Será
mesmo que tudo se resume ao “de repente”?
Por
Alessandra Leles Rocha
E quem liga para estatísticas? Os
tornados parecem que não. A Natureza decidiu não dar a mínima atenção para os
padrões habituais e, simplesmente, agiu em resposta às mudanças climáticas. Como
eu já havia escrito outras vezes, não importa se os países irão ou não assinar
os acordos, se acreditam ou não na gravidade do cenário ambiental, a realidade
é implacável e contra a sua impetuosidade imprevisível quase nada se pode
fazer.
Enquanto as últimas semanas vêm
sendo movimentadas por atritos e rusgas geopolíticas entre os norte-americanos
e os russos, o meio ambiente que não tem nada a ver com a história mudou
abruptamente o foco das importâncias. Uma série de pelo menos 30 tornados
atingiu o sudeste do país, na última sexta-feira, causando estragos nos estados
de Illinois, Missouri, Mississipi, Arkansas, Kentucky e Tennessee.
Habituados com o fenômeno acontecendo
entre os meses de maio e junho, o país foi pego de surpresa. E apesar de serem necessários
estudos e análises mais profundas sobre o ocorrido, dentre as especulações já
manifestadas “a temperatura atipicamente
quente observada em parte do país na véspera, bastante acima das médias de
dezembro em algumas áreas” 1 é a mais
plausível.
E se lá são os tornados, por aqui
são enchentes em larga escala que promovem a destruição. 31 cidades mineiras,
na região do Vale do Jequitinhonha e leste do estado, estão em situação de emergência
por causa dos temporais 2. O mesmo
acontece no extremo sul da Bahia, onde “cerca
de 2 mil pessoas estão desabrigadas”3.
Enquanto outras regiões como
os estados de São Paulo e do Paraná apresentam volumes
pluviométricos aquém das expectativas para o período.
Então, diante dessas tragédias,
até certo ponto anunciadas, me chega o desconforto em perceber como as pessoas
permanecem alheias aos fatos. Pois é, enquanto se debruçam em discutir questões
imersas em grandes volumes de incerteza, em se aterem as espumas que aparecem
sobre a fervura em altas temperaturas e pressões, negligenciam a grande verdade
que está impressa na imprevisibilidade salpicada aos montes dentro e fora das
nossas linhas territoriais.
Queiram ou não admitir são essas “pequenas surpresas” que mudam o rumo
dos acontecimentos e desmontam as certezas em um piscar de olhos. Sim, porque
elas têm o potencial devastador de impactar as economias de diferentes
maneiras, especialmente, as mais fragilizadas. Elas exigem habilidades e competências
administrativas no campo do imediatismo e da urgência, que nem todos os
gestores dispõem. Elas rompem os planejamentos e as estratégias com uma
facilidade descomunal, exigindo recomeçar do zero sem questionar.
Ora, populações afligidas por esse
tipo de conjuntura se tornam requerentes de amparo social múltiplo, na medida
em que suas perdas são materiais e imateriais. Não é força de expressão afirmar
que os sobreviventes das catástrofes ambientais renascem, porque é isso o que
acontece. Esse tipo de experiência promove um reset em suas vidas, de modo que
eles vão precisar ser reinseridos na sociedade. Novos documentos, vestuário, moradia,
trabalho, escola, alimentação, ... absolutamente tudo, dentro de um movimento
de ressignificação identitária profundo e doloroso.
Sem contar, que no caso das tragédias
ambientais, elas impõem desafios de saúde pública que não podem ser
menosprezados. Os cenários de insalubridade podem desencadear rapidamente
epidemias de Cólera, Dengue, Febre Tifoide, Hepatites A e E, Leptospirose e Tétano,
causando sobrecarga nos serviços de saúde e demandando um planejamento logístico
que não comprometa o fluxo natural dos demais atendimentos.
Pois, a presença de água
contaminada pela ruptura dos sistemas hidráulicos e de esgoto das cidades, o
transbordamento de rios, reservatórios e lagos, a disseminação de todo tipo de resíduos
pelos espaços urbanizados e não urbanizados (em decomposição ou não),
representam uma ameaça à saúde das populações atingidas. Pois, quase sempre,
elas acabam tendo contato direto com esses materiais contaminados, seja durante
as buscas entre os escombros, seja tentando realizar a limpeza dos imóveis ou,
apenas, transitando pelas vias alagadas ou enlameadas.
De repente, esses acontecimentos nos
trazem uma outra dimensão de perspectiva para a realidade. Não, não dá para
permanecer ensimesmado, arraigado a respeito disso ou daquilo. Discutindo hipóteses,
conjecturas estabelecidas à margem da realidade presente, do tempo presente.
Porque o insólito não permite. Ele está sempre à espreita, aguardando a
primeira oportunidade para chacoalhar tudo, revirar o mundo de ponta cabeça,
puxar o tapete da vida e nos jogar de joelhos no chão. Não dá tempo nem para
pensar. Quem tenta orar, acaba ficando só no “Ai, meu Deus! ”.
Posso até entender que discutir
ideias, jogar conversa fora ou brigar por futilidades é bem mais fácil do que
arregaçar as mangas e fazer a própria parte nesse mundo. No entanto, isso não
muda o fato de que, mais dia menos dia, a qualquer momento a obrigação bate na
porta, quase sempre sem bons modos. Essa história de ficar em cima do muro, só
espiando, nunca acaba bem. Porque o tempo que se perde com as inutilidades, com
tudo aquilo que não é prático ou objetivo, impõe uma pena pesada, de arrastar
correntes de desdobramentos e consequências, sem fim.
Como diz uma certa oração, “Concedei-nos, Senhor, a serenidade
necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para
modificar aquelas que podemos e sabedoria para distinguir umas das outras”.
Porque, isso resume, de alguma forma, o fato de que “Se você pode ver o seu caminho indicado na sua frente, passo a passo,
saiba que não é seu caminho. O seu próprio caminho você faz com cada passo que
dá. É por isso que é o seu caminho” (Joseph Campbell – escritor norte-americano).
Afinal, “Dentro de nós está o poder de nosso
consentimento para a saúde e a doença, a riqueza e a pobreza, a liberdade e a
escravidão. Somos nós que controlamos isso, e não os outros” (Richard Bach –
escritor norte-americano).