quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Direitos Humanos Fundamentais ... Direitos de todos


Direitos Humanos Fundamentais ... Direitos de todos

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

O limite da falência de um povo, de um Estado-Nação, se dá quando os direitos humanos fundamentais não são igualmente acessíveis a todos. Sim, porque se eles são considerados “fundamentais” é porque a vida humana, independentemente de quem seja, depende deles para sobreviver e garantir a sua dignidade existencial.

Portanto, é totalmente ultrajante perceber que essa realidade absurda está presente entre nós e se intensifica em razão dos (des) caminhos que o Brasil decidiu trilhar, em grande parte, referendados por uma minoria fria, calculista e explicitamente desumana.

Ora, são essas pessoas que tentam, com unhas e dentes, fazer parecer que as desigualdades são “coisas da vida”, questões intrínsecas às relações humanas sobre a Terra. Por isso, não é à toa que tentam aplacar suas consciências em eventuais exibições de humanidade midiática, muito bem divulgadas. São as chamadas ações de “caridade”, as quais não passam de uma distribuição de benesses, de esmolas, de raspas e de restos descartados de suas regalias e privilégios.

Acontece que isso não resolve absolutamente nada. Não muda os fatos em si. Esse modus operandi, cunhado desde os tempos do Brasil-colônia, apenas teima em sustentar as linhas demarcatórias da pirâmide social, mantendo tudo exatamente como está. O que significa que suas convicções, crenças e valores reafirmam a ideia de que somente uma ínfima parcela da sociedade seria suficientemente humana para ter direito aos direitos humanos fundamentais.

Isso é de uma monstruosidade inominável! Não é só uma questão de distorção de imagem, de incapacidade de reconhecer no outro a sua própria humanidade; mas, sobretudo, de aceitar assistir à degradação do outro a fim de satisfazer o seu sentimento de superioridade e de importância. É o exemplo clássico de como a vida pode ser pautada, e na verdade, vem sendo, em um ranking de prioridades; sem que haja um movimento de retenção, de contenção, dessas práxis.

Sob o simplismo de afirmar que “a vida sobre a Terra sempre foi assim”, as pessoas optam por se calar, por silenciar suas observações, seus pontos de vista, a respeito. No fundo, acabam consumidas por uma infinidade de temores objetivos e subjetivos que bloqueiam sua ruptura com as amarras da inação ética e moral. E passam a transitar como cegas, surdas e mudas diante dos apelos, do sofrimento exacerbado, da dor lacerante causada pelos golpes da injustiça e da desumanidade sobre os corpos alheios.

Não se trata, então, de desconhecer a verdade; mas, de se abster em confrontá-la. De assumir o seu próprio senso de humanidade, de civilidade, de fraternidade, de empatia, em favor do semelhante. Porque, quanto mais o tempo passa, quanto mais essa omissão se cristaliza; mais, ridículas, inapropriadas e inconsistentes se tornam todas as narrativas e discursos sobre um mundo melhor.

Como assim, como ter um mundo melhor pautado na desigualdade, na diferença excludente dos seres humanos? Que mundo melhor é esse? Se não sabemos ou se desaprendemos o sentido, a significância, do que representa a raça humana, não há possibilidade de um mundo melhor. É tudo ou nada. Simples assim.

Porque não basta estar no papel, na formulação de leis, de decretos, de cartas, de ofícios ou de circulares, a existência de direitos humanos fundamentais. Se eles são direitos devem estar acessíveis a todos os seres humanos, sem distinção de quaisquer naturezas. O que conta é a prática, a vivência disso para o bem coletivo. Com base em que estamos definindo quem é e quem não é gente? Quem pode e quem não pode? Quem importa e quem não importa?

Se a raça humana chegou até aqui foi pela diversidade. Negros, amarelos, brancos, índios, mestiços, jovens, idosos, portadores de deficiência, mulheres, homens, LGBTQIA+. Simplesmente, pelas pessoas. Cada um somou seu esforço ao coletivo e sob erros e acertos, o mundo vem caminhando, vem dando seus pulinhos. Afinal, ninguém é perfeito!

Aliás, isso também precisa ficar bem claro. Qualquer ser humano é um ser em construção, em franco desenvolvimento, inacabado por excelência. Morremos sem chegar nem perto da completude. De modo que todo esse processo nos extingue a possibilidade de nos considerarmos mais e melhores do que esse ou aquele. Não, não somos. Aqui, ali ou acolá estamos sempre no fim de alguma fila.

Sentimos dor, fome, sede, frio, cansaço, tristeza, desilusão, amor, ... Temos sonhos, ambições, projetos, ideias, iniciativas, ... Mas, só podemos satisfazê-los mediante um ponto de partida existencial que nos permita. Só assim, podemos dizer quem somos, mostrar nossas habilidades e competências, desenvolver nossos pontos fracos para torná-los fortes, ... enfim. Algo que as fronteiras das desigualdades têm nos impedido totalmente de realizar.

E sempre que eu me deparo com isso, eu me lembro das palavras de Bertolt Brecht, “O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e o lacaio dos exploradores do povo”.

Porque são essas pessoas que trabalham diária e incansavelmente para que os direitos humanos fundamentais não sejam igualmente acessíveis a todos. Para elas a dignidade e a cidadania não são direitos humanos, são privilégios; por isso, só acessíveis a uma restrita minoria de gente importante, “bem-nascida”.

Por isso, elas não se importam de explorar os trabalhos realizados pela legião dos “invisíveis” e nem de cobrar-lhes até o último vintém de impostos e tributos. Do mesmo modo, que não se constrangem em saber que seu enriquecimento, base de todo o seu suposto poder social, é justamente fruto dessa exploração, dessa espoliação.

Assim, quando se deparar com notícias, tais como “mãe de uma criança de cinco anos foi presa há 100 dias por furto de água” 1, leia além das linhas para entender adequadamente como as relações sociais brasileiras funcionam de verdade.

Não se permita esquecer que, na medida em que negamos a existência flagrante de inacessibilidade aos direitos humanos fundamentais, no Brasil, é porque ainda não alcançamos a seguinte compreensão: “Primeiro levaram os negros. Mas não me importei com isso. Eu não era negro. Em seguida, levaram alguns operários.  Mas não me importei com isso. Eu também não era operário. Depois prenderam os miseráveis. Mas não me importei com isso. Porque eu não sou miserável. Depois agarraram uns desempregados. Mas como tenho meu emprego. Também não me importei. Agora estão me levando. Mas já é tarde. Como eu não me importei com ninguém, ninguém se importa comigo” (Bertolt Brecht 2).

Portanto, reveja seus conceitos e mude suas atitudes; pois, não estamos sob uma “epidemia de furtos famélicos”3 como querem fazer parecer. O que nos falta é acesso aos Direitos Humanos e sem eles, nos falta tudo.