domingo, 21 de novembro de 2021

Sob o risco de “mais do mesmo”

Sob o risco de “mais do mesmo”

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A incipiente consciência cidadã do brasileiro é algo que me preocupa muito, particularmente, diante das conjunturas atuais. Vejam, por exemplo, a discussão que se forma em torno de uma terceira via para concorrer à Presidência da República, no ano que vem. Vejo as pessoas preocupadas com nomes e não com ideias, projetos, propostas, elementos suficientemente consistentes e distantes dos outros dois candidatos que se apresentam para a corrida eleitoral.

Ora, esse deveria ser o ponto de análise. Afinal, a atual gestão chegou ao poder depois de hastear inúmeras bandeiras, tais como “nova política”, “antipetismo”, “combate à corrupção”, “liberalismo econômico”, “resgate de valores conservadores”; as quais foram lentamente sendo rasgadas e destituídas para que “mais do mesmo” se apresentasse aos brasileiros e brasileiras.

Acontece que essas pautas apesar de chegarem juntas em um mesmo “pacote”, não eram recebidas igualmente pelos eleitores, ou seja, cada grupo elencava a sua para oferecer o apoio. Daí a debandada ter acontecido de maneira gradualmente desigual. Cada pauta que desaparecia do cenário fazia perder um percentual de apoiadores diferentes.

No entanto, esse movimento é bastante significativo. Porque ele evidencia como esses eleitores não se deram conta de que a deterioração do país nesse período se deu em razão desse “combo” de ideias. Não foi isso ou aquilo o fiel da balança do que se tem como realidade atual; mas, o somatório de tudo. De modo que ele atribuir a sua decepção, ou frustração, ou indignação, ou o que quer que seja, ao abandono dessa ou daquela pauta é uma visão muito limitada da situação.  

Trata-se de um sinal claríssimo de que se a pauta do seu interesse tivesse sido cumprida, para ele estaria tudo às mil maravilhas. Ele não faria objeção ao restante. Tudo poderia estar “explodindo”, “desabando”, “naufragando”, que para ele estaria tudo bem. Porque ele não consegue enxergar o país além dessa forma dissociada, fragmentada, partida em pedacinhos, que só faz atender aos seus interesses individuais e não, coletivos.

Mas, o cerne do problema, é que dentre esse contingente de eleitores que apoia (ou apoiou) a atual gestão se encontra uma massa expressiva da classe política nacional. Gente que não só depositou seu voto na urna, a favor da atual gestão; mas, também, subiu no palanque, discursou, fez campanha, tirou fotografia, enfim... exibiu publicamente a sua imagem de apoiador irrestrito. E agora, tenta emplacar um “mea culpa” meio desajeitado, meio esquisito, que não parece conseguir entoar, como fazem todos os cidadãos comuns decepcionados, frustrados, indignados etc.etc.etc.

Vejam que incrível esse fenômeno! Três anos depois de toda a manifestação esfuziante e aparentemente convicta de apoio, eles agora lançam as lembranças e as memórias sob o tapete da história, para se despontarem como a mais nova opção para o pleito de 2022. Tentam fazer de um tudo para repaginar o discurso e a narrativa da ocasião, como se o passado tivesse sido um transe, um evento errático inexplicável, que não coaduna em absolutamente nada com suas convicções. Será?!

Depois de tudo é difícil acreditar. Mesmo porque, pessoas que mudam de opinião, como uma “folha de bananeira”, não costumam transmitir credibilidade, consistência, firmeza de opinião. Estão mais para satisfazer seus interesses pessoais, suas ambições, seus pontos de vista, suas jogadas no tabuleiro da vida. E por mais que isso pareça trivializado, banalizado, especialmente, no campo político, o resumo da ópera não muda, continua sendo frívolo, volúvel, instável, efêmero, ... o que não é nada bom.

Ainda mais, quando se fala de Brasil. Quando se olha ao redor e vê essa conjuntura caótica, seguindo à deriva, para acreditar que alguém de espírito leviano seja capaz de resolver a situação. Sim, porque esse tipo de pessoa se permitiu acreditar no suposto “programa de campanha”, apresentado em 2018, o qual fracassou como era de se esperar. Se o Brasil, hoje, exibe uma imagem caricata, que o torna pária internacional, é porque ela colaborou, ela se aliou a esse projeto absurdo.

Pois é, enquanto ventilam-se nomes, daqui e dali, como opção de uma terceira via; menos eles parecem sustentáveis. Direta ou indiretamente seus currículos políticos se ligam ao atual governo, ou seja, se ligam a esse modelo de gestão que está sumariamente esfacelando o país. Basta ver em suas breves falas à imprensa, linhas e entrelinhas que repetem o ideário vigente. Aliás, me parece que nem se preocupam em disfarçar ou omitir que pensam exatamente da mesma maneira. Então, por que se dizem terceira via? Essa é a pergunta das perguntas.

O que tende a acabar acontecendo é que sem perspectivas de se projetarem suficientemente concorrentes para competir com os outros dois candidatos, teoricamente já consolidados, em caso de segundo turno eles acabarão fazendo os seus eleitores migrarem para o lado da direita e extrema-direita, que é a representação das suas ideias.

Infelizmente, eles são sim, “mais do mesmo” e não se mostram constrangidos ou desconfortáveis com a realidade do país que pretendem governar. Pelo contrário, eles fortalecem e legitimam as pautas que vêm lançando o Brasil à bancarrota e que acirram as desigualdades sociais de maneira totalmente perversa e brutal. Eles pensam que podem fazer dar certo o que não deu nessa gestão, como se o problema não estivesse calcado nas próprias pautas.

Se esquecem de que elas vieram ancoradas em uma realidade de país, de mais de meio século atrás, de modo que não tinha como funcionar. Ora, quantas gerações transitaram por esse período até aqui? Quantas novidades passaram a compor a vida das pessoas? Quantos hábitos e costumes foram revolucionados? Quantas tecnologias transformaram as informações e comunicações sociais? ...

Portanto, não dá para desconsiderar uma reflexão a respeito. O cenário atual do país é muito grave, não é para amadores, nem para oportunistas, nem para “salvadores da pátria”. Há tanto por fazer na mesma proporção da impossibilidade de realizar. A complexidade dos desafios é imensa, especialmente, tendo em vista um déficit fiscal gigantesco já confirmado pelo governo, o qual retira o sono do mercado financeiro, das agências de risco e das entidades ligadas à Economia em todo o mundo.

Assumir a governança do Brasil não é o difícil. O difícil será governar. Será colocar o país nos trilhos do desenvolvimento, do progresso, do alinhamento globalizado contemporâneo. Será compreender que a questão é ser popular e não populista. Será se cercar de gente séria e responsável; mas, sobretudo, habilidosa e suficientemente competente para desfazer os nós e os entraves vigentes, não se esquecendo de que o país é feito de gente, de seres humanos, de milhares de vidas, todas elas importantes.

O tempo da governança política sob vieses, interesses, poderes, tudo isso está ultrapassado. O mundo do século XXI exige um olhar holístico, integrado, multifacetado, que conecte todas as peças do tabuleiro, que dialogue para atender a todas as demandas, que trabalhe com a realidade e não, com idealizações e projeções infundadas. Não alcançar essas perspectivas não significa simplesmente ficar no atraso ou à margem; significa não sobreviver. Então, cuidado com o seu voto!