Olhando
o mundo do século XXI pela luz do Prêmio Nobel
Por
Alessandra Leles Rocha
Uma escolha bastante oportuna,
da Real Academia de Ciências da Suécia, para o Prêmio Nobel de Economia deste
ano. Afinal, a trinca de pesquisadores de universidades norte-americanas laureados
trouxe a possibilidade de rever inúmeras narrativas que costumeiramente fazem
parte do pensamento contemporâneo em todo o mundo.
David Card, professor na
Universidade da Califórnia, por exemplo, pesquisou sobre os efeitos do salário
mínimo, da imigração e da educação no mercado de trabalho. Seus estudos não só
mostraram “que o aumento do salário não
leva necessariamente à redução de empregos”; mas, também, “que os recursos das escolas são muito mais
importantes para o futuro no mercado de trabalho dos alunos do que se pensava” 1, e que a imigração tem impacto
relevante sobre a renda das pessoas se comparado com aqueles que permanecem no
próprio país.
Enquanto os professores Joshua
D. Angrist e Guido W. Imbens, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT)
e Universidade de Stanford respectivamente, pesquisaram sobre o uso de uma
metodologia para entender o efeito de um ano a mais na escola para os
estudantes, contribuindo para análises das relações de causa e efeito, a partir
de experimentos naturais.
Assim, esses trabalhos
conseguem captar a atenção do mundo, trazendo respostas e perspectivas mais consistentes
para questões importantes do cenário socioeconômico; mas, que interferem
diretamente na dinâmica política do século XXI. Afinal, considerando os efeitos
globais e repentinos da Pandemia, pautas como a questão salarial, a geração e
manutenção de empregos, a qualidade e suficiência da educação e os constantes
movimentos de migração, tornaram-se, ainda mais, desafiadoras para a imagem dos
governantes ao redor de todo o planeta.
Segundo as projeções da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), expressas no relatório “Perspectivas Sociais e do emprego no
Mundo: Tendências 2021”, os desdobramentos do Sars-Cov-2 sobre o mercado de
trabalho apontam para o fato de que “sem
um esforço deliberado para acelerar a criação de empregos decentes e apoiar os
membros mais vulneráveis da sociedade e a recuperação dos setores econômicos mais
duramente atingidos, os efeitos da pandemia poderiam prolongar-se por anos na
forma de perda do potencial humano e econômico, e de maior pobreza e
desigualdade” (Guy Ryder, diretor-geral da OIT). Porque a “escassez de empregos e horas de trabalho
soma-se aos níveis persistentes de desemprego, subutilização da mão de obra e
condições precárias de trabalho anteriores à crise” 2.
Daí a necessidade de
estudos que guiem governos e entidades na construção de “uma estratégia abrangente e coordenada, baseada em políticas centradas
nas pessoas e respaldada por ação e financiamento. Não pode haver recuperação
real sem a recuperação de empregos decentes”, ou seja, “um trabalho produtivo e de qualidade, em condições de liberdade,
equidade, segurança e dignidade humanas, sendo considerado condição fundamental
para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da
governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável” 3.
De modo que tudo isso se
liga diretamente à questão educacional, onde os desafios não são nem um pouco
menores. Tanto que, a própria Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO), em sua reunião ministerial de março de 2021,
estabeleceu uma “Coalizão Global de
Educação” para “mitigar o impacto do
fechamento de escolas, lidar com as perdas de aprendizagem e adaptar os
sistemas de educação, especialmente para comunidades vulneráveis e
desfavorecidas” 4. Isso porque, de
acordo com o Inquérito Mundial sobre os
Jovens e a COVID-19, desenvolvido pela OIT, “mais de 70 por cento dos jovens que estavam a estudar ou combinavam os
estudos com o trabalho na altura do inquérito foram negativamente afetados pelo
encerramento de escolas, universidades e centros de formação. Os estudos e a
formação de quase um em cada seis jovens foram completamente interrompidos, não
tendo tido aulas, cursos ou testes desde o início da pandemia” 5.
Esta é uma realidade que
poderá, então, ter seu nível de compreensão aprofundado pelas análises
sustentadas pelas metodologias dos referidos ganhadores do Prêmio Nobel; bem
como, os seus resultados poderão tornar-se promotores de eventuais políticas de
educação melhor ajustadas as demandas pós-pandêmicas.
Por fim; mas, não
dissociada dos assuntos anteriores, diante do relatório “Estimativas Globais sobre Trabalhadores Migrantes – Resultados e
Metodologia” da OIT, a migração laboral aumentou em cinco milhões
globalmente. O que revela profunda preocupação, tendo em vista de que muitos
desses trabalhadores, “frequentemente,
ocupam empregos temporários, informais ou desprotegidos, expondo-os a um maior
risco de insegurança, demissões e deterioração das condições de trabalho”; e com
a Pandemia, tudo isso tornou a vulnerabilidade ainda mais exacerbada nesse
contexto. Quanto ao destino dessas pessoas, “os
países de alta renda continuam absorvendo a maioria dos trabalhadores migrantes”,
ou seja, a Europa, a Ásia Central e as Américas conjuntamente permanecem abrigando
cerca de 63% dessa população.
Não é sem razão, portanto,
que a imigração, conforme o estudo do professor David Card tem impacto
relevante sobre a renda desses trabalhadores. Principalmente, se considerarmos “as trabalhadoras migrantes, uma vez que
estão sobrerrepresentadas em empregos mal remunerados e pouco qualificados e
têm acesso limitado à proteção social e menos oportunidades de acesso a
serviços de apoio” 6.
Feitas essas breves
considerações, só me resta dizer que cada trabalho ofertado nos altares da Ciência
é mais um fragmento para a construção da estrada por onde trafega a humanidade.
Certamente, ainda faltam muitos fragmentos, muitos pedaços; por isso, não será,
da noite para o dia, que essas generosas contribuições nos darão o privilégio
de assistir a um mundo vivendo com mais paz, mais harmonia, mais dignidade,
mais igualdade, como sonhava John Lennon 7.
Mas, como escreveu Eduardo Galeano, “A
utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois
passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu
caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que
eu não deixe de caminhar” (Fernando Birri apud Eduardo Galeano em “Las palavras
andantes”, 1994, p.310). Sendo assim, podemos pelo menos seguir de mãos
dadas, como escreveu Carlos Drummond de Andrade 8.
1
https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/10/11/david-card-joshua-angrist-e-guido-imbens-ganham-nobel-de-economia-2021.ghtml
3 https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-decente/lang--pt/index.htm.%20Acesso%20em%2019-04-2019
5 https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---europe/---ro-geneva/---ilo-lisbon/documents/publication/wcms_775004.pdf
7 Imagine - https://www.letras.mus.br/john-lennon/90/