O
risco, o preço e a vergonha por querer quebrar as regras
Por
Alessandra Leles Rocha
Desculpem-me; mas, não é
quebrando as regras da civilidade que o Brasil vai conseguir afirmar qualquer
protagonismo no cenário internacional. Pelo contrário, cada dia que passa ele
vai se apequenando mais e mais, se transformando em motivo de chacota e de
exclusão. E isso só acontece porque, ainda, tem muito brasileiro que acha graça
de tudo o que acontece, que permanece fingindo que não há nada de errado, que
não vê problemas em nenhum setor da governança pública, que não reconhece razões
para preocupação.
Só que nessa história de “pagar para ver”, o país está se
deteriorando por completo. Perdendo a dignidade. Perdendo a credibilidade. Perdendo
a voz. Perdendo a vez. Perdendo tudo e mais um pouco diante dos olhos atentos
do mundo. Então, se dentro das próprias fronteiras não se faz nada de concreto.
Se as medidas cabíveis não são tomadas. Se deixam correr frouxo, como parece
visivelmente escancarado pelos meios de comunicação e informação; o jeito é
gritar lá fora e tentar descobrir se alguém nos ouve. Gente com um espírito
cidadão, um pouco mais à flor da pele, capaz de unir forças e exigir alguma
atitude que possa coibir a continuidade desse processo destrutivo e totalmente antiproducente.
Afinal, a geografia não
permite extirpar o Brasil do mapa mundi; por isso, o que acontece de bom ou de
ruim em um determinado lugar, acaba de um jeito ou de outro repercutindo nos
demais. E o Brasil sabe disso. Sabe muito bem. O problema é que o governo
decidiu esticar a corda dos limites, para ver aonde tudo isso vai dar. Só que
nessa brincadeira, não houve apenas perdas de centenas de milhares de vidas
para a Pandemia. Houve perdas econômicas. Houve perdas ambientais. Houve perdas
em direitos humanos. Perdas... Perdas... Perdas... Porque os adultos decidiram
brincar com o poder que têm em suas mãos.
De modo que até agora já
foram seis queixas apresentadas ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia,
na Holanda, contra o Presidente da República por crimes contra a humanidade, os
povos indígenas e o meio ambiente. A primeira denúncia foi feita pelo Coletivo
de Advocacia em Direitos Humanos e pela Comissão de Defesa dos direitos Humanos
Dom Paulo Evaristo Arns, em novembro de 2019. A segunda foi feita por
profissionais de saúde brasileiros, em face dos crimes contra a humanidade decorrentes
da má gestão da Pandemia pelo governo federal, em julho 2020. A terceira foi
pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em agosto de 2020. A quarta foi pelo cacique Raoni Matuktire,
grande defensor da Floresta Amazônica, em janeiro de 2021. A quinta representou
um novo pedido da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em agosto
de 2021. E a sexta, que aconteceu hoje, em 12 de outubro de 2021, a pedido da
Organização Não Governamental austríaca “All Rise”1.
Ainda que o TPI precise
avaliar a validade de todas essas denúncias para, então, abrir um processo preliminar
de investigação, a robustez de todas elas alimenta pequenas gotas de esperança,
como se nutrissem, de algum modo, as sementes da justiça. No caso da
manifestação da All Rise, por exemplo, mais uma vez foi reafirmado “que o governo brasileiro é responsável
anualmente pela destruição de cerca de 4 mil quilômetros quadrados da Floresta
Amazônica e que a taxa de desmatamento aumentou 88%”; bem como, “de realizar uma ampla campanha que resultou
no assassinato de defensores ambientais e de colocar em risco a população
mundial através das emissões provocadas pelo desmatamento” e de buscar “’sistematicamente remover, neutralizar e
estripar as leis, agências e indivíduos que servem para proteger a Amazônia’,
ressaltando que tais ações ‘estão diretamente ligadas aos impactos negativos
das alterações climáticas em todo o mundo’”2.
Portanto, essas questões
deixaram de ser exclusivamente um problema brasileiro, para ganharem o status
de um problema internacional. O que significa mais um fracasso a ser computado
na conta brasileira. E vejam que não é um fracasso qualquer! Porque esse, como
tantos outros que vêm se mostrando nos últimos três anos, foi bem planejado,
foi de livre e espontânea vontade, ... Algo para surpreender e fazer do país
uma terra verdadeiramente arrasada e assim, quem sabe, assumir de uma vez por
todas a pecha de “Zé ninguém”.
Cada um que tem aplaudido o “passar das boiadas” desse governo deveria saber que derrota não se aplaude. E no fim dessa história, todos vão sair perdendo, e muito. Quem nunca leu ou ouviu que “O dinheiro compra a casa, mas não te dá o lar... compra o remédio, mas não te dá a saúde... compra a cama, mas não te dá o sono. Compra o crucifixo, mas não te dá a fé [...]” (Paulo Jordão) ?! É por isso que, “No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade” (Immanuel Kant).