Reflexões sobre a Educação
na Pré-Pandemia, Pandemia e Pós-Pandemia
Por Alessandra Leles Rocha
Talvez, agora, se tenha mais clareza de que a
questão não era apontar no calendário uma data para o retorno das atividades educacionais
presenciais, em todo o país; mas, dissecar todas as complexidades e desafios
que emergiriam desse processo.
Sim, porque a Pandemia não interrompeu simplesmente
o andamento de uma rotina, ela fez luzir todas as fragilidades já existentes na
Educação brasileira e impor a necessidade de se estabelecer novos caminhos para
esse ensino-aprendizagem. Incluindo analisar os desdobramentos que os impactos sofridos
pela Economia, ao longo desse período, reverberam sobre a própria Educação.
Todo problema tem solução e se não tem, quase
sempre é por falta de vontade, de interesse, de disposição ou de alguém para
resolvê-lo. Esse é o ponto de partida para se visualizar a Educação nacional. Há
muito por fazer e muito que se pode fazer; mas, o excesso de burocratizações,
de postergações, de resistências, emperra o andamento das soluções, favorecendo
uma cronificação das mazelas e impedindo alcançar um resultado final;
sobretudo, positivo.
O que se explica pelo fato de que acima dos
desafios pertinentes as questões didático-pedagógicas e metodológicas, das
infraestruturas educacionais, da remuneração de docentes e trabalhadores do
ensino, está um conjunto de diretrizes que movem essas engrenagens e partem das
esferas superiores do sistema de educação nacional.
Por conta, então, de suas decisões inconsistentes,
tardias e desfavoráveis, o país vem sendo obrigado a conviver com salas de aula
pequenas, mal arejadas e abarrotadas de alunos, insuficiência de merenda, ausência
de água potável e rede de esgoto em algumas unidades escolares, carência de bibliotecas,
laboratórios e quadras de esporte cobertas, inacessibilidade digital e tecnológica
etc.etc.etc.
Tudo isso, considerando apenas a perspectiva das
escolas; visto que, da perspectiva de alunos, professores e funcionários a
lista pode ser ainda maior. Dificuldade de aquisição de uniformes e materiais
escolares, precariedade do transporte escolar, especialmente na zona rural e
periurbana, insegurança alimentar, violências diversas, insuficiência de
recursos financeiros, ausência de apoio assistencial e psicológico, ... De modo
que era dentro desse panorama que o processo de ensino-aprendizagem se
desenvolvia na rede pública. Aliás, porque é sobre esse recorte que trago essa
reflexão, tendo em vista de que é ela a responsável por mais de 80% dos alunos
brasileiros matriculados 1.
Então, a Pandemia chegou em março de 2020 e as
atividades escolares presenciais, rede pública e privada, em todos os níveis de
ensino, foram interrompidas por tempo indeterminado. Professores e alunos a
partir dessa tomada de decisão institucional emergencial passaram a figurar, de
certo modo, dentro do contexto de novos papéis.
A conhecida práxis da sala de aula foi
abruptamente substituída por outros mecanismos, tais como educação à distância,
vídeo-aulas, podcasts, materiais
impressos, atividades virtuais e outros. Todos haviam sido lançados, “sem paraquedas ou redes de proteção”, a
uma realidade para a qual não estavam preparados. Começando, pelo fato de que a
Pandemia impactou diretamente a Economia e levou milhares de famílias a uma
situação de restrição orçamentária severa pela redução de salários e jornadas;
mas, também, pelo desemprego. Algo que, com o passar do tempo, alcançou os
estratos da pobreza.
Dentro desse panorama, a
questão da acessibilidade digital e tecnológica tornou-se um obstáculo, na
tentativa de mitigação dos prejuízos educacionais decorrentes da suspensão temporária
das aulas presenciais. Segundo a pesquisa TIC Domicílios2, em 2020,
no Brasil, 58% dos brasileiros acessavam a internet em 2019 exclusivamente pelo
telefone celular.
O estudo indicou que a conexão estava
disponível para 74% da população, o que correspondia a 134 milhões de pessoas,
e em 71% dos lares no país. No entanto, isso não significa necessariamente que
as tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e suas ferramentas estejam
cada vez mais próximas das pessoas, por conta dos custos de aquisição e
manutenção; bem como, do letramento digital desses cidadãos. Afinal de contas,
não basta o acesso ao desktop, ou ao notebook, ou ao celular, ou ao tablet, se professores e alunos não
sabem utilizá-los corretamente, a fim de satisfazerem as suas demandas
cotidianas no campo educacional.
Então, a partir desse ponto, outras questões
se desencadearam, tais como a evasão do sistema de ensino proposto, a estagnação/retrocesso
de aprendizagem, a dificuldade de ajuste à proposta, dentre outras,
visibilizando um rastro de preocupações quanto à suficiência e a eficiência da
educação durante o período da Pandemia.
O que significa que o retorno ao ensino
presencial, agora possibilitado pela vacinação, que já alcança 47,11% da
população brasileira com o protocolo completo, não parte exatamente de onde
parou, mas das novas pautas que precisarão ser atendidas. Porque a crise socioeconômica
se acirrou nesses quase dois anos, de modo que o achatamento do poder
aquisitivo e o desemprego promoveram um deslocamento significativo dos alunos
da rede privada para a rede pública.
Assim, toda aquela velha história das “salas de aula pequenas, mal arejadas e abarrotadas de alunos, insuficiência
de merenda, ausência de água potável e rede de esgoto em algumas unidades
escolares, carência de bibliotecas, laboratórios e quadras de esporte cobertas,
inacessibilidade digital e tecnológica etc.etc.etc. ”, terá que ser
solucionada “para ontem”, em razão da
experiência pandêmica ter deixado lições importantes a serem incorporadas e seguidas
de agora em diante.
Do mesmo modo que as questões didático-pedagógicas
e metodológicas terão que encontrar caminhos capazes de equacionar, o mais
satisfatoriamente possível, as demandas Pré-Pandemia, Pandemia e Pós-Pandemia,
no contexto de uma heterogenia dos alunos ainda mais acentuada. Será preciso
promover uma desconstrução e ressignificação da percepção do Estado e dos pais
e responsáveis em relação ao papel da escola e, particularmente, do professor
nessa nova perspectiva educacional.
Pois, a ideia do ensino híbrido,
distribuído entre presencial e à distância, parece ser a opção para atender ao
volume de alunos oriundos da rede privada e que somados aos já matriculados na
rede pública não encontrarão infraestrutura suficiente para os alocar de
maneira adequada dentro das normas sanitárias estabelecidas.
Assim, diante desse quadro
serão exigidos grandes esforços e despojamento de todos; mas, em especial, do
professor que terá um duplo trabalho para conduzir o seu conteúdo dentro de
duas plataformas distintas, buscando atingir uma mesma excelência em ambas,
apesar da, já mencionada, heterogenia dos alunos.
Nesse sentido, deve-se ter
uma preocupação especial com a saúde física e mental desse professor;
sobretudo, daquele que anteriormente dobrava ou triplicava turno, para melhorar
as condições salariais. Uma carga horária excessiva diante das novas exigências,
tende a ocasionar o esgotamento desses profissionais e pode comprometer o
ensino-aprendizado por excessos de substituições eventuais, afastamentos e/ou desistências
docentes; bem como, retardar a recuperação das perdas de aprendizagem
apresentadas pelos alunos durante a Pandemia.
Por todas essas
considerações é que se torna imperioso refletir. É preciso aproveitar o momento
em que o mundo está em franca acomodação estrutural e comportamental, por causa
da Pandemia, para fazer uma releitura da educação brasileira, a fim de superar
os erros crônicos que se arrastam por sua história. Quem sabe, começando pelo
fato de que não basta simplesmente colocar o aluno, de qualquer jeito, dentro
de uma escola, como se o fato de transpor seu portal seria o suficiente para fazê-lo
aprender e construir seu conhecimento.
Escola, antes de ser constituída
de tijolos e cimento, é constituída de gente, de emoções, de sentimentos, de
vontades, de sonhos. Dar liga a todos esses elementos de subjetividade e agregá-los
a todo o arcabouço técnico, prático, institucional e logístico do ensino e da
aprendizagem requer atenção, responsabilidade, comprometimento. Não é por
impulso. Não é por decreto. Não é por casuísmo.
Antes de se dar qualquer passo adiante é preciso estar devidamente fundamentado, estruturado. Afinal, são tempos tão difíceis para se cogitar esquecer o fundamental, ou seja, “O homem não é nada além daquilo que a educação faz dele” (Immanuel Kant); por isso, “se não encontrarmos respostas adequadas a todas as questões sobre educação, continuaremos a forjar almas de escravos em nossos filhos” (Célestin Freinet – pedagoga francesa).