Como
será o amanhã?!
Por
Alessandra Leles Rocha
Desde que a Pandemia começou, o
mundo foi lançado a uma nova projeção de perspectivas. Questões como incerteza
e morte, por exemplo, invadiram o campo cotidiano de maneira bastante palpável
e arrebatadora. De modo que todas as tentativas de lançar sob o tapete da
história os aspectos incomodativos, desconfortantes à existência humana, se
tornaram impossibilitadas para o indivíduo contemporâneo. Daí o estresse
demasiado, as frustrações, as angústias, porque não dá mais para brincar de
esconde-esconde com a realidade. A modernidade líquida, descrita por Zygmunt
Bauman, extrapolou as fronteiras da teoria para ganhar a prática das ruas, sob
um viés impensado.
O tempo, então, nunca se mostrou
tão veloz. Do amanhecer ao pôr do sol, bilhões de acontecimentos trabalham
configurando, desconfigurando e reconfigurando a vida. De mudanças simples até
as mais complexas. Por isso tudo parece tão instável, tão imprevisível, tão
incerto. A ideia tecnológica das conexões se mostra recontextualizada às
relações sociais. Na verdade, estivemos sempre conectados; mas, talvez, não
tínhamos a exata dimensão disso ou do seu significado em profundidade. Precisou-se
de uma situação extrema, uma catástrofe sanitária, um vírus, para visibilizar
esse processo e ressignificá-lo para os seres humanos.
De repente, a infinitude, a
imortalidade e o amanhã evaporaram dentro de suas próprias subjetividades,
rompendo todos os laços e amarras que teciam as postergações, as preguiças, as
inações. Um certo arauto veio avisar que a vida não pode esperar; o que não
significa necessariamente uma questão de “viver
dez anos a mil”, como dizia a canção 1.
Simplesmente, chegou a hora de se conscientizar de que há milhares de situações
imponderáveis, imprevisíveis, capazes de ir muito além de mudanças simples e
pontuais, alcançando patamares comparáveis a verdadeiros tsunamis. E isso pegou
muita gente de calças curtas.
Ora, a nova ordem social que se
instalou nos últimos dois anos, não só faz mistério sobre o fim do seu processo;
mas, particularmente, atingiu o centro nevrálgico da existência humana
contemporânea, a sua liberdade. Pois é, “retirou
o doce da boca de muita gente”. A possibilidade de tentar manter algum
controle sobre as próprias escolhas, decisões, planejamentos; obrigou-as a
viver sob a tensão das possibilidades, das probabilidades. O mundo foi “abduzido” pela linguagem do “se”. E se isso. E se aquilo. E se...
Perdeu-se a ideia da exatidão.
Tudo agora é controlado pelo relativismo. O que limitou drasticamente a
liberdade. Cada vez mais o ser humano é cerceado pelas conjunturas. Ele não
escolhe, é escolhido. Ele não decide, as decisões se moldam à revelia de uma
ação genuína, pessoal. Ele não planeja com vistas ao futuro, porque esse futuro
foi lançado às incertezas. Então... ele foi aprisionado pelas circunstâncias,
atingido no cerne das suas convicções, diminuído e inferiorizado na sua imagem.
Afinal, ele perdeu para algo que, nem mesmo, consegue enxergar a olho nu.
O ideário da bolha
individualista, sobre o qual cada um era rei (ou rainha) de seu próprio reino,
foi desfeita, porque esse pseudopoder perdeu a significância social. Os
individualistas descobriram o peso cruel da solidão, que lhes chegou de maneira
impositiva e incontestável; bem como, o gosto amargo de não desfrutar mais o
centro das atenções. Foram rendidos aos recursos tecnológicos, na mais plena
ausência do contato efetivamente humano. Nada de abraços. Nada de beijos. Nada
de afagos. Nada de aconchegos. ... Uma linguagem de corpos distantes,
mergulhados em telas frias, repletas de impessoalidade tátil, olfativa, gustativa,
visual.
E mesmo quando o isolamento foi possibilitando
flexibilizar a rigidez, nada voltou a ser como antes. Conscientes ou
inconscientes, as pessoas haviam sido impactadas pelas experiências desse
processo. Uma aura de desconforto, de medo, de insegurança, de relutância, se
manteve impregnada e visível entre máscaras ou não. Como se qualquer descuido
fosse reacender a trilha da imprevisibilidade mais uma vez. O que significa não
saber onde, quando e como tudo termina, fazendo bater um cansaço que transcende
os limites do corpo e da alma.
Porque, de certa forma, o incerto
do século XXI trouxe algumas certezas e nos abriu os olhos para uma realidade
para qual vinhamos relutando refletir. A ideia da globalização, por exemplo,
traz a impressão da existência de uma certa homogeneidade, quando, na verdade,
cada grupo populacional convive e coexiste tentando manter unida uma
diversidade de hábitos, de culturas, de comportamentos, de filosofias. Juntos;
mas, tão diferentes, tão díspares. E essas diferenças podem, de repente, abrir
as portas para certos tipos de previsibilidades imprevisíveis.
Veja o caso das ações antrópicas sobre
o Meio Ambiente. Com os avanços científicos e tecnológicos do mundo contemporâneo,
muito já sabe que a Natureza é um grande laboratório a céu aberto e que ali
estão presentes infinitos reservatórios de agentes biológicos. Vírus, bactérias,
fungos, que de uma hora para outra podem ser expostos a condições de disseminação
e de mutação, sem que se saiba ou se conheça a respeito deles. Especialmente,
quando há uma perturbação direta ao equilíbrio local, tais como desmatamentos,
queimadas e outras alterações no espaço geográfico, as quais obrigam aos
deslocamentos forçados das espécies em busca de água, abrigo e alimento.
O ser humano ser afetado e
infectado por esses agentes é uma loteria no campo da evolução das espécies. Em
nome da própria sobrevivência, vírus, baterias e fungos tentam se adaptar ao
maior número de hospedeiros possíveis e nesse processo, muitas vezes, acaba
acontecendo mutações cruzadas entre espécies diferentes, resultando em uma
ampliação significativa para os limiares de risco e letalidade. Imagine um
determinado vírus cujas variantes distintas, presentes em dois hospedeiros
diferentes, se cruzam e surge uma nova variante com potencial para infectar um
terceiro hospedeiro. Essa não é uma hipótese improvável, pode sim, acontecer;
sobretudo, quando o ambiente proporciona esses movimentos, dada a influência de
inúmeros fatores, tais como alterações térmicas, poluentes, correntes
migratórias, urbanização e outras.
Depois dessa breve reflexão fica
a percepção de que, na verdade, “Não
existe meio de verificar qual é a decisão acertada, pois não existe termo de
comparação. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se um ator
entrasse em cena sem nunca ter ensaiado” (Milan Kundera – escritor checo). A
frustração, o desconforto, o incômodo, diante das incertezas só nos faz crer
que o ser humano, especialmente o contemporâneo, no fundo, quer viver uma
liberdade vigiada, na qual ele possa ser livre sabendo que alguém está ali para
socorrê-lo se algo não sair como o planejado. Ele quer mergulhar na
profundidade que ainda consiga ficar de pé na piscina. Ele quer em meio às
incertezas todos os fiapos de certeza que puderem existir.
Afinal, “Nunca e sempre são duas palavras que só deviam existir nos contos de fadas. São palavras que fazem parte de promessas geralmente impossíveis de serem cumpridas. Mas como é bom ouvi-las, não é mesmo? Graças a elas não sentimos tanto medo e insegurança quando o futuro parece tão incerto...” (Miguel Falabella – ator, escritor e cineasta brasileiro), porque o ser humano, talvez, não tenha compreendido que “O futuro não é mais incerto que o presente” (Walt Whitman – poeta e jornalista norte-americano).