A
política e sua tendência aos “regimes
autoritários de estimação”
Por
Alessandra Leles Rocha
A diplomacia internacional tem
como fundamento básico, o respeito à soberania dos povos, o que significa que
cada país tem o poder de decidir e legislar dentro dos seus limites
territoriais. No entanto, essa premissa não é capaz de alterar o status das
ações, das decisões e dos fatos que acontecem dentro de cada espaço geográfico
específico. Manifestações arbitrárias, autoritárias, violentas, opressivas ou
ditatoriais não deixam de ser o que são pelo respeito que se dá à soberania.
Elas são o que são. Nenhum verniz, nenhum adorno, nenhuma palavra, pode
torná-las mais palatáveis, mais inofensivas ou menos brutais.
No entanto, valendo-se desse
subterfúgio, dessa interpretação tendenciosa, não é raro que, por razões
ideológicas e/ou mercantis, algumas lideranças mundiais passam a tecer um tipo
de relação bizarra que transforma esses países em “regimes autoritários de estimação”. Há uma tendência por essas
lideranças de invisibilização ou desconsideração do autoritarismo empregado
pelo outro, em nome de seus próprios interesses.
O que em relação ao olhar do
mundo se configura em diferentes interpretações. Alguns atribuem esse tipo de comportamento
uma sinalização de caráter interno, ou seja, um aviso subliminar aos seus
cidadãos de que existe uma possibilidade, mesmo que remota, que em algum
momento aquelas práticas e condutas possam vir a ser aplicadas dentro do seu país.
O que seria, portanto, uma carta na manga para coibir ou afugentar quaisquer
potenciais discordâncias e insatisfações populares quanto ao regime vigente.
Outros apenas encontram eco
nesses regimes. O que significa que tais países representam exatamente o modo
de governar que eles gostariam de exercer; mas, pela dinâmica de seus países
encontram impossibilidades jurídicas e burocráticas para fazê-lo a contento.
Então, eles passam a exercitar certo tipo de admiração, de culto, de simpatia, como
a expressão de um alento para suas idealizações mais secretas.
E há, também, aqueles que pensam
que tudo não passa de um movimento no campo da “política da boa vizinhança”, que tem como objetivo prospectar
eventuais perspectivas de consolidação de projetos econômicos. Por essa razão, evitam-se
rusgas ou comentários “indesejáveis” para manter as relações pacificadas e
potencialmente profícuas. Do tipo “amigos, amigos, negócios à parte”.
Mas, seja porque motivo for, o
fato de essa relação existir estabelece uma compreensão clara de como o ser
humano se encontra no fim da fila das prioridades. A final de contas, esses
regimes tratam do poder pelo poder. Os cidadãos estão ali, no meio do seu
caminho, podendo ser úteis como massas de manobra ou como obstáculos a serem
superados. Só isso. O que eles precisam, querem, aspiram, sonham, ... nada
disso importa, nada disso entra na conta do governo. Porque os regimes
autoritários são narcísicos, eles supervalorizam a si mesmos, necessitando
total reconhecimento de seus feitos e conquistas, enquanto desvalorizam os
demais.
Em suma, o que é prioridade nesses
regimes é a ênfase ao culto do líder, de modo que quaisquer oposições ou
supostas calúnias a respeito dessa figura são editadas ou silenciadas. Razão pela
qual busca-se consolidar um único
partido político, centralizando o poder e garantindo um papel importante na doutrinação
popular, uma ferramenta importante para a exacerbação do nacionalismo. De modo
que para garantir o sucesso desse processo, eles utilizam das práticas de
terror e de censura.
Entretanto, em pleno mundo
contemporâneo, em plena era das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs),
a realidade dos regimes autoritários extrapola suas próprias fronteiras com
muito mais facilidade do que há pouco mais de meio século. De modo que
quaisquer tentativas de alegar desconhecimento, ou desinformação, ou ignorância
a respeito do que acontece em qualquer canto do mundo, soa propositadamente
infame.
Basta uma passada de olhos pela
mídia internacional para ser soterrado por uma avalanche de notícias sobre
acontecimentos terríveis saídos do forno.
Gente que sumiu de repente. Gente que foi presa por manifestação contra
o governo. Jornalistas agredidos ou mortos durante o trabalho. Veículos de
imprensa depredados. E por aí vai.
E o que é mais estarrecedor nesse
processo é constatar que o número de países com viés arbitrário, autoritário,
violento, opressor ou ditatorial tenta se ampliar mundo afora, particularmente,
pelo trabalho da extrema-direita. O que essas pessoas não entendem é que se
conseguirem, em algum momento, destruir a Democracia, terão restado inúmeros
regimes autoritários que começarão a brigar entre si, em nome da hegemonia
mundial. Porque não se pode jamais esquecer de que os regimes autoritários são
narcísicos, o que dificulta pensar em eventuais alianças ou em coalizões
bem-sucedidas. Ora, é o poder que está em jogo.
Porém, enquanto eles se lançam
nessa empreitada o mundo está se deteriorando a olhos vistos. Seja pelos
desafios ambientais hercúleos. Seja pelos desafios econômicos, os quais incluem
a pobreza, a miséria, o desemprego, a inflação, os altos juros, a desaceleração
produtiva. Seja pelas doenças que emergem e se alastram com voracidade sobre as
populações. ... Individual ou coletivamente esses fenômenos estão levando o
planeta a um cenário de desolação, a um imenso deserto de vida, de esperança,
de criatividade, de trabalho, de dignidade, ... E mesmo assim, ainda, há quem
queira ter “regimes autoritários de
estimação”.
Como escreveu David Horowitz, “A questão nunca é a questão; a questão é
sempre o PODER”. Cultivar “regimes
autoritários de estimação” acaba, então, expressando a certeza de que “A adoração do Estado é a adoração da força.
Não há ameaça mais perigosa para a civilização do que um governo de homens
incompetentes, corruptos ou vis. Os piores males que a humanidade já suportou
foram infligidos pelos governos” (Ludwig Von Mises – economista austríaco).
Desse modo, “Uma diferença fundamental entre as ditaduras modernas e todas as
outras tiranias do passado é que o terror não é mais usado como um meio para
exterminar e assustar os oponentes, mas como instrumento para governar massas
de pessoas que são perfeitamente obedientes” (Hannah Arendt – filósofa
alemã).
Afinal de contas, esse tipo de
obediência só se torna possível a partir da construção de argumentos
impactantes, por exemplo, “Onde livros
são queimados, no fim, as pessoas também serão queimadas” (Heinrich Heine –
escritor e poeta alemão). Simples assim. Porque, apesar de toda obviedade
expressa, ainda, há quem não compreenda que “A
pior cegueira é a mental, que faz com que não reconheçamos o que temos a
frente” (José Saramago - Ensaio sobre a cegueira).