sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Sob o iminente risco das boas intenções


Sob o iminente risco das boas intenções

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Como manifesta o antigo provérbio, “De boas intenções o inferno anda cheio”. E não seria essa a definição da realidade brasileira contemporânea?! Usando e abusando de se apropriar tendenciosamente das palavras para dar-lhes o sentido das suas intenções e aplacar de algum modo as contestações, é assim que os discursos e as narrativas no cenário político têm colocado o país cada vez mais próximo do precipício.

Lamento, mas nenhum daqueles homens e mulheres que transitam pelos corredores dos centros do poder estão fazendo bom uso da sua RESPONSABILIDADE cidadã, ou daquela investida pelo cargo para o qual foram eleitos, por exemplo. Movidos pelo imediatismo eleitoreiro que pulsa frenético diante do desfolhar do calendário de 2021, eles estão anos luz de fazer a coisa certa, de pensar no país de maneira consciente, ou seja, ditada pelos parâmetros de análise em curto, médio e longo prazo.

Resistentes a olhar para o cenário econômico brasileiro, eles estão sucessivamente deliberando assuntos de ordem econômica, como é o caso da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Precatórios, lançando o Brasil à bancarrota. Vira-se daqui, mexe-se dali; mas, os textos das propostas não perdem um milímetro sequer de sua nocividade ao equilíbrio e sobrevivência fiscal do país. Afinal, eles desconsideram todos os índices, todos os indicativos, todos os alertas advindos de grandes economistas, como se dispusessem de uma autoridade absoluta sobre o tema.

Mais uma vez, estamos diante da negação. Nossa classe política nega as Ciências Econômicas. Nega que a política econômica instituída pela atual gestão pública é um fiasco em todos os sentidos. Tanto que as notícias mais recentes, saídas do forno, apontam recessão técnica, ou seja, “dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a economia brasileira ‘encolheu’ por dois trimestres seguidos” 1. Um alerta importante, tendo em vista que o panorama desfavorável conta, também, com desemprego alto, inflação acelerada, alta dos juros e dólar em ascensão.

Então, quando eles se dizem PREOCUPADOS com o povo, não parece. Pelo menos eles deveriam saber que “o Brasil permanece como um dos países mais desiguais do planeta. É o oitavo pior em diferença de renda, segundo o relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) [...] Está atrás apenas das nações africanas e de algumas asiáticas em matéria de descalabro social” 2. Afinal de contas, eles teriam como premissa básica conhecer a REALIDADE de muitos que os elegeram e, assim, saberiam que a transferência de renda por si só, como se prevê na tal PEC dos Precatórios, é inócua.

Satisfeita a fome, que não espera, como ficarão esses milhões de cidadãos brasileiros lançados as fronteiras da miséria? Largados à mercê da própria sorte nas ruas, nas praças, na indigência? Continuarão dependentes das esmolas, das raspas e dos restos? Quaisquer transferências de renda nessa conjuntura atual evaporam. Diante de uma inflação que galopa em disparada, o poder de compra do real se perde da noite para o dia. Por isso não basta “fazer alguma coisa”. É preciso fazer o que é certo. É preciso resolver. Sem placebos. Sem delírios. Sem escárnio.

Em síntese, a PEC não passa de um desastroso modo de acomodar as incompetências e as incapacidades de gestão da economia nacional, as quais alcançaram um patamar tão absurdo que não se vislumbra outra possibilidade a não ser ejetar os problemas resultantes ad aeternum. A PEC cria “fantasmas” que irão assombrar o país, no sentido de torná-lo inviável administrativamente, por meio do engessamento advindo da ausência ou insuficiência de recursos.

Se estivessem de fato INTERESSADOS em trabalhar a favor do país e de sua população, os rumos da política econômica teriam sido outros. Teriam cortado despesas inúteis, supérfluas. Teriam declinado das “emendas secretas” do relator. Teriam ostentado menos com cartões corporativos e viagens nababescas, sem nenhum propósito prático de interesse ao país. Teriam sido pautados projetos em favor de debelar desafios históricos, visando desconstruir os pilares de desigualdade nacional. Teriam buscado garantir a DIGNIDADE do cidadão brasileiro, VISIBILIZÁ-LO, conforme estabelece a Constituição Federal de 1988.

Dante Alighieri escreveu, “No inferno os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise”. Talvez, fosse oportuno a nossa classe política, incluindo aqueles pretensos a nela ingressar, pensar a respeito. Abdicar, eximir, são posicionamentos que já se mostraram inúteis diante de um planeta que gira à revelia do ser humano, repercutindo a própria dinâmica da vida. Fazer ou não fazer é uma ESCOLHA; mas, tem as suas CONSEQUÊNCIAS. A questão é que nunca se sabe como serão. E pelo andar da carruagem, os prognósticos não são os melhores, tendo em vista que “A Terra nunca se parece tanto com o Inferno como quando os seres humanos tentam fazer dela o céu” (Friedrich Hölderlin – poeta alemão).