Sob
o iminente risco das boas intenções
Por
Alessandra Leles Rocha
Como manifesta o antigo
provérbio, “De boas intenções o inferno
anda cheio”. E não seria essa a definição da realidade brasileira contemporânea?!
Usando e abusando de se apropriar tendenciosamente das palavras para dar-lhes o
sentido das suas intenções e aplacar de algum modo as contestações, é assim que
os discursos e as narrativas no cenário político têm colocado o país cada vez
mais próximo do precipício.
Lamento, mas nenhum daqueles
homens e mulheres que transitam pelos corredores dos centros do poder estão
fazendo bom uso da sua RESPONSABILIDADE cidadã, ou daquela investida pelo cargo
para o qual foram eleitos, por exemplo. Movidos pelo imediatismo eleitoreiro
que pulsa frenético diante do desfolhar do calendário de 2021, eles estão anos
luz de fazer a coisa certa, de pensar no país de maneira consciente, ou seja, ditada
pelos parâmetros de análise em curto, médio e longo prazo.
Resistentes a olhar para o
cenário econômico brasileiro, eles estão sucessivamente deliberando assuntos de
ordem econômica, como é o caso da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos
Precatórios, lançando o Brasil à bancarrota. Vira-se daqui, mexe-se dali; mas,
os textos das propostas não perdem um milímetro sequer de sua nocividade ao equilíbrio
e sobrevivência fiscal do país. Afinal, eles desconsideram todos os índices,
todos os indicativos, todos os alertas advindos de grandes economistas, como se
dispusessem de uma autoridade absoluta sobre o tema.
Mais uma vez, estamos diante da
negação. Nossa classe política nega as Ciências Econômicas. Nega que a política
econômica instituída pela atual gestão pública é um fiasco em todos os
sentidos. Tanto que as notícias mais recentes, saídas do forno, apontam recessão
técnica, ou seja, “dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a economia brasileira ‘encolheu’
por dois trimestres seguidos” 1. Um alerta
importante, tendo em vista que o panorama desfavorável conta, também, com
desemprego alto, inflação acelerada, alta dos juros e dólar em ascensão.
Então, quando eles se dizem
PREOCUPADOS com o povo, não parece. Pelo menos eles deveriam saber que “o Brasil permanece como um dos países mais
desiguais do planeta. É o oitavo pior em diferença de renda, segundo o
relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) [...]
Está atrás apenas das nações africanas e de algumas asiáticas em matéria de
descalabro social” 2. Afinal
de contas, eles teriam como premissa básica conhecer a REALIDADE de muitos que
os elegeram e, assim, saberiam que a transferência de renda por si só, como se
prevê na tal PEC dos Precatórios, é inócua.
Satisfeita a fome, que não
espera, como ficarão esses milhões de cidadãos brasileiros lançados as fronteiras
da miséria? Largados à mercê da própria sorte nas ruas, nas praças, na indigência?
Continuarão dependentes das esmolas, das raspas e dos restos? Quaisquer transferências
de renda nessa conjuntura atual evaporam. Diante de uma inflação que galopa em
disparada, o poder de compra do real se perde da noite para o dia. Por isso não
basta “fazer alguma coisa”. É preciso
fazer o que é certo. É preciso resolver. Sem placebos. Sem delírios. Sem escárnio.
Em síntese, a PEC não passa de um
desastroso modo de acomodar as incompetências e as incapacidades de gestão da
economia nacional, as quais alcançaram um patamar tão absurdo que não se
vislumbra outra possibilidade a não ser ejetar os problemas resultantes ad aeternum. A PEC cria “fantasmas” que irão assombrar o país,
no sentido de torná-lo inviável administrativamente, por meio do engessamento
advindo da ausência ou insuficiência de recursos.
Se estivessem de fato INTERESSADOS
em trabalhar a favor do país e de sua população, os rumos da política econômica
teriam sido outros. Teriam cortado despesas inúteis, supérfluas. Teriam declinado
das “emendas secretas” do relator. Teriam
ostentado menos com cartões corporativos e viagens nababescas, sem nenhum propósito
prático de interesse ao país. Teriam sido pautados projetos em favor de debelar
desafios históricos, visando desconstruir os pilares de desigualdade nacional. Teriam
buscado garantir a DIGNIDADE do cidadão brasileiro, VISIBILIZÁ-LO, conforme
estabelece a Constituição Federal de 1988.
Dante Alighieri escreveu, “No inferno os lugares mais quentes são
reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise”. Talvez,
fosse oportuno a nossa classe política, incluindo aqueles pretensos a nela
ingressar, pensar a respeito. Abdicar, eximir, são posicionamentos que já se
mostraram inúteis diante de um planeta que gira à revelia do ser humano,
repercutindo a própria dinâmica da vida. Fazer ou não fazer é uma ESCOLHA; mas,
tem as suas CONSEQUÊNCIAS. A questão é que nunca se sabe como serão. E pelo
andar da carruagem, os prognósticos não são os melhores, tendo em vista que “A Terra nunca se parece tanto com o Inferno
como quando os seres humanos tentam fazer dela o céu” (Friedrich Hölderlin –
poeta alemão).