sábado, 4 de dezembro de 2021

Cuidado! As aparências podem enganar!


Cuidado! As aparências podem enganar!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

De certo modo é compreensível que nos percamos no tsunami de informações geradas pela Pandemia do Sras-Cov-2; mas, nesse risco de “normalização da vida” deixamos passar despercebidas questões muito importantes. Com o surgimento recente da variante ômicron, inúmeros aspectos me fizeram pensar por um viés pouco explorado pelos veículos de informação.

Olhando com bastante atenção para o Brasil, onde desde o início da Pandemia o sistema de testagem da população foi errático e insuficiente, certamente milhares de pessoas foram contaminadas por alguma variante, ao longo desse período; mas, por ausência de sintomas significativos ou muito leves, não se preocuparam em observar eventuais desdobramentos ou sequelas.

Acontece que o contato com o agente viral da COVID-19 demonstrou possibilidades reais de desenvolver intercorrências, inclusive severas ou letais, em muitos pacientes, desconsiderando o fato destes terem apresentado quadros leves, moderados ou gravíssimos. Segundo o estudo Gutenberg COVID-19 da Universidade de Medicina de Mainz, na Alemanha, “o número de casos não identificados seria bem maior do que se pensava. E estes também podem estar sujeitos a complicações tardias e duradouras da infecção original, em parte graves – a assim chamada ‘covid longa’”1. Ela também pode ser chamada de “Síndrome pós-Covid”, “Covid persistente” ou “Covid prolongada”, porque novos quadros da doença podem aparecer até 6 meses após a contaminação inicial.

As investigações em curso, a priori, apontam para o fato de que “dos casos conhecidos, 10% desenvolveram covid-19 de longo prazo, e que em 10% destes – ou 1% do total – se trata de uma forma severa”; por isso, eles precisam “entender quantos dos casos assintomáticos são capazes de desenvolver a forma longa” 2. Mas, outras 15 pesquisas a respeito estão em desenvolvimento no Reino Unido, nos EUA, na Austrália, na China, no Egito e no México, sendo que a partir delas foi possível identificar 55 sintomas principais.

De modo que “entre os 47.910 pacientes que integraram os estudos, os cinco principais sintomas detectados foram: fadiga (58%), dor de cabeça (44%), dificuldade de atenção (27%), perda de cabelo (25%) e dificuldade para respirar (24%). Cerca de 80% das pessoas que pegaram a doença ainda tinham algum sintoma pelo menos 2 semanas após a cura do coronavírus” 3.

O que desperta um alerta para o fato de que apesar de algumas variantes do vírus se mostrarem menos agressivas e potencialmente letais, o simples fato de elas terem alta capacidade de transmissão pode ser um indicativo importante para o desenvolvimento de algum, ou alguns, desses 55 sintomas. Porque, de acordo com um dos pesquisadores britânicos, “a gravidade inicial da doença – leve, moderada ou grave, não tem mostrado muita influência nas chances de ter ou não sintomas após a cura” 4.

No entanto, tendo em vista que entre esses 55 sintomas podem estar a perda de olfato e/ou paladar, palpitação, insuficiência ou aumento da frequência cardíaca, redução da capacidade pulmonar, problemas digestivos, apneia do sono e febre intermitente, é natural que essas pessoas venham a demandar uma atenção especial pelos serviços de saúde, por um período difícil de ser estimado. Sem contar que, em muitos casos, também necessitarão de tratamento medicamentoso e de suporte (fisioterapia, psicologia, nutricionista etc.), os quais demandam logística e orçamento para todos os entes da Federação.

Assim, o caso da variante ômicron, ainda em plena fase de elucidações científicas, merece o aprofundamento das análises nessa direção. A COVID-19 vem demonstrando que a doença não se curva nem mesmo diante da imunização.  Pessoas podem não apresentar quadros graves; mas, podem se reinfectar por variantes distintas e desenvolver casos leves e moderados. O que é uma porta aberta para uma eventual manifestação da “covid longa”. Daí a razão de se manterem as medidas preventivas enquanto a Pandemia estiver em curso.

Aliás, esse é um aspecto importantíssimo para ser inserido no rol das discussões econômicas da Pandemia. Ainda não se tem um número exato de pessoas, nem o seu perfil social, as quais ficarão com sequelas indefinidamente e serão obrigadas a se afastar das suas atividades produtivas, passando a depender de aposentadorias e/ou auxílios governamentais, por exemplo. Essa perda da população economicamente ativa (PEA), por conta das sequelas, precisa ser levada em consideração; posto que, em termos de mortos, de diferentes idades e gêneros, o mundo já perdeu mais de 5 milhões de pessoas.

É isso o que justifica a necessidade de esforços globais simultâneos para debelar a Pandemia. Enquanto o vírus permanecer circulando, se disseminando, potencializando mutações, o mundo estará tecendo os problemas descritos nesse texto e tornando a retomada do cotidiano sob novos paradigmas, cada vez mais complexa e onerosa. O que pode significar para inúmeros países, especialmente aqueles com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), um desafio e um prejuízo por décadas, acirrando o retrato da desigualdade mundial.

Por isso, não se esqueça de que “É fácil escapar das responsabilidades. Difícil é escapar das consequências por ter se livrado delas” (Graciliano Ramos – escritor brasileiro). Afinal de contas, “Nossa responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor, porque ela engaja a humanidade inteira” (Jean-Paul Sartre – filósofo francês) e “A responsabilidade de todos é o único caminho para a sobrevivência humana” (Dalai Lama – chefe de estado e líder espiritual do Tibete).