segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Olhando o mundo do século XXI pela luz do Prêmio Nobel


Olhando o mundo do século XXI pela luz do Prêmio Nobel

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Uma escolha bastante oportuna, da Real Academia de Ciências da Suécia, para o Prêmio Nobel de Economia deste ano. Afinal, a trinca de pesquisadores de universidades norte-americanas laureados trouxe a possibilidade de rever inúmeras narrativas que costumeiramente fazem parte do pensamento contemporâneo em todo o mundo.

David Card, professor na Universidade da Califórnia, por exemplo, pesquisou sobre os efeitos do salário mínimo, da imigração e da educação no mercado de trabalho. Seus estudos não só mostraram “que o aumento do salário não leva necessariamente à redução de empregos”; mas, também, “que os recursos das escolas são muito mais importantes para o futuro no mercado de trabalho dos alunos do que se pensava” 1, e que a imigração tem impacto relevante sobre a renda das pessoas se comparado com aqueles que permanecem no próprio país.

Enquanto os professores Joshua D. Angrist e Guido W. Imbens, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e Universidade de Stanford respectivamente, pesquisaram sobre o uso de uma metodologia para entender o efeito de um ano a mais na escola para os estudantes, contribuindo para análises das relações de causa e efeito, a partir de experimentos naturais.

Assim, esses trabalhos conseguem captar a atenção do mundo, trazendo respostas e perspectivas mais consistentes para questões importantes do cenário socioeconômico; mas, que interferem diretamente na dinâmica política do século XXI. Afinal, considerando os efeitos globais e repentinos da Pandemia, pautas como a questão salarial, a geração e manutenção de empregos, a qualidade e suficiência da educação e os constantes movimentos de migração, tornaram-se, ainda mais, desafiadoras para a imagem dos governantes ao redor de todo o planeta.

Segundo as projeções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), expressas no relatório “Perspectivas Sociais e do emprego no Mundo: Tendências 2021”, os desdobramentos do Sars-Cov-2 sobre o mercado de trabalho apontam para o fato de que “sem um esforço deliberado para acelerar a criação de empregos decentes e apoiar os membros mais vulneráveis da sociedade e a recuperação dos setores econômicos mais duramente atingidos, os efeitos da pandemia poderiam prolongar-se por anos na forma de perda do potencial humano e econômico, e de maior pobreza e desigualdade” (Guy Ryder, diretor-geral da OIT). Porque a “escassez de empregos e horas de trabalho soma-se aos níveis persistentes de desemprego, subutilização da mão de obra e condições precárias de trabalho anteriores à crise” 2.

Daí a necessidade de estudos que guiem governos e entidades na construção de “uma estratégia abrangente e coordenada, baseada em políticas centradas nas pessoas e respaldada por ação e financiamento. Não pode haver recuperação real sem a recuperação de empregos decentes”, ou seja, “um trabalho produtivo e de qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humanas, sendo considerado condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável” 3.

De modo que tudo isso se liga diretamente à questão educacional, onde os desafios não são nem um pouco menores. Tanto que, a própria Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em sua reunião ministerial de março de 2021, estabeleceu uma “Coalizão Global de Educação” para “mitigar o impacto do fechamento de escolas, lidar com as perdas de aprendizagem e adaptar os sistemas de educação, especialmente para comunidades vulneráveis e desfavorecidas” 4. Isso porque, de acordo com o Inquérito Mundial sobre os Jovens e a COVID-19, desenvolvido pela OIT, “mais de 70 por cento dos jovens que estavam a estudar ou combinavam os estudos com o trabalho na altura do inquérito foram negativamente afetados pelo encerramento de escolas, universidades e centros de formação. Os estudos e a formação de quase um em cada seis jovens foram completamente interrompidos, não tendo tido aulas, cursos ou testes desde o início da pandemia” 5.

Esta é uma realidade que poderá, então, ter seu nível de compreensão aprofundado pelas análises sustentadas pelas metodologias dos referidos ganhadores do Prêmio Nobel; bem como, os seus resultados poderão tornar-se promotores de eventuais políticas de educação melhor ajustadas as demandas pós-pandêmicas.

Por fim; mas, não dissociada dos assuntos anteriores, diante do relatório “Estimativas Globais sobre Trabalhadores Migrantes – Resultados e Metodologia” da OIT, a migração laboral aumentou em cinco milhões globalmente. O que revela profunda preocupação, tendo em vista de que muitos desses trabalhadores, “frequentemente, ocupam empregos temporários, informais ou desprotegidos, expondo-os a um maior risco de insegurança, demissões e deterioração das condições de trabalho”; e com a Pandemia, tudo isso tornou a vulnerabilidade ainda mais exacerbada nesse contexto. Quanto ao destino dessas pessoas, “os países de alta renda continuam absorvendo a maioria dos trabalhadores migrantes”, ou seja, a Europa, a Ásia Central e as Américas conjuntamente permanecem abrigando cerca de 63% dessa população.

Não é sem razão, portanto, que a imigração, conforme o estudo do professor David Card tem impacto relevante sobre a renda desses trabalhadores. Principalmente, se considerarmos “as trabalhadoras migrantes, uma vez que estão sobrerrepresentadas em empregos mal remunerados e pouco qualificados e têm acesso limitado à proteção social e menos oportunidades de acesso a serviços de apoio” 6.

Feitas essas breves considerações, só me resta dizer que cada trabalho ofertado nos altares da Ciência é mais um fragmento para a construção da estrada por onde trafega a humanidade. Certamente, ainda faltam muitos fragmentos, muitos pedaços; por isso, não será, da noite para o dia, que essas generosas contribuições nos darão o privilégio de assistir a um mundo vivendo com mais paz, mais harmonia, mais dignidade, mais igualdade, como sonhava John Lennon 7. Mas, como escreveu Eduardo Galeano, “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar” (Fernando Birri apud Eduardo Galeano em “Las palavras andantes”, 1994, p.310). Sendo assim, podemos pelo menos seguir de mãos dadas, como escreveu Carlos Drummond de Andrade 8.