica entre a direta e a esquerda. Nossa
fundamentação política não passa de uma versão repaginada e, talvez, mais
caricata da monarquia.
Dinastias que se sucedem no poder
em estados e municípios brasileiros, impedindo a renovação das ideias e dos
paradigmas de governança. A gastança a bel prazer. A hierarquização social
muito bem definida, a fim de se evitar a mobilidade. As trocas de favores, no
célebre ato do “beija-mão”. Enfim...
O que de certa forma não deixa de
se confundir com o ideário de direita, embora este só tenha se estabelecido no
século XVIII. Assim, seja na monarquia, seja na direita, ambas aceitam de bom
grado a desigualdade social como algo inevitável, natural, normal e/ou
desejável.
E é justamente a partir dessa
visão que se consolidam todos os eixos da sua governança. Isso quer dizer que
pautas, tais como o conservadorismo, o favorecimento ao enriquecimento cada vez
maior das classes dominantes, a tributação desigual, a extinção de políticas
assistencialistas, a relação direta entre privilégios e meritocracia, traçam um
panorama dessa afinidade.
Lamento, mas para quem pensa que
a república ao nos permitir eleger a classe política pelo voto promoveu uma
mudança radical, em relação à monarquia, nada disso. Há um relativismo gritante
nessa ideia.
Especialmente, quando se vasculha
a história e se depara com determinadas famílias detendo todo o poder político,
econômico e social em certas regiões ou cidades brasileiras, como faziam os
monarcas absolutistas.
Trata-se de algo que
inevitavelmente leva ao surgimento de uma manipulação da decisão popular, ao
longo de décadas, na medida em que as pessoas são atraídas por promessas e
benesses em troca do seu apoio eleitoral. De modo que o enviesamento decisório
acaba sendo uma tendência no Brasil, em todos os tempos.
Apesar de sermos uma república
presidencialista, isso também se relativiza, quando pensamos em todos os
momentos em que a autocracia se fez presente na governança brasileira, ajudando
a manter no poder por longos períodos indivíduos com poder irrestrito.
Embora, cenograficamente
estivessem cercados por auxiliares responsáveis por cada aspecto da gestão.
Nesse contexto, ou eles referendavam as decisões do presidente, sem quaisquer
objeções, ou eram sumariamente substituídos, removidos de suas funções.
Vale destacar que no caso
brasileiro, apesar de os poderes da República serem independentes e autônomos,
seus trabalhos deveriam, pelo menos em tese, ser exercidos em harmonia com os
demais.
E nesse ponto, a relação entre o
Executivo e o Legislativo, talvez, desequilibre essa harmonia porque veio
carregada de uma nódoa colonial, configurada pela prática do fisiologismo.
Ainda que o chefe do executivo possa exercer individualmente certas funções, em
outras ele depende do Legislativo, ou seja, ele não governa sozinho.
Então, o acerto de um denominador
comum para as decisões de governança se transformou em um jogo de interesses
fisiológico, no qual certos representantes e servidores públicos decidem a
partir da conquista de vantagens pessoais ou partidárias, ainda que em
detrimento do bem comum.
Pode-se dizer, então, que a República
se apropriou de alguma maneira da prática monárquica do “beija-mão”; que, nada mais era, do que uma troca de interesses
entre o rei e seus servos, na medida em que um consolidava o seu apoio
político, através da reverência simbólica, e o outro conseguia satisfazer algum
pedido importante.
Portanto, a tecitura da política
nacional, no campo eleitoral, se dá verdadeiramente em uma camada bem mais
profunda e invisível do que a escolha dos indivíduos que irão ocupar os cargos
representativos. Ela se dá nas práxis do sistema político, tornando as pessoas
envolvidas em meras peças da vilania ou do heroísmo no tabuleiro desse jogo.
O que significa que, vira daqui e
mexe dali, as narrativas e discursos orbitam uma ideologia que se formou pela
fusão do pensamento monárquico e direitista. As tais pautas envolvendo, por
exemplo, o conservadorismo, o favorecimento ao enriquecimento cada vez maior
das classes dominantes, a tributação desigual, a extinção de políticas
assistencialistas, a relação direta entre privilégios e meritocracia, se
apresentam impressas nas plataformas da maioria dos partidos políticos
concorrentes.
Assim, mudar pessoas, como acenam
as eleições, transmite a ideia de uma mudança de forma; mas, não, de conteúdo. Em
nenhum momento da história as demandas do país estiveram no centro dos
interesses e das ações.
Em maior ou em menor escala, todos
que vieram a representar o povo brasileiro cumpriram o papel mantenedor de mais
do mesmo. Tendo em vista de que as engrenagens da política brasileira foram
delineadas para se ajustarem a esse script.
Ora; mas, não é só por aqui que o
ranço colonial atua. Na verdade, o mundo respira as influências colonialistas,
a tal ponto dessa corrente de fusão do pensamento monárquico e direitista
tentar se disseminar pelo planeta. Não só pelos países que foram colônia; mas,
por aqueles foram metrópoles também.
Imagine só, o tamanho dos riscos
que isso representa para a humanidade! Especialmente, considerando que “mais de 780 milhões de pessoas vivem abaixo
do Limiar Internacional da Pobreza (com menos de 1,90 dólar por dia)” 1.
Portanto, a principal demanda que
se expõe clara e objetivamente nesse século XXI é suplantar as narrativas ideologizadas
por radicalismos polarizados, para se construir uma política que coloque o ser
humano e o seu bem-estar e sobrevivência no centro das discussões.
Veja que do Colonialismo a
humanidade saltou para as Revoluções Industriais e não parou mais na sua sanha
destrutiva de si mesma. Todas as práticas empregadas, todos os modelos
desenvolvidos, tudo o que foi realizado não considerou os seres humanos, sua
dignidade, seus direitos fundamentais.
Então, é preciso retomar a razão.
É preciso exercer o instinto natural de sobrevivência que nos habita. É preciso
quebrar os velhos paradigmas e consolidar novos. Mas, para isso é preciso
calar, ouvir e pensar; mas, sobretudo, se libertar das armadilhas sociais que
nos rodeiam, especialmente, as redes sociais.
Como bem considerou José
Saramago, “Nada há que seja verdadeiramente
livre nem suficientemente democrático. Não tenhamos ilusões, a internet não
veio para salvar o mundo”.
Afinal, “[...] os homens em geral julgam mais com os olhos que com as mãos;
porque todos são capazes de ver, mas poucos, de sentir; todos veem aquilo que você
parece, poucos tocam aquilo que você é; e estes poucos não ousam opor-se à
opinião de muitos, que contam com a majestade do Estado para defendê-los [...]”
(Nicolau Maquiavel – O Príncipe).
O que em síntese aponta para o
modo como as redes sociais tornara-se um campo aberto e útil para o exercício das
relações sociopolíticas contemporâneas. Porque, enquanto vulnerabilizam de
maneira acachapante os sentidos da sociedade, elas vigiam, controlam, manipulam
e punem, segundo os interesses daqueles que, de alguma forma, detêm o poder.