domingo, 27 de março de 2022

Um saco sem fundo


Um saco sem fundo

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Me incomoda a ideia propagada por muitos de que a próxima eleição é a solução para o Brasil, porque ela não é completa. A mudança das peças no tabuleiro por si só é pouco relevante se não vier acompanhada de um entendimento sobre tudo aquilo que sustenta o emaranhado de problemas, que fazem do país uma terra de constante insuficiência.

Então, só para despertar o gatilho dessa reflexão, que tal parar e pensar sobre a carga tributária brasileira? Ocupando a 14ª posição nesse ranking mundial é preciso entender que não se trata apenas de uma questão de equívocos, distorções e absurdos a compor a cobrança de impostos no país, o verdadeiro problema. Nem tampouco, que uma reforma nesse contexto seria mesmo a solução efetiva.

Se a situação crítica chegou ao ponto que chegou foi porque os impostos por aqui, há mais de 500 anos, tendem a funcionar como uma boia de segurança para a manutenção dos desvarios e futilidades de quem se encontra lotado nas esferas do poder.

Não é à toa que a rede de impostos e tributos foi se desenvolvendo a cada situação em que a arrecadação se mostrou aquém das expectativas, ou seja, na medida em que essas pessoas se sentiam ameaçadas nos seus interesses era hora de o governo se dispor a criar novos impostos para resolver a situação.

Assim, no ano de 2021, por exemplo, foram quase cinco meses (149 dias)1 para que o cidadão brasileiro cumprisse com o pagamento de seus tributos. Algo que ele (a) não tem como escapar de fazer, considerando o sistema de cobrança que o envolve nas mínimas atividades do seu cotidiano.

Então, basta abastecer o veículo, ou fazer uma compra no supermercado, ou pagar uma conta na farmácia, ou produzir e/ou comercializar um produto, que os impostos estão lá embutidos na transação financeira.

O problema é que, como já manifestei diversas vezes, 94% da população brasileira mostrou em 2021 que vem perdendo significativamente a sua renda 2. Isso significa que o esforço para arcar com os custos da carga tributária vem se agravando e deixando um rastro de carências e insuficiências, que tendem a se cronificar pela inexistência de medidas de contenção e/ou solução, por parte do governo.

Assim, entra ano e sai ano, sem que a população brasileira vislumbre qualquer sinal de transformação e/ou de melhoria na sua qualidade de vida, a ser refletida através do retorno que se espera a partir da arrecadação dos tributos.

Muito pelo contrário, ela é levada à exaustão para dar conta das suas obrigações cidadãs; mas, cai na armadilha de ser obrigada a pagar, quantas vezes forem necessárias, para fazer por si mesma em termos dos seus direitos fundamentais.

Esse é o ponto. Ser a 14ª maior carga tributária do mundo não significa nada de positivo para o Brasil, porque ela visivelmente se perde pelos labirintos dos crimes cometidos contra a administração pública, de modo que jamais chega a cumprir o seu papel de garantidora e mantenedora das demandas do cidadão.

Os discursos e as narrativas tentam sempre dar conta de uma insuficiência de recursos cronificada, para tentar justificar a inação, a incompetência, a negligência, o descaso que se avoluma pelos corredores do poder. Ué, mas ela não é a 14ª maior carga tributária do mundo???

Mas, para total tristeza da população, eis que esse vultoso montante de recursos, com uma frequência incomodamente recorrente, surge nas páginas dos veículos de informação e comunicação no flagrante de carros, de malas, de cuecas, de “búnqueres”, de aviões, ... recheados de dinheiro público.

Ora, o que é o dinheiro público senão dinheiro de impostos e tributos? Então, é como se a tal insuficiência de recursos alegada pelo governo risse bem alto na cara de cada cidadão.

Sim, daquela gente que se desespera pela falta de emprego, pela miséria, pela fome, pela inflação, pela sanha no preço dos combustíveis e tarifas de energia, pela falta de medicamentos e imunobiológicos, pela impossibilidade de um tratamento médico, pela casa perdida nas enchentes, pelo fogo criminoso que consumiu seu roçado, pela existência de rodovias em péssimas condições de tráfego, pelas águas contaminadas dos rios, pela ausência de saneamento básico, pela demora na formulação e execução de políticas habitacionais, ... apesar da consciência e da certeza de ter pago tão caro pela esperança.

É preciso deixar claro que ajustes ou reformas tributárias, ainda que bem-vindos, se não resultarem na aplicação adequada dos recursos arrecadados, jamais haverá a transformação aguardada pela população.

Pode-se fazer muito com pouco; mas, também, pode-se fazer nada com muito. Por isso, não é só uma questão de voto. É uma questão de eleger pessoas que estejam, de fato, dispostas a cumprir as suas obrigações constitucionais.

Essa ideia de sempre inverter o discurso e dizer que os problemas continuam porque a carga tributária é elevada, não cola mais. Porque, se é assim, então, haveria recursos suficientes para restituir a população na resolução das suas demandas. Tendo em vista de que o Brasil tem a 14ª maior carga tributária do mundo. A verdade é que estamos simplesmente diante do mau uso, do mau emprego de recursos públicos.

Assim, além de todos os subterfúgios fraudulentos, dos projetos sem pés nem cabeça, dos aditivos multimilionários, também, é pública e notória a existência de muitos veios para custear todos os crimes cometidos contra a administração pública. É por esse esgoto que vemos o país se esvair e afundar.

É preciso, então, descobrir quem vai dar a devida atenção a esse “saco sem fundo”, chamado Brasil.  Daí a necessidade de pessoas dispostas, interessadas, com vontade de arregaçar as mangas e trabalhar; pois, certamente, irão esbarrar e atrapalhar os interesses de muitos outros, por aí, que se acostumaram a essas práxis e não pretendem abrir mão, tão facilmente, da “boa vida”.