Violência(s)
Por
Alessandra Leles Rocha
A violência é o fim da linha. Diante
da ausência da civilidade, da tolerância, da capacidade dialógica, da aceitação
ao contraditório, ...; enfim, de todos os recursos cognitivos disponíveis pelos
seres humanos, a violência se lança como a derradeira possibilidade de
expressão. Como escreveu Jean-Paul Sartre, “A
violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota”.
Por essa razão, ela materializa o fracasso da raça humana, na medida em que
esta foi a única dotada de inteligência, de capacidade de raciocínio lógico e
de verbalização de ideias.
A violência, então, não é uma
representação do poder ou da autoridade; mas, da força bruta e indomável
conservada na essência da barbárie humana. Um primitivismo que, por mais que se
deseje controlar, vez por outra, ultrapassa as fronteiras da domesticação social
e ganha as ruas, as falas, os comportamentos. Na velha imagem da besta-fera que
se abstém da própria humanidade, dos próprios valores e princípios, para uma
diferenciação deturpada em meio ao coletivo.
Por isso, não é de surpreender que
a violência tenha a capacidade de se disseminar, como rastilho de pólvora, tão
rapidamente. Basta um indivíduo em ação violenta para que outros se sintam confortáveis
e legitimados para exacerbarem a sua fúria. Ora, a sociedade sabe muito bem
disso, no entanto, ela não exerce com efetividade o seu papel no sentido de
controlar e impedir esses arroubos.
Nesse sentido, talvez, tenhamos evoluído
quase nada em relação as arenas romanas e outras práticas retrógradas de selvageria
pública. Afinal, em cada canto que se procure há sempre alguém a se render à violência,
sob os mais diferentes motivos e justificativas. Como se tudo fosse pretexto
para se aliar a esse movimento de desordem e caos, que nada constrói; mas,
tensiona e desestabiliza severamente a ordem social.
De modo que esse comportamento
não é só fruto da contemporaneidade. O que ela fez foi acirrá-lo em razão da
manifestação arraigada do individualismo, o qual encapsulou as pessoas,
afastando-as de uma convivência mais próxima, mais estreita, no seu cotidiano. Houve,
portanto, uma desaprendizagem, uma desconstrução, do hábito da coexistência humana.
Então, quando se é obrigado, por alguma razão, a permanecer se relacionando sob
um mesmo espaço, durante um tempo superior ao de costume, os estranhamentos
começam a aflorar e a se intensificar, alcançando patamares de atrito imprevisíveis.
Sem contar que o excesso de
frustrações, descontentamentos e desalentos sociais, também, contribuem
significativamente para a explosão da violência. Daí a necessidade de entender
que “A violência faz-se passar sempre por
uma contra violência, quer dizer por uma resposta à violência alheia”
(Jean-Paul Sartre – filósofo francês); por isso, “você nunca precisará de um
argumento contra o uso da violência, você precisa de um argumento para ela”
(Noam Chomsky – linguista e cientista cognitivo).
Não é sem
razão, portanto que, muitas
vezes, as pessoas começam a brigar, a discutir, sobre assuntos banais para
poderem extravasar as graves questões do cotidiano que as perturbam. Até que
uma faísca de incômodo se transforme em um furacão de violência, o qual acaba
arrastando para o seu funil uma infinidade de coisas que não se conectam, que não
fazem o menor sentido.
Particularmente, para mim esse é
o ponto de reflexão, a falta de sentido que reside na violência. Sobretudo,
quando a sobrevivência humana no planeta está por um triz. Deveríamos estar
unidos em prol desse que é o objetivo maior e mais importante, ao invés de nos
permitirmos fermentar rusgas e atritos desnecessários.
Mas, como previu Eric Hobsbawm,
em 2002, “ a guerra no século 21 provavelmente
não será tão assassina como era no século 20. Mas a violência armada, criando
sofrimento e perda desproporcionais, continuará onipresente e endêmica –
ocasionalmente epidêmica – em grande parte do mundo. A perspectiva de um século
de paz é remota”. No fundo, nada de tão diferente do que temos visto até
agora.
Como dizia John Lennon, “Vivemos num mundo onde temos que nos
esconder para fazer amor, enquanto a violência é praticada em plena luz do dia”.
Porque o desafio não é a violência em si; mas, o ser humano que a cultua e a promove.
Isso significa que o próprio ser humano legitima a violência, a tal ponto que
ela se torna banalizada, trivializada. Não é à toa que Eduardo Galeano teceu o
seguinte comentário, “No manicômio global,
entre um senhor que julga ser Maomé e outro que acredita ser Buffalo Bill,
entre o terrorismo dos atentados e o terrorismo da guerra, a violência está nos
arruinando”.
Talvez, por isso, não possamos nos abster de refletir que “Através da violência você pode matar um assassino, mas não pode matar o assassinato. Através da violência você pode matar um mentiroso, mas não pode estabelecer a verdade. Através da violência você pode matar uma pessoa odienta, mas não pode matar o ódio. A escuridão não pode extinguir a escuridão. Só a luz pode” (Martin Luther King Jr. – pastor e ativista dos direitos civis nos EUA). Afinal de contas, a conclusão resultante disso é muito simples, “Questões que se resolvem com violência nunca ficam resolvidas” (James Joyce – escritor irlandês).