segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Violência(s)


Violência(s)

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A violência é o fim da linha. Diante da ausência da civilidade, da tolerância, da capacidade dialógica, da aceitação ao contraditório, ...; enfim, de todos os recursos cognitivos disponíveis pelos seres humanos, a violência se lança como a derradeira possibilidade de expressão. Como escreveu Jean-Paul Sartre, “A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota”. Por essa razão, ela materializa o fracasso da raça humana, na medida em que esta foi a única dotada de inteligência, de capacidade de raciocínio lógico e de verbalização de ideias.

A violência, então, não é uma representação do poder ou da autoridade; mas, da força bruta e indomável conservada na essência da barbárie humana. Um primitivismo que, por mais que se deseje controlar, vez por outra, ultrapassa as fronteiras da domesticação social e ganha as ruas, as falas, os comportamentos. Na velha imagem da besta-fera que se abstém da própria humanidade, dos próprios valores e princípios, para uma diferenciação deturpada em meio ao coletivo.

Por isso, não é de surpreender que a violência tenha a capacidade de se disseminar, como rastilho de pólvora, tão rapidamente. Basta um indivíduo em ação violenta para que outros se sintam confortáveis e legitimados para exacerbarem a sua fúria. Ora, a sociedade sabe muito bem disso, no entanto, ela não exerce com efetividade o seu papel no sentido de controlar e impedir esses arroubos.

Nesse sentido, talvez, tenhamos evoluído quase nada em relação as arenas romanas e outras práticas retrógradas de selvageria pública. Afinal, em cada canto que se procure há sempre alguém a se render à violência, sob os mais diferentes motivos e justificativas. Como se tudo fosse pretexto para se aliar a esse movimento de desordem e caos, que nada constrói; mas, tensiona e desestabiliza severamente a ordem social.

De modo que esse comportamento não é só fruto da contemporaneidade. O que ela fez foi acirrá-lo em razão da manifestação arraigada do individualismo, o qual encapsulou as pessoas, afastando-as de uma convivência mais próxima, mais estreita, no seu cotidiano. Houve, portanto, uma desaprendizagem, uma desconstrução, do hábito da coexistência humana. Então, quando se é obrigado, por alguma razão, a permanecer se relacionando sob um mesmo espaço, durante um tempo superior ao de costume, os estranhamentos começam a aflorar e a se intensificar, alcançando patamares de atrito imprevisíveis.

Sem contar que o excesso de frustrações, descontentamentos e desalentos sociais, também, contribuem significativamente para a explosão da violência. Daí a necessidade de entender que “A violência faz-se passar sempre por uma contra violência, quer dizer por uma resposta à violência alheia” (Jean-Paul Sartre – filósofo francês); por isso, você nunca precisará de um argumento contra o uso da violência, você precisa de um argumento para ela” (Noam Chomsky – linguista e cientista cognitivo).  

Não é sem razão, portanto que, muitas vezes, as pessoas começam a brigar, a discutir, sobre assuntos banais para poderem extravasar as graves questões do cotidiano que as perturbam. Até que uma faísca de incômodo se transforme em um furacão de violência, o qual acaba arrastando para o seu funil uma infinidade de coisas que não se conectam, que não fazem o menor sentido.

Particularmente, para mim esse é o ponto de reflexão, a falta de sentido que reside na violência. Sobretudo, quando a sobrevivência humana no planeta está por um triz. Deveríamos estar unidos em prol desse que é o objetivo maior e mais importante, ao invés de nos permitirmos fermentar rusgas e atritos desnecessários.

Mas, como previu Eric Hobsbawm, em 2002, “ a guerra no século 21 provavelmente não será tão assassina como era no século 20. Mas a violência armada, criando sofrimento e perda desproporcionais, continuará onipresente e endêmica – ocasionalmente epidêmica – em grande parte do mundo. A perspectiva de um século de paz é remota”. No fundo, nada de tão diferente do que temos visto até agora.

Como dizia John Lennon, “Vivemos num mundo onde temos que nos esconder para fazer amor, enquanto a violência é praticada em plena luz do dia”. Porque o desafio não é a violência em si; mas, o ser humano que a cultua e a promove. Isso significa que o próprio ser humano legitima a violência, a tal ponto que ela se torna banalizada, trivializada. Não é à toa que Eduardo Galeano teceu o seguinte comentário, “No manicômio global, entre um senhor que julga ser Maomé e outro que acredita ser Buffalo Bill, entre o terrorismo dos atentados e o terrorismo da guerra, a violência está nos arruinando”.

Talvez, por isso, não possamos nos abster de refletir que “Através da violência você pode matar um assassino, mas não pode matar o assassinato. Através da violência você pode matar um mentiroso, mas não pode estabelecer a verdade. Através da violência você pode matar uma pessoa odienta, mas não pode matar o ódio. A escuridão não pode extinguir a escuridão. Só a luz pode” (Martin Luther King Jr. – pastor e ativista dos direitos civis nos EUA). Afinal de contas, a conclusão resultante disso é muito simples, “Questões que se resolvem com violência nunca ficam resolvidas” (James Joyce – escritor irlandês).