O
tragicômico Brasil
Por
Alessandra Leles Rocha
Será mesmo que todos os problemas
do mundo e do Brasil cabem na medida da censura cultural 1?
Seria cômico se não fosse trágico ter que fazer essa pergunta, tomando como
ponto de partida apenas algumas notícias divulgadas.
“Inflação
é maior para fevereiro desde 2015 e vai a 10,54% em 12 meses” 2. “Após alta dos combustíveis, mercado
eleva para 6,45% estimativa para inflação em 2022”3.
“Aneel aprova novo empréstimo bancário de R$10,5 bi ao setor elétrico e
consumidor paga. Recursos vão cobrir custos extras pela crise energética do ano
passado. Empréstimo será pago com dinheiro de um novo encargo aplicado à conta
de luz a partir de 2023” 4. “Alta nos
preços dos alimentos faz procura por marcas mais baratas aumentar” 5. ...
Bem, se ainda resta algum ser
humano, nesse país, que ainda não se deu conta das conjunturas socioeconômicas
atuais é oportuno estourar-lhe a sua bolha de alienação.
Afinal de contas, o momento
reflete um somatório de crises. Infelizmente, a política econômica proposta
pelo atual governo “flopou” de saída,
na medida em que se mostrou idealizada sobre uma realidade brasileira que nunca
existiu. De modo que sozinha, ela já causaria estragos inimagináveis.
Mas, como desgraça pouca é
bobagem, quem poderia imaginar que o mundo seria atacado por um novo vírus e estabeleceria
o caos de uma pandemia? Pois é. Ninguém. Entretanto, aconteceu. E os problemas econômicos
que, até certo ponto, pareciam encobertos foram descortinados por uma avalanche
de novas demandas.
Algo que estaria totalmente fora
de cogitação, se nada de “anormal”
surgisse no horizonte. A pandemia lançou luz sobre velhas e novas mazelas
nacionais, exigindo, portanto, um ajustamento de rota imediato e eficiente.
Pena, que não foi bem assim que
as coisas aconteceram! Entre tropeços, deslizes, solavancos e empurrões, o
Brasil lidou com a situação à brasileira, ou seja, postergando daqui,
prometendo dali, obstaculizando acolá...
O que significou um amontoado de
escombros sobre escombros, no que diz respeito ao acervo de decisões socioeconômicas
que foram tomadas com base em equívocos, distorções, ineficiências, insuficiências,
etc.etc.etc. No fim das contas, quem mais precisava continuou precisando.
E antes que a situação pandêmica estivesse,
de fato, resolvida aqui e no resto do mundo, eis que uma guerra no leste
europeu foi deflagrada. A Rússia invadiu a Ucrânia. Mais uma pitada de desgraça
para efervescer o caos.
Ora, uma crise dessa magnitude
tem efeito de rastilho de pólvora pelo planeta, afetando não só as relações
diplomáticas; mas, particularmente, as relações econômicas e comerciais. Portanto,
a dinâmica global se volatiza, se tensiona, se fragmenta, se desconstrói, a
partir de movimentos intensos e contínuos, afastando quaisquer sinais de mera previsibilidade
e equilíbrio.
Para identificar isso, in loco, é fácil! É só fazer uma
visitinha ao supermercado mais próximo e checar o aumento estratosférico dos
preços dos mais diferentes produtos, indo dos mais básicos aos mais
sofisticados.
Ah, está faltando itens da lista?
Sim. Esse é mais um dos efeitos em tempos de guerra. É a Economia global em
transe! Embargos, sanções, medida
extremas que começam a vigorar e a interromper o fluxo de normalidade da
dignidade humana. Velhos fantasmas ressurgem para devorar com voracidade as
esperanças e o bem-estar dos viventes que transitam pelo mundo.
Quando eu penso, então, que tudo
isso já é chocante demais, indigesto demais, terrível demais, eu descubro
através dos veículos de comunicação e informação, gente preocupada com “a moral e os bons costumes”.
Uau! Desemprego, inflação,
carestia, miséria, insegurança alimentar, analfabetismo funcional, abandono
escolar, pandemia, ... não despertam mais preocupação nesse país. O que importa
mesmo é o conservadorismo!
É o topless 6,
a roupa de ginástica da professora 7, o beijo
gay 8, a produção artística9, enfim... Tantas afrontas ao
comportamento para se preocupar em não cair em tentação, tanta vida alheia para
cuidar e esquecer da própria, que não dá tempo de prestar atenção em mais nada!
Principalmente, no essencial!
Como dizia Luigi Pirandello, “Cada qual se veste com sua dignidade por
fora, diante dos outros; mas, sabe muito bem tudo de inconfessável que se passa
no seu íntimo” (O Falecido Mattia Pascal, 1904).
Pois é. Enquanto uns e outros se
embrenham por essa cortina de fumaça rala, que não esconde nem o pensamento,
não seria de se espantar que se ouvissem sussurros do tipo “E o palhaço quem é? ”. Fala a verdade, estamos ou não nesse papel tragicômico, hein?
Rindo para não chorar. Fazendo
graça para sobreviver. Passando o chapéu para faturar algum. E apesar de tudo isso, se dando ao luxo de fingir
esquecer aquilo que é realmente indecente, imoral, vergonhoso, obsceno.
Vai falar que já esqueceu do
Fundo Eleitoral para 2022, no valor de R$4,9 bilhões, e dos R$16,5 bilhões em
emendas do orçamento secreto para esse ano? Isso sim, é comportamento que deveria
fazer corar, que deveria causar censura; mas, no fim das contas, só levam uma
grande maioria a, no máximo, esconder-se atrás de um estranho nariz vermelho de
borracha. Uma pena!
1 https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2022/03/15/governo-bolsonaro-censura-comedia-de-2017-alegando-apologia-a-pedofilia.ghtml
2 https://www.msn.com/pt-br/dinheiro/economia-e-negocios/infla%c3%a7%c3%a3o-%c3%a9-a-maior-para-fevereiro-desde-2015-e-vai-a-1054percent-em-12-meses/ar-AAUWsza?ocid=mailsignout&li=AAggXC1
3 https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/03/14/apos-aumento-de-combustiveis-mercado-financeiro-eleva-para-645percent-estimativa-de-inflacao-em-2022.ghtml
4 https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/03/15/aneel-aprova-novo-emprestimo-bancario-de-r-105-bi-ao-setor-eletrico-consumidor-paga.ghtml
5 https://br.financas.yahoo.com/noticias/alta-nos-precos-dos-alimentos-faz-procura-por-marcas-mais-baratas-aumentar-124527979.html
6 https://www.uol.com.br/universa/colunas/nina-lemos/2022/02/01/mulher-e-presa-por-fazer-topless-o-taliba-e-aqui.htm
7 https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2021/07/21/personal-trainer-diz-ter-sido-barrada-em-academia-no-df-por-vestir-short-considerado-curto-por-funcionarios.ghtml