E
aí, quando vão começar a governar o Brasil?
Por
Alessandra Leles Rocha
E aí, quando vão começar a
governar o Brasil? Sim, porque nesses últimos quatro anos, o que era para ser
governança girou em torno das pretensões de uma reeleição, dentro de uma
perspectiva que jamais havia sido vista na história. Os poderes da República estiveram
centrados e concentrados sob discussões eleitoreiras, enquanto o país se
afundava e chafurdava em problemas, que por uma ironia ácida do destino,
ganharam acompanhamentos bastante indigestos. Pandemia. Morticínio generalizado
na população. Racismo. Inflação. Desemprego. Fome. Miséria. Desmatamentos.
Queimadas. Garimpos ilegais. Contaminação de rios e populações ribeirinhas e
povos originários. Eventos extremos do clima. ...
Não se resolveu absolutamente
nada de essencial, de importante para a população; sobretudo, para aqueles 94% distribuídos,
como já escrevi várias vezes, entre a classe média tradicional e a classe
baixa. Muito pelo contrário, o que se viu foi um desmantelamento, sem pé nem
cabeça, das instituições e dos serviços públicos, agravando e comprometendo a eficiência,
já notoriamente capenga, dos mesmos. A ideia do desserviço foi
institucionalizada.
De modo que o país não avançou. Ficou
parado no tempo e no espaço aguardando pela chegada de um novo pleito
eleitoral. Como se pudesse esperar. Como se devesse esperar. Como se a vida
pudesse ser assim conduzida, na base de uma postergação ad aeternum. Nunca se viu tamanha inércia, tamanha inativação,
tamanha negligência, tamanha irresponsabilidade, tamanho descuido, tamanha desassistência
à população.
Até as viagens ao estrangeiro,
que sempre costumam despertar notícias alvissareiras, não traduziram nada de
positivamente concreto para o país. Foram somente apertos de mãos, fotografias
em meio a falas vazias ou silêncios constrangedores. Porque, no fundo, também, estavam
configurando uma estratégia eleitoreira, nada mais. Um jeito prático de
visibilizar a figura pública para o deleite de “rêmoras” apoiadoras.
Mas, e aí? Quando a tal eleição
chegar vai haver transformação ou vamos assistir mais do mesmo? Vamos permanecer
girando nessa mesma rotação de expectativas vãs? Desculpem-me a franqueza; mas,
contrariando a ideia de que o caos até aqui foi culpa de uma pandemia que não estava
nos planos, a verdade foi exatamente o oposto. Foi a inação voluntária,
acrescida de uma incompetência metódica e sistemática, que a experiência pandêmica
se configurou desastrosa, deixando um rastro de destruição humana, material e subjetiva,
sem precedentes. E mesmo, diante de tudo isso, governar que é bom, continuou em
último plano.
Entretanto, a vida não resiste a
isso, a esse tipo de movimento. Não importa se analisada pelo prisma individual
ou coletivo. A existência e a sobrevivência humana dependem de análise, de organização,
de planejamento, de ação. Não dá para esperar que tudo se ajeite por conta própria,
porque pode até acontecer; mas, de uma maneira desorganizada, improdutiva,
inconsistente. Que não ajuda em absolutamente nada, ao desenvolvimento e ao
progresso da população, do país. Porque, por mais impactantes que sejam as conjunturas,
nem tudo elas são capazes de dar jeito, num sentido positivo e apaziguador.
Cada passo irrefletido na gestão
pública, tende inevitavelmente a demandar, no mínimo, uma década de
recuperação. Se forem muitos e diversificados esses erros e equívocos, o tempo
exigido será ainda muito maior. O que significa que a inexistência de uma
gestão firme, dedicada, responsável, atuante, lança o país ao limbo do atraso,
da perda da capacidade competitiva, da desconfiança internacional, enfim... Enquanto
lança a população à mingua, à indigência, à desesperança, ao infortúnio funesto.
Portanto, se torna questionável a
ideia de encarar como uma escolha governar ou não governar. Não tem essa. Ainda
mais, considerando que o Brasil ainda é uma Democracia e elege a sua governança
por voto direto, segundo a Carta Magna vigente. O compromisso de fazer, de
agir, de cumprir, foi assumido. Não cabe discussão. Não cabe voltar atrás ou
dizer que, não é bem assim. Não, é assim, sim.
Sem contar que, o pior de tudo, é
que esse plano de não governar tem vieses capciosos. Ele não está posto em
sentido literal. É um não governar apenas dentro da perspectiva de trabalhar e
resolver, segundo as demandas manifestas. Então, na contramão disso,
descumprindo e infringido todas as leis, normas e preceitos constitucionais,
age-se a partir dos próprios interesses, vontades, quereres e vozes da própria cabeça;
mas, sem quaisquer pudores em relação ao uso, ao emprego do dinheiro público. E
nunca se gastou tanto. Nunca se gastou tão mal os recursos nacionais.
Por isso, cada manifestação do
imponderável nesse país se transforma em tragédia. Porque tivemos quatro anos
para trabalhar em favor de mitigar as mazelas crônicas conhecidas, de aprimorar
os progressos, de corrigir possíveis erros, de acompanhar os avanços do mundo;
mas, estivemos presos e amarrados aos laços das velhas práxis, da preguiça
macunaímica em assumir responsabilidades e protagonismos. Deixando “tudo como dantes no quartel de Abrantes”.
Daí a razão para que nossas
adversidades, nossos fracassos, nossas indignações, nossos fiascos, ganhem uma
pujança perene e se permitam arrastar por séculos a fio. Como se os governos
contivessem qualquer menor sinal de ímpeto do desejo transformador, até que ele
se esvaísse mediante a inação. Tudo para manter as rédeas e os controles da
governança, segundo suas próprias intenções de caráter postergador.
Assim, encontram-se, por aí,
políticos em profusão. Mas, governantes... que queiram de fato exercer o
ofício, esses dão a entender que já são entes em extinção. No fundo, o que está
em jogo é só o poder, mantê-lo, preservá-lo. E não se trata só do poder
político. É o poder econômico. O poder social. O poder cultural. O poder ideológico.
... O poder, em todas as suas nuances, que é capaz de tecer as redes de
proteção para a segurança da manutenção das zonas de conforto, onde estão
depositadas todas as regalias e os privilégios. De modo que em pouco mais de
500 anos de história, o que se vê nesse país são essas redes sendo remendadas;
mas, jamais aposentadas de suas funções.