quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Reflexões sobre a Educação na Pré-Pandemia, Pandemia e Pós-Pandemia


Reflexões sobre a Educação na Pré-Pandemia, Pandemia e Pós-Pandemia

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Talvez, agora, se tenha mais clareza de que a questão não era apontar no calendário uma data para o retorno das atividades educacionais presenciais, em todo o país; mas, dissecar todas as complexidades e desafios que emergiriam desse processo.  

Sim, porque a Pandemia não interrompeu simplesmente o andamento de uma rotina, ela fez luzir todas as fragilidades já existentes na Educação brasileira e impor a necessidade de se estabelecer novos caminhos para esse ensino-aprendizagem. Incluindo analisar os desdobramentos que os impactos sofridos pela Economia, ao longo desse período, reverberam sobre a própria Educação.

Todo problema tem solução e se não tem, quase sempre é por falta de vontade, de interesse, de disposição ou de alguém para resolvê-lo. Esse é o ponto de partida para se visualizar a Educação nacional. Há muito por fazer e muito que se pode fazer; mas, o excesso de burocratizações, de postergações, de resistências, emperra o andamento das soluções, favorecendo uma cronificação das mazelas e impedindo alcançar um resultado final; sobretudo, positivo.

O que se explica pelo fato de que acima dos desafios pertinentes as questões didático-pedagógicas e metodológicas, das infraestruturas educacionais, da remuneração de docentes e trabalhadores do ensino, está um conjunto de diretrizes que movem essas engrenagens e partem das esferas superiores do sistema de educação nacional.

Por conta, então, de suas decisões inconsistentes, tardias e desfavoráveis, o país vem sendo obrigado a conviver com salas de aula pequenas, mal arejadas e abarrotadas de alunos, insuficiência de merenda, ausência de água potável e rede de esgoto em algumas unidades escolares, carência de bibliotecas, laboratórios e quadras de esporte cobertas, inacessibilidade digital e tecnológica etc.etc.etc.

Tudo isso, considerando apenas a perspectiva das escolas; visto que, da perspectiva de alunos, professores e funcionários a lista pode ser ainda maior. Dificuldade de aquisição de uniformes e materiais escolares, precariedade do transporte escolar, especialmente na zona rural e periurbana, insegurança alimentar, violências diversas, insuficiência de recursos financeiros, ausência de apoio assistencial e psicológico, ... De modo que era dentro desse panorama que o processo de ensino-aprendizagem se desenvolvia na rede pública. Aliás, porque é sobre esse recorte que trago essa reflexão, tendo em vista de que é ela a responsável por mais de 80% dos alunos brasileiros matriculados 1.

Então, a Pandemia chegou em março de 2020 e as atividades escolares presenciais, rede pública e privada, em todos os níveis de ensino, foram interrompidas por tempo indeterminado. Professores e alunos a partir dessa tomada de decisão institucional emergencial passaram a figurar, de certo modo, dentro do contexto de novos papéis.

A conhecida práxis da sala de aula foi abruptamente substituída por outros mecanismos, tais como educação à distância, vídeo-aulas, podcasts, materiais impressos, atividades virtuais e outros. Todos haviam sido lançados, “sem paraquedas ou redes de proteção”, a uma realidade para a qual não estavam preparados. Começando, pelo fato de que a Pandemia impactou diretamente a Economia e levou milhares de famílias a uma situação de restrição orçamentária severa pela redução de salários e jornadas; mas, também, pelo desemprego. Algo que, com o passar do tempo, alcançou os estratos da pobreza.

Dentro desse panorama, a questão da acessibilidade digital e tecnológica tornou-se um obstáculo, na tentativa de mitigação dos prejuízos educacionais decorrentes da suspensão temporária das aulas presenciais. Segundo a pesquisa TIC Domicílios2, em 2020, no Brasil, 58% dos brasileiros acessavam a internet em 2019 exclusivamente pelo telefone celular.

O estudo indicou que a conexão estava disponível para 74% da população, o que correspondia a 134 milhões de pessoas, e em 71% dos lares no país. No entanto, isso não significa necessariamente que as tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e suas ferramentas estejam cada vez mais próximas das pessoas, por conta dos custos de aquisição e manutenção; bem como, do letramento digital desses cidadãos. Afinal de contas, não basta o acesso ao desktop, ou ao notebook, ou ao celular, ou ao tablet, se professores e alunos não sabem utilizá-los corretamente, a fim de satisfazerem as suas demandas cotidianas no campo educacional.

Então, a partir desse ponto, outras questões se desencadearam, tais como a evasão do sistema de ensino proposto, a estagnação/retrocesso de aprendizagem, a dificuldade de ajuste à proposta, dentre outras, visibilizando um rastro de preocupações quanto à suficiência e a eficiência da educação durante o período da Pandemia.

O que significa que o retorno ao ensino presencial, agora possibilitado pela vacinação, que já alcança 47,11% da população brasileira com o protocolo completo, não parte exatamente de onde parou, mas das novas pautas que precisarão ser atendidas. Porque a crise socioeconômica se acirrou nesses quase dois anos, de modo que o achatamento do poder aquisitivo e o desemprego promoveram um deslocamento significativo dos alunos da rede privada para a rede pública.

Assim, toda aquela velha história das “salas de aula pequenas, mal arejadas e abarrotadas de alunos, insuficiência de merenda, ausência de água potável e rede de esgoto em algumas unidades escolares, carência de bibliotecas, laboratórios e quadras de esporte cobertas, inacessibilidade digital e tecnológica etc.etc.etc. ”, terá que ser solucionada “para ontem”, em razão da experiência pandêmica ter deixado lições importantes a serem incorporadas e seguidas de agora em diante.

Do mesmo modo que as questões didático-pedagógicas e metodológicas terão que encontrar caminhos capazes de equacionar, o mais satisfatoriamente possível, as demandas Pré-Pandemia, Pandemia e Pós-Pandemia, no contexto de uma heterogenia dos alunos ainda mais acentuada. Será preciso promover uma desconstrução e ressignificação da percepção do Estado e dos pais e responsáveis em relação ao papel da escola e, particularmente, do professor nessa nova perspectiva educacional.

Pois, a ideia do ensino híbrido, distribuído entre presencial e à distância, parece ser a opção para atender ao volume de alunos oriundos da rede privada e que somados aos já matriculados na rede pública não encontrarão infraestrutura suficiente para os alocar de maneira adequada dentro das normas sanitárias estabelecidas.

Assim, diante desse quadro serão exigidos grandes esforços e despojamento de todos; mas, em especial, do professor que terá um duplo trabalho para conduzir o seu conteúdo dentro de duas plataformas distintas, buscando atingir uma mesma excelência em ambas, apesar da, já mencionada, heterogenia dos alunos.

Nesse sentido, deve-se ter uma preocupação especial com a saúde física e mental desse professor; sobretudo, daquele que anteriormente dobrava ou triplicava turno, para melhorar as condições salariais. Uma carga horária excessiva diante das novas exigências, tende a ocasionar o esgotamento desses profissionais e pode comprometer o ensino-aprendizado por excessos de substituições eventuais, afastamentos e/ou desistências docentes; bem como, retardar a recuperação das perdas de aprendizagem apresentadas pelos alunos durante a Pandemia.

Por todas essas considerações é que se torna imperioso refletir. É preciso aproveitar o momento em que o mundo está em franca acomodação estrutural e comportamental, por causa da Pandemia, para fazer uma releitura da educação brasileira, a fim de superar os erros crônicos que se arrastam por sua história. Quem sabe, começando pelo fato de que não basta simplesmente colocar o aluno, de qualquer jeito, dentro de uma escola, como se o fato de transpor seu portal seria o suficiente para fazê-lo aprender e construir seu conhecimento.

Escola, antes de ser constituída de tijolos e cimento, é constituída de gente, de emoções, de sentimentos, de vontades, de sonhos. Dar liga a todos esses elementos de subjetividade e agregá-los a todo o arcabouço técnico, prático, institucional e logístico do ensino e da aprendizagem requer atenção, responsabilidade, comprometimento. Não é por impulso. Não é por decreto. Não é por casuísmo.

Antes de se dar qualquer passo adiante é preciso estar devidamente fundamentado, estruturado. Afinal, são tempos tão difíceis para se cogitar esquecer o fundamental, ou seja, “O homem não é nada além daquilo que a educação faz dele” (Immanuel Kant); por isso, “se não encontrarmos respostas adequadas a todas as questões sobre educação, continuaremos a forjar almas de escravos em nossos filhos” (Célestin Freinet – pedagoga francesa).