Apesar
de tudo, “ainda somos os mesmos...”
Por
Alessandra Leles Rocha
Cada dia mais me convenço de que
aquela antiga canção está certa, “ainda
somos os mesmos”1. De
Alexandre – O Grande aos imperialistas da contemporaneidade, a verdade é que o
ser humano quer sim, sempre quis, dominar a pequena esfera azul que vaga
silenciosamente no universo. Trata-se da consagração do poder absoluto,
inquestionável, que supera quaisquer resistências e questionamentos em relação “aos fins justificarem os meios”.
E pensando a respeito, acaba-se
percebendo, então, que a humanidade não dá a mínima para a barbárie que aflora
nesse tipo de empreitada. Pois é, o ser humano não liga para o extermínio da
sua própria espécie. Não liga para o sofrimento alheio. Não liga para a
destruição. Não, não liga. O vale-tudo faz parte do jogo e suas consequências e
desdobramentos, também.
Por isso, ao virar e revirar as
páginas da história, as guerras e os conflitos sangrentos estão lá, marcando
presença, impondo seu destaque, lustrando o ideário de poder de muita gente por
aí. No fundo, a sensação que se tem é de que é muito fácil lançar o morticínio
na vala estatística. Como se as vidas humanas fossem desimportantes, ou
substituíveis; sobretudo, aquelas naturalmente já designadas aos campos dos
desalentos e das vulnerabilidades sociais.
De modo que o horror, a
perplexidade, a indignação, o constrangimento, são realmente sentidos por quem
está no olho do furacão, sentindo na pele, na alma, a brutalidade dos
acontecimentos. Para os demais, essas são sensações temporárias, com prazo de
validade marcado, principalmente, pela intensidade decorrente do trabalho dos
veículos de informação e de comunicação.
Ora, quanto mais se alonga a peleja,
mais as notícias vão esfriando o seu impacto novidadeiro sobre as pessoas, até
caírem nas armadilhas da banalização, da trivialização ou da normalização, como
queiram expressar. Sim, chega-se a um momento em que as guerras se transformam
em mais do mesmo, não há novidades senão os números extraordinariamente chocantes
que crescem em uma verdadeira progressão geométrica.
Até que um dia a guerra acaba, os
escombros começam a ser dispersados, a reconstrução tem seu processo delineado,
o luto passa a ser ressignificado, enfim...
E num primeiro momento, chega-se realmente a acreditar que de todo
aquele processo duro, complexo, exaustivo, a humanidade vai extrair lições e
vai quebrar paradigmas rumo à evolução. Só que não.
Antes do que se imagina, em algum
lugar, um novo conflito é deflagrado e a iminência de um evento de grandes
proporções paira sobre o planeta. O ciclo em busca do poder absoluto está de
volta. A chama é acesa novamente, a fogueira das vaidades arde em fogo alto,
sinalizando uma nova rota para a conquista de cada pedaço do mundo.
Como se nada, nem ninguém,
pudesse se interpor nesse caminho, criando obstáculos ou desafios. E ainda que
o façam, isso não diminui ou faz esmorecer os conquistadores. Porque eles não
enxergam o alongar do tempo como inimigo, mas como um aliado às suas
estratégias. Não basta invadir, pilhar, usurpar. É preciso consolidar cada
conquista. Não há vitória pela metade. É tudo ou nada. Caso contrário, os
reveses começam a consumir e a deteriorar a trajetória de sucesso, impondo retrocessos
importantes.
Isso explica porque os grandes
impérios um dia caíram. E sua queda se dá, em grande parte, porque o excesso
dos devaneios, das loucuras, das arrogâncias e das prepotências contaminam as
bases que os fundamentaram, restando uma carcaça oca e frágil, incapaz de se
manter por tanto tempo de pé, seguindo adiante para reverter o processo.
Então, nesse ponto de exaustão,
percebe-se que “é indispensável retirar
dos postos de comando todos os gestores que, estúpida e criminosamente, puseram
o império à beira da falência. Fizeram um trabalho de sapa e revelaram uma incompetência
invulgar, além do que desviaram fundos públicos. Cada pobre exausto e
destroçado, cada cego, cada criança nascida na cadeia, cada homem, cada mulher
e cada criança torturados pela fome sofrem simplesmente porque a riqueza comum
foi desviada por todos esses governantes. Nenhum dos responsáveis dessa classe
dirigente pode deixar de ser condenado na barra do tribunal da Humanidade”
(Jack London 1).
Isso explica porque as guerras
começam e terminam, impérios caem e emergem outros, e a humanidade,
infelizmente, segue o curso de permanecer sendo a mesma. Segundo George Bernard
Shaw, “o progresso é impossível sem
mudança. Aqueles que não conseguem mudar as suas mentes não conseguem mudar
nada”. E ele estava certo!
Pior do que o resultado expresso
por essa ânsia de dominação beligerante, é o fato de não se ver uma mínima luz
de esperança transformando o sopro dos ventos, pelo menos, até aqui na
contemporaneidade. Isso nos traz uma dimensão sobre o quanto a humanidade é
comodista, é alienada por suas zonas de conforto, é mesquinha na defesa das
suas regalias e privilégios.
Como escreveu Fiódor Dostoiévski,
“Somos assim; sonhamos o voo mas tememos a
altura. Para voar é preciso ter coragem para enfrentar o terror do vazio. Porque
é só no vazio que o voo acontece. O vazio é o espaço da liberdade, da ausência de
certezas. Mas é isso o que tememos: o não ter certezas. Por isso trocamos o voo
por gaiolas. As gaiolas são o lugar onde as certezas moram” (Os Irmãos Karamazov,
1879).
Assim, quem sabe, um dia, a força
das conjunturas seja tão avassaladora, que nos jogue literalmente ao fundo do
fundo do poço para que sejamos confrontados à seguinte reflexão: “A covardia coloca a questão: ‘É seguro? ’.
O comodismo coloca a questão: ‘É popular? ’. A etiqueta coloca a questão: ‘É elegante?
’. Mas a consciência coloca a questão, ‘É correto? ’. E chega uma altura em que
temos de tomar uma posição que não é segura, não é elegante, não é popular, mas
o temos de fazer porque a nossa consciência nos diz que é essa a atitude
correta” (Martin Luther King Jr.). Aí, então, os impérios perderiam o
sentido de existir e de fazer tantos sonharem, tantos morrerem em vão.
1 Como nossos
pais (Antônio Carlos Belchior) - https://www.letras.mus.br/elis-regina/45670/
1 The People of the Abyss (O povo do abismo), 1903.