terça-feira, 12 de outubro de 2021

O risco, o preço e a vergonha por querer quebrar as regras


O risco, o preço e a vergonha por querer quebrar as regras

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Desculpem-me; mas, não é quebrando as regras da civilidade que o Brasil vai conseguir afirmar qualquer protagonismo no cenário internacional. Pelo contrário, cada dia que passa ele vai se apequenando mais e mais, se transformando em motivo de chacota e de exclusão. E isso só acontece porque, ainda, tem muito brasileiro que acha graça de tudo o que acontece, que permanece fingindo que não há nada de errado, que não vê problemas em nenhum setor da governança pública, que não reconhece razões para preocupação.

Só que nessa história de “pagar para ver”, o país está se deteriorando por completo. Perdendo a dignidade. Perdendo a credibilidade. Perdendo a voz. Perdendo a vez. Perdendo tudo e mais um pouco diante dos olhos atentos do mundo. Então, se dentro das próprias fronteiras não se faz nada de concreto. Se as medidas cabíveis não são tomadas. Se deixam correr frouxo, como parece visivelmente escancarado pelos meios de comunicação e informação; o jeito é gritar lá fora e tentar descobrir se alguém nos ouve. Gente com um espírito cidadão, um pouco mais à flor da pele, capaz de unir forças e exigir alguma atitude que possa coibir a continuidade desse processo destrutivo e totalmente antiproducente.

Afinal, a geografia não permite extirpar o Brasil do mapa mundi; por isso, o que acontece de bom ou de ruim em um determinado lugar, acaba de um jeito ou de outro repercutindo nos demais. E o Brasil sabe disso. Sabe muito bem. O problema é que o governo decidiu esticar a corda dos limites, para ver aonde tudo isso vai dar. Só que nessa brincadeira, não houve apenas perdas de centenas de milhares de vidas para a Pandemia. Houve perdas econômicas. Houve perdas ambientais. Houve perdas em direitos humanos. Perdas... Perdas... Perdas... Porque os adultos decidiram brincar com o poder que têm em suas mãos.

De modo que até agora já foram seis queixas apresentadas ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, na Holanda, contra o Presidente da República por crimes contra a humanidade, os povos indígenas e o meio ambiente. A primeira denúncia foi feita pelo Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos e pela Comissão de Defesa dos direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns, em novembro de 2019. A segunda foi feita por profissionais de saúde brasileiros, em face dos crimes contra a humanidade decorrentes da má gestão da Pandemia pelo governo federal, em julho 2020. A terceira foi pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em agosto de 2020.  A quarta foi pelo cacique Raoni Matuktire, grande defensor da Floresta Amazônica, em janeiro de 2021. A quinta representou um novo pedido da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em agosto de 2021. E a sexta, que aconteceu hoje, em 12 de outubro de 2021, a pedido da Organização Não Governamental austríaca “All Rise”1. 

Ainda que o TPI precise avaliar a validade de todas essas denúncias para, então, abrir um processo preliminar de investigação, a robustez de todas elas alimenta pequenas gotas de esperança, como se nutrissem, de algum modo, as sementes da justiça. No caso da manifestação da All Rise, por exemplo, mais uma vez foi reafirmado “que o governo brasileiro é responsável anualmente pela destruição de cerca de 4 mil quilômetros quadrados da Floresta Amazônica e que a taxa de desmatamento aumentou 88%”; bem como, “de realizar uma ampla campanha que resultou no assassinato de defensores ambientais e de colocar em risco a população mundial através das emissões provocadas pelo desmatamento” e de buscar “’sistematicamente remover, neutralizar e estripar as leis, agências e indivíduos que servem para proteger a Amazônia’, ressaltando que tais ações ‘estão diretamente ligadas aos impactos negativos das alterações climáticas em todo o mundo’”2.

Portanto, essas questões deixaram de ser exclusivamente um problema brasileiro, para ganharem o status de um problema internacional. O que significa mais um fracasso a ser computado na conta brasileira. E vejam que não é um fracasso qualquer! Porque esse, como tantos outros que vêm se mostrando nos últimos três anos, foi bem planejado, foi de livre e espontânea vontade, ... Algo para surpreender e fazer do país uma terra verdadeiramente arrasada e assim, quem sabe, assumir de uma vez por todas a pecha de “Zé ninguém”.

Cada um que tem aplaudido o “passar das boiadas” desse governo deveria saber que derrota não se aplaude. E no fim dessa história, todos vão sair perdendo, e muito. Quem nunca leu ou ouviu que “O dinheiro compra a casa, mas não te dá o lar... compra o remédio, mas não te dá a saúde... compra a cama, mas não te dá o sono. Compra o crucifixo, mas não te dá a fé [...]” (Paulo Jordão) ?! É por isso que, “No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade” (Immanuel Kant).