sábado, 2 de outubro de 2021

Movidos pela indignação e tantas coisas mais...


Movidos pela indignação e tantas coisas mais...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Enquanto o país se permite viver sob uma gigantesca nuvem de fumaça desenhada por uma “guerra de torcidas” sem sentido, é bom não esquecer de que a vida de milhões de brasileiros, como eu e você, está fenecendo pela inabilidade, pelo descaso, pela negligência; mas, sobretudo, pela incompetência do atual governo. 

O que importa não é se A, B, C ou D conseguiram levar mais ou menos pessoas à rua, neste ou em qualquer outro dia. O que importa é o que está acontecendo no Brasil, nos últimos três anos, e que move a indignação de muitos ao ponto de fazê-los se manifestar nas sacadas, nas ruas, nas avenidas, nas praças, dentro e fora do território nacional.

Esse é um movimento cidadão e democrático, não uma mera aferição estatística.  Claro, que a beleza dos espaços públicos lotados de gente transmite uma sensação de unidade e de força coletiva muito motivadora. Mas, não se pode esquecer que a Pandemia permanece e apenas 43,39% da população já está totalmente imunizada, tornando a cautela relevante e necessária.

Assim, nem todo mundo pode, ou quer, ou considera relevante externar por aí as suas impressões, os seus sentimentos, as suas angústias, os seus clamores, diante dessa conjuntura. Mas, isso não faz dessas pessoas menos cidadãs. Isso não é sinal de falta de empatia, de solidariedade, de respeito, de cidadania, ... Isso é uma escolha e não deve e nem pode ser tratada com desrespeito, por ninguém.

Como já disse no início, não se pode perder tempo e energia discutindo desimportâncias, quando há questões urgentes exigindo atenção. Foi pela fragmentação, pela desunião, pela polarização do país que estamos como estamos. Haja vista, por exemplo, todos os processos de desmantelamento e desconstrução ocorridos dentro das próprias estruturas de governo, nas mais importantes pastas da gestão pública, para se verificar in loco que essa intenção é intrínseca a ideologia desse governo.

Isso significa que as manifestações têm sim a sua importância, o seu propósito, a sua significância; mas, não são tudo. Talvez, seja a hora de agregar novas estratégias a esse processo, de lançar sobre as mesas dos Tribunais de Justiça e do Congresso Nacional pilhas e pilhas de “abaixo-assinados”, pautando reivindicações emergenciais dos milhões de brasileiros prejudicados pela péssima administração que conduz o Brasil.  

Se essas autoridades tivessem se engajado, se sensibilizado a contento, certamente, não seria necessária uma estratégia como essa, porque a realidade não teria chegado ao ponto em que chegou. Mas, vieram se abstendo, se esquivando, ... até que o caos se instalou.  Agora, só mesmo pela iniciativa de documentos coletivos, de caráter público, assinados por milhões de pessoas, para que as diferentes faces da inação governamental sejam devidamente contestadas.

Porque 94% da população1 já não suporta mais essa escalada de perdas materiais e imateriais diárias. Pandemia. Crise hídrica. Crise Energética. Crise dos Combustíveis. Crise Econômica. Crise Socioambiental. Desemprego. Pobreza. Miséria. ... A dignidade dos cidadãos, do país, está indo pelo ralo da história.

Pois como se sabe, até aqui, permanece a falta de vacinas, o boicote as medidas sanitárias, a apologia as medicações ineficazes contra a COVID-19, o desmatamento ao invés do reflorestamento, as queimadas criminosas, as ações de garimpeiros ilegais, as ameaças contra diversos povos indígenas, a desconfiança do mercado em relação ao país, os altos juros, a perda do poder de compra, a insuficiência na geração de empregos formais e a expansão da informalidade etc.etc.etc.

Por mais difícil que seja admitir, o Brasil está se desintegrando a olhos vistos, sem que nada esteja sendo feito a respeito; particularmente, no campo econômico. Enquanto a carestia galopa e as condições de vida deterioram, o baixo crescimento do país se soma a uma evolução disseminada da inflação, estabelecendo um quadro de “estagflação”, o que não se via na realidade brasileira há aproximadamente três décadas.

Se nenhuma medida concreta e responsável for tomada rapidamente, então, o país irá mergulhar em um abismo por anos e anos a fio. Tendo em vista de que essa não é uma recuperação rápida e fácil. Aos que pensam se encontrar em condições mais favoráveis de sobrevivência, esse cenário esclarece que isso não existe. Independentemente da velocidade dos acontecimentos, no fim das contas, todos serão consumidos pelos efeitos desastrosos desse processo. Posto que o risco de um travamento no desenvolvimento do país é iminente.

O povo brasileiro está diante do resultado de algo que muitos não querem enxergar, mas é verdade, “Na falsa democracia mundial, o cidadão está à deriva, sem oportunidade de intervir politicamente e mudar o mundo. Atualmente, somos seres impotentes diante de instituições democráticas das quais não conseguimos nem chegar perto” (José Saramago, Revista Época, 2005).

Mas, apesar dos pesares, se até aqui as tentativas de diálogo com as instituições falharam, é sinal de que é preciso se valer de outros recursos legais e democráticos disponíveis para surpreendê-las, persuadi-las. De tal forma que elas sejam compelidas a agir, ainda que à revelia de sua genuína vontade. Afinal de contas, como dizia Santo Agostinho, “A esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las”.