Os
ecos das tragédias...
Por
Alessandra Leles Rocha
O que está claramente exposto em
relação as chuvas torrenciais que vêm impactando diversas regiões brasileiras,
desde o fim de 2021, é o fato da inexistência de um planejamento estratégico de
enfrentamento. Trata-se de uma outra vertente do negacionismo, a qual não
presta atenção e nem dá crédito às notícias e informações a respeito do que
acontece na dinâmica do clima, em termos nacionais e internacionais.
Simplesmente, ela se coloca na
posição de que isso ou aquilo “jamais irá
ocorrer por aqui”, usando de argumentos vazios, de achismos e casuísmos oportunistas,
para tentar criar alguma argumentação. Como se fosse adiantar. Até que, o pior
sempre chega, sempre acontece, e pega a todos desprevenidos, vulneráveis,
totalmente desprotegidos.
O pior é perceber que, mesmo
diante dos fatos consolidados, da tragédia estampada explicitamente, nem assim,
as pessoas se dão conta da realidade, tim-tim por tim-tim. Aliás, os gestores
públicos são os primeiros a levantar coro nesse sentido, atribuindo ao caos uma
excepcionalidade totalmente dissociada de um processo de maturação que é
fermentado pelo tempo. Ah, foi o imprevisível!
Ah, foi de repente! Ah, ninguém podia prever! Ah, foi...
De modo que, agora, está tudo
revirado, tudo fora de lugar. E não há planos. Não há estratégias. Por onde
começar? Essa é a pergunta que não quer calar. Sobretudo, porque as chuvas
continuam e tornam o processo ainda mais difícil e complexo. Os terrenos
encharcados são muito instáveis e pode continuar existindo o risco de novos
desabamentos de grandes proporções.
E enquanto o cenário é de terra
arrasada e as preocupações maiores se voltam para os perigos visíveis, uma
outra frente de problemas começa a emergir. Em meio a todo o entulho formado
pela varredura da inundação, da desestabilização do terreno, há muita matéria orgânica
se decompondo, há corpos que ainda não foram encontrados, as redes de água e de
saneamento básico foram destruídas e/ou impactadas em muitos trechos, há lixo
de diversas fontes, e tudo isso em contato direto com a população.
Afinal de contas, as pessoas
estão transitando pela cidade, tentando limpar o que restou, auxiliando na
busca pelos desaparecidos, ... e na maioria dos casos, sem quaisquer
equipamentos de proteção individual, como luvas e botas. Isso significa que a
probabilidade de adoecimento dessa população, antes mesmo que a cidade esteja
organizada novamente, é muito grande.
Pode, portanto, haver casos de Cólera,
de Dengue, de Febre Tifoide, de Hepatites A e E, de Leptospirose, de Tétano,
dentre outras doenças, porque há uma dificuldade real de limpeza e desinfecção
das áreas afetadas, incluindo ambientes domésticos, utensílios, móveis e outros
objetos. O que torna a retomada do cotidiano pelas pessoas, ainda mais, lento e
doloroso, na medida em que elas terão que se tratar e recuperar dessas doenças
em condições precárias e, muitas vezes, desconfortáveis e aquém da necessidade
real.
De modo que os desdobramentos e repercussões
que esse tipo de catástrofe natural desencadeia não são de curto de prazo. Eles
ficam ecoando por muito tempo e, às vezes, são surpreendidos pelo acréscimo de
novos episódios. O que tende a intensificar ou constituir sequelas provenientes
dessas doenças, caso não seja dada a devida atenção a elas. Portanto, vai depender
do estado clínico prévio das pessoas, da idade, da permanência em contato com o
agente contaminante, da velocidade e eficiência do atendimento prestado, enfim.
Quando infectado pelo Cólera, por
exemplo, o indivíduo pode ser acometido por uma intensa debilidade corporal ao
ponto de afetar o funcionamento dos rins e levar ao coma.
No caso da Dengue pode ocorrer um
quadro de febre hemorrágica bastante delicado e perigoso, especialmente em
pacientes com outras comorbidades.
Quanto à Febre Tifoide a
possibilidade de complicações severas em órgãos como o fígado, o baço, a
vesícula e, algumas vezes, a medula óssea, pode resultar em óbito.
As Hepatites podem se cronificar
e desenvolver casos de cirrose e, eventualmente, câncer no fígado.
O Tétano pode causar fraturas
ósseas, baixa ventilação, parada respiratória, choque circulatório, hipertensão
e arritmia cardíaca.
E a Leptospirose pode comprometer
as funções renais e causar hemorragias, principalmente, nos pulmões.
Daí a necessidade, cada vez mais
recorrente, de entender que não se pode dissociar ou compartimentalizar os acontecimentos.
Mahatma Gandhi já dizia que “Um homem não
pode fazer o certo numa área da vida, enquanto está ocupado em fazer o errado
em outra. A vida é um todo indivisível”.
O cotidiano é como um castelo de
cartas, onde delicada e sutilmente se equilibram os elementos. Um movimento
mais abrupto, um descuido momentâneo, e tudo cai, tudo desaba, e precisa ser
reiniciado. Esse é o ponto, reiniciar como? Da mesma forma? Agindo da mesma
maneira? Repetindo os velhos erros e equívocos?
Cada nova tragédia nos impõe a
derrota da omissão, da negligência, da irresponsabilidade gratuita e voluntária.
De modo que não há justificativas, não há desculpas, não há mea culpa suficiente para amenizar ou
atenuar os acontecimentos. Mas, ao mesmo
tempo, as novas tragédias oferecem uma possibilidade de seguir adiante, sob
novos paradigmas, a partir daquele ponto.
Já dizia o filósofo e sociólogo
francês, Jean Baudrillard, “Se a coesão
da nossa sociedade era mantida outrora pelo imaginário de progresso, ela o é
hoje pelo imaginário da catástrofe”. E isso, infelizmente, acontece porque “O pior num ser humano é mesmo saber demais
e ser inferior ao que sabe” (Jean Baudrillard). De modo que, quando menos
se espera, “A história da humanidade torna-se
cada vez mais uma corrida entre a educação e a catástrofe” (Herbert George
Wells – escritor inglês).
Assim, o importante no contexto do que temos presenciado no Brasil, até agora, é não se permitir cair na tentação de questionamentos e divagações infundadas, a fim de não se reconhecer que os eventos climáticos extremos não só estão se acirrando; mas, se intensificando em frequência de episódios e ampliando o raio de ação. Pois, como já se tem experimentado por aí, não é um comportamento nada inteligente e equilibrado medir forças com a natureza.