quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Proposta de emenda ou de extravio à Constituição?


Proposta de emenda ou de extravio à Constituição?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Depois da votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Precatórios, nesta madrugada, começo a acreditar que as pessoas sustentam determinadas ideias estapafúrdias, não para convencer aos outros; mas, a si mesmas, aplacando de certo modo a própria consciência. Afinal de contas, não precisa ser nenhum gênio para saber que a grande maioria dos eleitos para os legislativos nacionais não dispõe de conhecimento suficiente para discutir e legislar sobre questões de extrema complexidade, como é o caso em questão.

Era de se esperar, então, que houvesse por parte dessas pessoas uma dose mínima de humildade para ouvir e aprender com os experts na área econômica. Aliás, correntes distintas dentro da Economia, quando consultadas pelos veículos de comunicação e informação, foram unânimes em apontar os problemas e riscos ao país, por conta dessa medida, desaconselhando que a empreitada fosse levada adiante.

Pena, que aqui na Terra Brasilis legisla-se muito; mas, ... em causa própria e não pelos interesses e demandas da população para a qual foram escolhidos representantes. De modo que eles não se preocupam e nem se constrangem em deliberar sobre aquilo que desconhecem ou dominam de maneira totalmente superficial. Mais do que as linhas dos projetos, o que lhes interessam sobremaneira são as entrelinhas. Tudo aquilo que não está claro, definido, que pode ser manobrado ao seu gosto e prazer.

De um jeito ou de outro, a deterioração da economia brasileira sempre esteve desenhada no horizonte; a pandemia foi só a “cereja do bolo”. Basta recapitular para descobrir que já em 2019, com todas as condições favoráveis para o atual governo apresentar seu cartão de visitas, no campo econômico, e cravar números auspiciosos, os resultados foram pífios. O que veio depois foi apenas “ladeira abaixo”, evidenciando toda a fragilidade e inconsistência do planejamento econômico em curso. Infelizmente, as ideias estavam sustentadas na idealização de um Brasil que nunca existiu.

O próprio Ministro da Economia desconhecia a realidade das mazelas brasileiras, o que significa que ele não se preparou para assumir o cargo, não fez a lição de casa para traçar a política econômica do país, para posicionar adequadamente o Brasil no cenário global. Lenta e gradualmente, ele foi deixando escapar que na sua cartola não havia coelhos, nem pássaros, nem lenços, nem truque qualquer, enquanto os números seguiam minguando aquém das expectativas. Sem soluções sustentáveis, concretas e firmes, o brasileiro foi vendo aparecer um festival de “tapa buracos”, de placebos, de remendos ineficazes na política econômica nacional. A maioria deles apoiada pelo legislativo nacional.   

A sensação que se tem, então, é de que o país está à deriva. Quem poderia evitar o naufrágio se abstém em fazê-lo, de livre e espontânea vontade. Não há espírito cidadão. Não há escrúpulo. Não há senso humanitário. Não há responsabilidade. Não há nada. O que faz pensar sobre uma declaração do Presidente da República, há um mês, de que “Nada está tão ruim que não possa piorar”. Estão se propondo a oferecer algo com uma das mãos e retirando, automaticamente, com a outra. As camadas mais vulneráveis e desassistidas da população não terão tempo sequer de perceber quaisquer benefícios, tamanha a volatilidade imposta pela crise econômica em curso, intensificada pelo desastre das medidas que vêm sendo tomadas.

Em rota de colisão frontal com esse “iceberg gigante”, eles não se preocupam porque têm coletes salva-vidas e botes para se abrigar; mas, e o restante da população? Será que eles já sabem qual o valor da massa falida do Brasil, para não se importarem em destruí-lo dessa maneira? É, para todos aqueles que percolaram o medo de que o país viesse a ser a representação de um território desolado, enfraquecido, empobrecido, desestruturado, como se pode comparar com alguns próximos e distantes, caso não houvesse o Impeachment Presidencial em 2016, parece que o erro de cálculo foi total. O impeachment aconteceu; mas, a sanha destrutiva, que nutriu o medo e o ódio, não foi contida. Para surpresa geral, ela habitava justamente outras mentes, ou seja, aquelas que financiaram e arquitetaram o referido impeachment.

Agora, todos os dias devem ser dias para declamar “José”, de Carlos Drummond de Andrade, para cantar “Que país é este”, da Legião Urbana, e “Toda forma de poder”, dos Engenheiros do Hawai, para assistir a reprise das novelas “Que rei sou eu? e “Vale tudo”, na ânsia insana de refletir sobre a nossa incipiente identidade cidadã, que é a grande responsável por permitir esse constante flerte com a desgraça social.

Não, não foi à toa, que George Orwell disse: “Ver aquilo que temos diante do nariz requer uma luta constante”. Porque “A maneira mais eficaz de destruir as pessoas é negar e obliterar a própria compreensão da história delas”. Nesse contexto é que “A linguagem política, destina-se a fazer com que a mentira soe como verdade e o crime se torne respeitável, bem como a imprimir ao vento uma aparência de solidez” (George Orwell – escritor e jornalista inglês).

Creio que, talvez, o país esteja diante do próprio limite, sem espaço para conjecturas vãs, para indecisões ou relutâncias. São tempos não só para pensar; mas, para analisar com criticidade a si mesmo, ao mundo e a vida. Afinal, “A humanidade só saiu da barbárie mental primitiva quando se evadiu do caos das suas velhas lendas e não temeu mais o poder dos taumaturgos, dos oráculos e dos feiticeiros. Os ocultistas de todos os séculos não descobriram nenhuma verdade ignorada, ao passo que os métodos científicos fizeram surgir do nada um mundo de maravilhas. Abandonemos às imaginações mórbidas essa legião de larvas, de espíritos, de fantasmas e de filhos da noite – e que, no futuro, uma luz suficiente os dissipe para sempre” (Gustave Le Bom – psicólogo francês).