Temos
sim, que pensar a respeito...
Por
Alessandra Leles Rocha
Não há o que questionar em
relação ao papel da economia nas dinâmicas políticas das sociedades,
principalmente, quando os impactos negativos oriundos dos maus processos de
gestão afetam diretamente à vida da população, com destaque para as camadas
menos favorecidas. Mas, para os governos de extrema-direita contemporâneos,
isso pode representar mais significativamente o início do seu fim.
Ensimesmados na sua visão
distorcida de sociedade, que bane sumariamente segmentos inteiros para
privilegiar o topo da sua pirâmide elitista, a sua quase histérica defesa em
favor das desigualdades sociais se mostra cada vez mais desalinhada com a sua própria
sobrevivência política. É o que se
consegue extrair do texto publicado hoje pelo The New York Times 1.
Mas, me entristece saber que
acaba sendo o mau desempenho da economia o fiel da balança das escolhas
políticas pela população, porque há bem mais de “podre” nos “reinos” onde
a extrema-direita tenta se reafirmar. Sim, as desigualdades não são erguidas
apenas pelo sistema econômico, mas por valores, crenças e princípios que
estabelecem apartações cruéis e perversas entre os seres humanos. No entanto,
poucos dão a elas a atenção necessária o que acaba favorecendo o crescimento fortalecido
de suas raízes ao longo do tempo.
Acontece que tem se estabelecido
um fenômeno social bastante curioso que diz respeito a uma dificuldade de
tratar os assuntos cotidianos com a clareza e objetividade que lhes são
pertinentes. Os fatos não são denominados corretamente. Tudo parece transitar
em uma superficialidade irritante que impede de pensar e analisar a vida com a
profundidade devida, deixando de ir ao cerne gerador dos problemas a fim de efetivamente
resolvê-los.
Ora, no caso brasileiro, por
exemplo, o último pleito eleitoral deu vitória à extrema-direita. Nem adianta
dizer que não sabia, que não estava claro, que não é bem assim ... porque isso
só faz demonstrar o grau de desinformação que a sociedade se permite no ato das
suas escolhas. Nossa ignorância, no sentido da total ausência de conhecimento
sobre assuntos fundamentais, é cada vez mais assustadora e tem sim, um alto
grau de voluntariedade.
Afinal, saber exatamente o que
sustentam as propostas desse ou daquele cidadão é essencial na medida em que
essa corrente de pensamentos será decisiva na construção dos planos e políticas
que afetarão as vidas de milhares de pessoas durante, pelo menos, 4 anos. Mas,
por aqui, ainda se acredita que as tais “promessas
de campanha” surgem do acaso, ou de uma pseudo boa vontade altruísta, ou de
sugestões colhidas aqui e ali, enfim... Então, ninguém se preocupa em dissecar
os discursos e as narrativas. Engole-se “o
caldo de palavras” e pronto.
Então, quando se olha diretamente
para o significado de extrema-direita se tem a dimensão da realidade atual no
país, com todos os seus traços anticomunistas, autoritários, nacionalistas, teocráticos,
racistas, homofóbicos, aporofóbicos, reacionários, conservadores; indo, portanto,
em uma direção muito além das bases liberais econômicas, que tanto vem
afligindo à grande massa da população. E esse é o ponto. Porque a gravidade das
conjunturas é o que é pela fusão de todos esses elementos.
Quando as pessoas lançam sob o
tapete da história o anticomunismo, o autoritarismo, o nacionalismo exacerbado,
a teocracia, o racismo, a homofobia, a aporofobia, o reacionarismo e o
conservadorismo, elas o fazem por comodismo, ou por alienação, ou por defesa de
interesses próprios ou por quaisquer outros motivos. O que não significa que
não haja consequências a respeito. Ao levar a sociedade a um movimento de
desagregação e fragmentação se oportuniza o acirramento das desigualdades que é
totalmente antiproducente ao país, como estamos assistindo nesse exato momento,
no Brasil.
Ora, a desigualdade diminui o consumo,
a produção, os investimentos, os postos de trabalho, os lucros, ... é uma
reação em cadeia que vai paralisando lenta e gradualmente as estruturas do
país. E se o cenário internacional globalizado se encontra em situações também
tensionadas, o agravamento dos panoramas pontuais, ou seja, de cada país,
explode em consequências ainda mais drásticas. Isso significa que em cada linha
traçada por uma ideologia de exclusão há um predomínio maior ou menor de
resultados negativos.
É o caso, por exemplo, de que “negros
têm 4 vezes mais chance de sofrer violência policial do que brancos nas
abordagens” 2 ou que “54% (dos
LGBTQIA+) não sentem segurança no ambiente de trabalho” 3.
Simplesmente, porque uma expressiva parcela da população vive imersa em padrões
construídos para manipular e controlar o inconsciente coletivo da sociedade brasileira.
De certo modo, frutos amargos e nocivos da sua herança colonialista.
O antropólogo e sociólogo Darcy
Ribeiro dizia que “A mais terrível de
nossas heranças é esta de levar sempre conosco a cicatriz de torturador
impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e classista”. Porque
o grande problema da nossa “doutrinação”
secular pode se dizer inscrita no fato de que “Às vezes se diz que nossa característica essencial é a cordialidade,
que faria de nós um povo por excelência gentil e pacífico. Será assim? A feia
verdade é que conflitos de toda a ordem dilaceram a história brasileira, étnicos,
sociais, econômicos, religiosos, raciais etc. O mais assinalável é que nunca
são conflitos puros. Cada um se pinta com as cores dos outros”.
Então, não me parece suficiente a
manifestação dessa torrente de indignação econômica. Ela é importante, é legítima;
mas, ela não é tudo. Se não houver uma ruptura com os diversos padrões retrógrados
de pensamento, existentes e persistentes, no país, não haverá avanços. O status quo brasileiro permanecerá o
mesmo, impossibilitando o desenvolvimento, o progresso e, particularmente, a
reconstrução pós-pandemia a qual fomos submetidos e temos sim, que pensar a
respeito.
É preciso entender que a sociedade
é um todo indivisível. Precisamos nos perguntar abertamente “Quem somos nós? Existimos, para quê? Por quê?
Para nada? ” (Darcy Ribeiro). Enquanto nos mantivermos apenas aceitando que
“Nós temos uma das elites mais opulentas,
antissociais e conservadoras do mundo” (Darcy Ribeiro), jamais iremos
conseguir enxergar a pluralidade, a diversidade em si.
Assim, sem essa compreensão exata
e objetiva desrespeitamos diariamente o fato de que não é à toa que todos os
cidadãos nascidos, ou naturalizados brasileiros, estão obrigatoriamente
submetidos à mesma Constituição Federal, ao mesmo arcabouço jurídico. Nos
permitimos resistir e deturpar a obviedade natural da vida, fazendo da condição
humana uma prerrogativa para estabelecer importâncias e desimportâncias sociais,
que levam nada a lugar nenhum. E desconsideramos,
ou ao menos tentamos, que “Dinheiro na
mão é vendaval / é vendaval...” 4.
1 https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/12/inflacao-se-torna-obstaculo-em-perspectivas-de-reeleicao-de-populistas-de-direita.shtml
2 https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2021/11/20/negros-tem-4-vezes-mais-chance-de-sofrer-violencia-policial-do-que-brancos-nas-abordagens.ghtml
4 Pecado Capital (Paulinho da Viola) - https://www.youtube.com/watch?v=6aIzRH9ghMA