Proposta de emenda
ou de extravio à Constituição?
Por Alessandra
Leles Rocha
Depois da votação da Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) dos Precatórios, nesta madrugada, começo a acreditar que
as pessoas sustentam determinadas ideias estapafúrdias, não para convencer aos
outros; mas, a si mesmas, aplacando de certo modo a própria consciência. Afinal
de contas, não precisa ser nenhum gênio para saber que a grande maioria dos
eleitos para os legislativos nacionais não dispõe de conhecimento suficiente
para discutir e legislar sobre questões de extrema complexidade, como é o caso
em questão.
Era de se esperar, então, que houvesse por
parte dessas pessoas uma dose mínima de humildade para ouvir e aprender com os experts na área econômica. Aliás, correntes
distintas dentro da Economia, quando consultadas pelos veículos de comunicação
e informação, foram unânimes em apontar os problemas e riscos ao país, por
conta dessa medida, desaconselhando que a empreitada fosse levada adiante.
Pena, que aqui na Terra Brasilis legisla-se
muito; mas, ... em causa própria e não pelos interesses e demandas da população
para a qual foram escolhidos representantes. De modo que eles não se preocupam
e nem se constrangem em deliberar sobre aquilo que desconhecem ou dominam de
maneira totalmente superficial. Mais do que as linhas dos projetos, o que lhes
interessam sobremaneira são as entrelinhas. Tudo aquilo que não está claro,
definido, que pode ser manobrado ao seu gosto e prazer.
De um jeito ou de outro, a deterioração da
economia brasileira sempre esteve desenhada no horizonte; a pandemia foi só a “cereja do bolo”. Basta recapitular para
descobrir que já em 2019, com todas as condições favoráveis para o atual
governo apresentar seu cartão de visitas, no campo econômico, e cravar números auspiciosos,
os resultados foram pífios. O que veio depois foi apenas “ladeira abaixo”, evidenciando toda a fragilidade e inconsistência do
planejamento econômico em curso. Infelizmente, as ideias estavam sustentadas na
idealização de um Brasil que nunca existiu.
O próprio Ministro da Economia desconhecia a
realidade das mazelas brasileiras, o que significa que ele não se preparou para
assumir o cargo, não fez a lição de casa para traçar a política econômica do país,
para posicionar adequadamente o Brasil no cenário global. Lenta e gradualmente,
ele foi deixando escapar que na sua cartola não havia coelhos, nem pássaros,
nem lenços, nem truque qualquer, enquanto os números seguiam minguando aquém
das expectativas. Sem soluções sustentáveis, concretas e firmes, o brasileiro
foi vendo aparecer um festival de “tapa
buracos”, de placebos, de remendos ineficazes na política econômica
nacional. A maioria deles apoiada pelo legislativo nacional.
A sensação que se tem, então, é de que o país
está à deriva. Quem poderia evitar o naufrágio se abstém em fazê-lo, de livre e
espontânea vontade. Não há espírito cidadão. Não há escrúpulo. Não há senso
humanitário. Não há responsabilidade. Não há nada. O que faz pensar sobre uma
declaração do Presidente da República, há um mês, de que “Nada está tão ruim que não possa piorar”. Estão se propondo a oferecer
algo com uma das mãos e retirando, automaticamente, com a outra. As camadas
mais vulneráveis e desassistidas da população não terão tempo sequer de perceber
quaisquer benefícios, tamanha a volatilidade imposta pela crise econômica em
curso, intensificada pelo desastre das medidas que vêm sendo tomadas.
Em rota de colisão frontal com esse “iceberg gigante”, eles não se preocupam
porque têm coletes salva-vidas e botes para se abrigar; mas, e o restante da
população? Será que eles já sabem qual o valor da massa falida do Brasil, para
não se importarem em destruí-lo dessa maneira? É, para todos aqueles que
percolaram o medo de que o país viesse a ser a representação de um território
desolado, enfraquecido, empobrecido, desestruturado, como se pode comparar com
alguns próximos e distantes, caso não houvesse o Impeachment Presidencial em 2016, parece que o erro de cálculo foi
total. O impeachment aconteceu; mas, a sanha destrutiva, que nutriu o medo e o
ódio, não foi contida. Para surpresa geral, ela habitava justamente outras
mentes, ou seja, aquelas que financiaram e arquitetaram o referido impeachment.
Agora, todos os dias devem ser dias para
declamar “José”, de Carlos Drummond
de Andrade, para cantar “Que país é este”,
da Legião Urbana, e “Toda forma de poder”,
dos Engenheiros do Hawai, para assistir a reprise das novelas “Que rei sou eu? ” e “Vale tudo”, na ânsia
insana de refletir sobre a nossa incipiente identidade cidadã, que é a grande responsável
por permitir esse constante flerte com a desgraça social.
Não, não foi à toa, que George Orwell disse: “Ver aquilo que temos diante do nariz requer
uma luta constante”. Porque “A
maneira mais eficaz de destruir as pessoas é negar e obliterar a própria compreensão
da história delas”. Nesse contexto é que “A linguagem política, destina-se a fazer com que a mentira soe como verdade
e o crime se torne respeitável, bem como a imprimir ao vento uma aparência de
solidez” (George Orwell – escritor e jornalista inglês).
Creio que, talvez, o país esteja diante do próprio
limite, sem espaço para conjecturas vãs, para indecisões ou relutâncias. São tempos
não só para pensar; mas, para analisar com criticidade a si mesmo, ao mundo e a
vida. Afinal, “A humanidade só saiu da barbárie
mental primitiva quando se evadiu do caos das suas velhas lendas e não temeu
mais o poder dos taumaturgos, dos oráculos e dos feiticeiros. Os ocultistas de
todos os séculos não descobriram nenhuma verdade ignorada, ao passo que os métodos
científicos fizeram surgir do nada um mundo de maravilhas. Abandonemos às
imaginações mórbidas essa legião de larvas, de espíritos, de fantasmas e de
filhos da noite – e que, no futuro, uma luz suficiente os dissipe para sempre”
(Gustave Le Bom – psicólogo francês).