segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

O orçamento ... Os corsários contemporâneos ...


O orçamento ... Os corsários contemporâneos ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

De escárnio em escárnio, o Brasil amanhece sabendo que o orçamento do governo federal para 2022 desmereceu as prioridades nacionais. Enquanto manteve-se R$4,9 bilhões para o fundo eleitoral, R$1,7 bilhão para reajuste de servidores, R$16,5 bilhões para emendas do relator, foram cortados R$3,18 bilhões que incluem recursos para emendas de comissão e despesas em geral, ou seja, pesquisas, educação, saúde e outras áreas do governo. De modo que de todas as “boiadas” que vêm passando pelas porteiras do governo, essa é, sem dúvida, a mais escandalosa.

Primeiro, porque demonstra que não se pode confundir falta de recurso com má gestão. Dinheiro tem. E muito! Acontece que ele não gira no sentido de viabilizar o desenvolvimento, o progresso e a justiça social no país. Ele gira fortalecendo mais e mais as engrenagens do fisiologismo nacional, satisfazendo a voracidade insaciável dos interesses e das vantagens pessoais e/ou partidárias, em prejuízo ao bem comum. É um verdadeiro poço sem fundo. Quanto mais, mais.

Segundo, porque está acentuando a paralisia de setores fundamentais da gestão pública, especialmente na contemporaneidade, tais como Educação, Ciência e Tecnologia, Cultura, Saúde, Saneamento Básico e Infraestrutura, Segurança Alimentar. Tratam-se de áreas que afetam não só a vida cotidiana do cidadão; mas, a sua participação no movimento das engrenagens do país.

Aliás, ontem, foi publicada uma entrevista com o economista e professor aposentado do Instituto de Economia da Unicamp, Walter Belik, que também foi um dos criadores do Fome Zero, a respeito do retorno brasileiro ao mapa da fome e o ineditismo que isso representa no mundo1. Essa matéria, então, vem somar a outras tantas que apontam os holofotes e dizem muito sobre esse enviesamento das prioridades nacionais.

Não precisa ser nenhum gênio para perceber que o Brasil está estagnado. Não cresce. Não avança. Não supera. Só faz arrastar-se sem perspectiva, sem potencial para gerar expectativa. Entretanto, esse estado de profunda deterioração e abatimento, repercute diretamente na própria população, na medida em que as camadas sociais começam a se esfacelar também.

Em 2021, o Instituto Locomotiva trouxe a público resultados de uma pesquisa que revelava não só o achatamento da classe média ao mesmo patamar da classe baixa, no recorte de tempo entre 2011 e 2021 2; mas, mostrava como a elite, a classe média tradicional e a classe baixa tiveram perdas significativas em uma década.

Pode-se dizer, então, que se tratam de consequências de políticas econômicas desastrosas? Sim. Consequências do desmantelamento de políticas públicas importantes? Sim. Consequências de uma má gestão? Sim. O país descer ladeira abaixo não é obra do acaso. Tanto as casas do Executivo quanto do Legislativo, seja nas esferas municipais, estaduais ou federal, têm responsabilidade direta sobre esses descaminhos.

Afinal, eles foram eleitos representantes do povo e com a obrigação constitucional de bem representá-lo nos seus interesses. Desse modo, não só deixaram de fazer, como lançaram sobre os ombros da população todos os ônus da sua omissão deliberada. Simplesmente, jogaram e continuam jogando contra. Cada novo prognóstico para 2022 diz, portanto, o óbvio, ou seja, vamos de mal a pior. A questão é saber até quando?

Pois, o recrudescimento das conjunturas tende, inevitavelmente, ao colapso. Pode não ser o fim; mas, é um estado de organização totalmente desalinhado do mundo. Isso significa uma consolidação do status de pária internacional, o qual coloca, de maneira definitiva, o país à margem de interesses econômicos e diplomáticos. Ele terá que sobreviver às adversidades, segundo a sua própria capacidade resolutiva, visivelmente, já comprometida pelo esgotamento de recursos decorrente do ínfimo grau de desenvolvimento e produção.

Infelizmente, o Brasil não é prioridade para esse Brasil que está diante de nós. O que sempre esteve em jogo, por aqui, não foi o país, nem as instituições, nem o povo, nem suas demandas. O que sempre esteve em jogo foram os poderes controlados pelas classes dominantes. Eles sempre foram a única prioridade. Razão pela qual não parece importar os custos financeiros, éticos, morais, jurídicos, diplomáticos, que isso representa. Como se estivessem dissociados da realidade de uma engenhosa organização socioantropológica.  

Portanto, esse é o nosso maior problema, ou seja, o Brasil não ser prioridade para si mesmo. E se ele não se vê, não se enxerga, não se reconhece, não se valoriza, o total desmerecimento acaba sendo inevitável. No entanto, isso lhe custa caro, muito caro. Porque é nesse transe identitário, nessa inconsciência absurda e caótica, que ele agrava e acentua todas as mazelas históricas que transitam, há tempos, em seu território; bem como, as que ainda hão de vir. Enfim, que ele se permite ser pilhado por gerações de corsários, talhados por uma alma apátrida, que é assim, muito mais por conveniência do que por convicção.