terça-feira, 15 de março de 2022

O tragicômico Brasil


O tragicômico Brasil

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Será mesmo que todos os problemas do mundo e do Brasil cabem na medida da censura cultural 1? Seria cômico se não fosse trágico ter que fazer essa pergunta, tomando como ponto de partida apenas algumas notícias divulgadas.  

“Inflação é maior para fevereiro desde 2015 e vai a 10,54% em 12 meses” 2. “Após alta dos combustíveis, mercado eleva para 6,45% estimativa para inflação em 2022”3. “Aneel aprova novo empréstimo bancário de R$10,5 bi ao setor elétrico e consumidor paga. Recursos vão cobrir custos extras pela crise energética do ano passado. Empréstimo será pago com dinheiro de um novo encargo aplicado à conta de luz a partir de 2023” 4. “Alta nos preços dos alimentos faz procura por marcas mais baratas aumentar” 5. ...

Bem, se ainda resta algum ser humano, nesse país, que ainda não se deu conta das conjunturas socioeconômicas atuais é oportuno estourar-lhe a sua bolha de alienação.

Afinal de contas, o momento reflete um somatório de crises. Infelizmente, a política econômica proposta pelo atual governo “flopou” de saída, na medida em que se mostrou idealizada sobre uma realidade brasileira que nunca existiu. De modo que sozinha, ela já causaria estragos inimagináveis.

Mas, como desgraça pouca é bobagem, quem poderia imaginar que o mundo seria atacado por um novo vírus e estabeleceria o caos de uma pandemia? Pois é. Ninguém. Entretanto, aconteceu. E os problemas econômicos que, até certo ponto, pareciam encobertos foram descortinados por uma avalanche de novas demandas.

Algo que estaria totalmente fora de cogitação, se nada de “anormal” surgisse no horizonte. A pandemia lançou luz sobre velhas e novas mazelas nacionais, exigindo, portanto, um ajustamento de rota imediato e eficiente.  

Pena, que não foi bem assim que as coisas aconteceram! Entre tropeços, deslizes, solavancos e empurrões, o Brasil lidou com a situação à brasileira, ou seja, postergando daqui, prometendo dali, obstaculizando acolá...

O que significou um amontoado de escombros sobre escombros, no que diz respeito ao acervo de decisões socioeconômicas que foram tomadas com base em equívocos, distorções, ineficiências, insuficiências, etc.etc.etc. No fim das contas, quem mais precisava continuou precisando.

E antes que a situação pandêmica estivesse, de fato, resolvida aqui e no resto do mundo, eis que uma guerra no leste europeu foi deflagrada. A Rússia invadiu a Ucrânia. Mais uma pitada de desgraça para efervescer o caos.

Ora, uma crise dessa magnitude tem efeito de rastilho de pólvora pelo planeta, afetando não só as relações diplomáticas; mas, particularmente, as relações econômicas e comerciais. Portanto, a dinâmica global se volatiza, se tensiona, se fragmenta, se desconstrói, a partir de movimentos intensos e contínuos, afastando quaisquer sinais de mera previsibilidade e equilíbrio.

Para identificar isso, in loco, é fácil! É só fazer uma visitinha ao supermercado mais próximo e checar o aumento estratosférico dos preços dos mais diferentes produtos, indo dos mais básicos aos mais sofisticados.  

Ah, está faltando itens da lista? Sim. Esse é mais um dos efeitos em tempos de guerra. É a Economia global em transe!  Embargos, sanções, medida extremas que começam a vigorar e a interromper o fluxo de normalidade da dignidade humana. Velhos fantasmas ressurgem para devorar com voracidade as esperanças e o bem-estar dos viventes que transitam pelo mundo.

Quando eu penso, então, que tudo isso já é chocante demais, indigesto demais, terrível demais, eu descubro através dos veículos de comunicação e informação, gente preocupada com “a moral e os bons costumes”.

Uau! Desemprego, inflação, carestia, miséria, insegurança alimentar, analfabetismo funcional, abandono escolar, pandemia, ... não despertam mais preocupação nesse país. O que importa mesmo é o conservadorismo!

É o topless 6, a roupa de ginástica da professora 7, o beijo gay 8, a produção artística9, enfim... Tantas afrontas ao comportamento para se preocupar em não cair em tentação, tanta vida alheia para cuidar e esquecer da própria, que não dá tempo de prestar atenção em mais nada! Principalmente, no essencial!

Como dizia Luigi Pirandello, “Cada qual se veste com sua dignidade por fora, diante dos outros; mas, sabe muito bem tudo de inconfessável que se passa no seu íntimo” (O Falecido Mattia Pascal, 1904).

Pois é. Enquanto uns e outros se embrenham por essa cortina de fumaça rala, que não esconde nem o pensamento, não seria de se espantar que se ouvissem sussurros do tipo “E o palhaço quem é? ”. Fala a verdade, estamos ou não nesse papel tragicômico, hein?

Rindo para não chorar. Fazendo graça para sobreviver. Passando o chapéu para faturar algum.  E apesar de tudo isso, se dando ao luxo de fingir esquecer aquilo que é realmente indecente, imoral, vergonhoso, obsceno.

Vai falar que já esqueceu do Fundo Eleitoral para 2022, no valor de R$4,9 bilhões, e dos R$16,5 bilhões em emendas do orçamento secreto para esse ano? Isso sim, é comportamento que deveria fazer corar, que deveria causar censura; mas, no fim das contas, só levam uma grande maioria a, no máximo, esconder-se atrás de um estranho nariz vermelho de borracha. Uma pena!