domingo, 3 de outubro de 2021

Economia Verde ou Economia Amarela? Eis a questão!


Economia Verde ou Economia Amarela? Eis a questão!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Na verdade, nem precisaríamos falar sobre o chamado “Dia do Fogo”, em 2019, quando fazendeiros da região próxima à BR-163 realizaram uma série de queimadas criminosas, cuja prática veio se repetindo nos anos seguintes ao ponto de fazer com que cinco dos seis biomas nacionais registrassem as piores perdas pelo fogo em 2021.

Ou do desmatamento, que só a Amazônia já perdeu entre 2020 e 2021 uma área equivalente a nove vezes o tamanho da cidade do Rio de Janeiro, segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). E de acordo com o “relatório do MapBiomas que engloba os seis biomas brasileiros aponta que 99% da devastação ocorrida em 2020 foi ilegal” 1.

Ou das solicitações do Ministro da Economia ao Ministério do Meio Ambiente para que fossem afrouxadas 14 regras a pedido do setor privado. Ou da liberação do registro de agrotóxicos no país, que significa que foram aprovados 1165 novos produtos entre 2019 e 2021 2. Enfim...

Porque o Brasil está anos luz de distância de compreender e de formalizar uma Economia Verde, o que segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), é definida como “uma economia que resulta em melhoria do bem-estar da humanidade e igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz os riscos ambientais e a escassez ecológica. As características preponderantes da economia verde são: baixo carbono, eficiência no uso de recursos aturais e inclusão social. No projeto de economia verde, propõe-se o consumo consciente, reciclagem, reutilização de bens, uso de energia limpa e valoração da diversidade”3.

Então, basta uma visita rápida aos veículos de informação e comunicação nacionais e estrangeiros, visto que vivemos em um mundo globalizado, para verificar in loco que estamos sim, na contramão do mundo. O problema do Brasil é “de imagem”, na medida de uma realidade bastante constrangedora que, no entanto, não vem encontrando resistência para se manter exatamente como está. Além disso, ela não se resume apenas as questões ambientais. Os desafios das desigualdades sociais se acirraram de uma maneira bastante contundente; de modo que os fatos falam por si. Nesse exato momento, o mundo enxerga o Brasil como ele é, a partir da perspectiva que ele próprio faz questão de apresentar.

Por isso, é inútil os esforços de construir narrativas de convencimento internacional. Em pleno século XXI, diante de situações extremas no mundo, os fóruns de discussão sobre Meio Ambiente e Sustentabilidade, como é o caso da COP-26 (26ª Conferência das partes sobre Mudanças Climáticas da ONU, em Glasgow, Escócia), não são palcos retóricos. Ninguém está ali para ouvir promessas vãs, porque os problemas já são reais e pedem soluções imediatas. Sem contar que os distanciamentos visíveis entre discurso e práticas acentuam, ainda mais, a perda de credibilidade, o que afasta as possibilidades de cooperações, de parcerias, de investimentos.

Cada nação tem responsabilidades e compromissos a serem efetivados, em nome do bem-comum, da sobrevivência global. Mas, o Brasil se colocou em uma “sinuca de bico”, porque ele não pretende abrir mão do seu projeto político de poder, em nome da preservação das suas relações diplomáticas no campo de um comércio exterior pautado por uma Economia cada vez mais verde. Isso significa que esse dilema tende a colocá-lo mais e mais a margem, no status de pária internacional, acentuando as complexidades e os abismos de suas mazelas crônicas e agudas.

Até aqui, o que se assiste é o afrouxamento das legislações, o desmantelamento dos órgãos de gestão, fiscalização e controle ambiental, a construção de políticas ambientais nocivas e degradantes. Ninguém fala em reflorestamento imediato das áreas desmatadas e queimadas, das matas ciliares, a fim de reverter o índice de esgotamento hídrico dos reservatórios superficiais e subterrâneos, para que não haja escassez de água para suprir as demandas da população.  

Ninguém fala em repensar a utilização de agrotóxicos, no sentido de preservar a presença de polinizadores – abelhas, moscas, vespas, borboletas – para manter a manutenção da população de plantas e a variabilidade genética entre elas, algo essencial para a biodiversidade. Afinal, “de 191 plantas cultivadas ou silvestres utilizadas direta ou indiretamente na produção de alimentos em solo brasileiro, 144 (75%) são visitadas por polinizadores”, o que significa que em termos de ganho, “apenas no Brasil, calcula-se que a polinização relacionada à produção agrícola tenha um valor anual de US$12 bilhões” 4.

Ninguém fala sobre consumo consciente e a política dos 5R’s – repensar, recusar, reduzir, reutilizar, reciclar -, sobre energias e práticas limpas, sobre combater efetivamente as desigualdades e, por consequência, seus preconceitos. E quando eu digo ninguém, esse “ninguém” inclui governos, parlamentares e judiciário, também. Inclui toda a sociedade, todo o povo brasileiro, de maneira subjetiva e objetiva. Porque inclui ideias, criatividade, discussões, projetos, leis, políticas, e inúmeras ações, cujas formas e conteúdos precisam atingir cada eixo do país, resultando em transformações positivas, em perspectivas melhores.

E se ninguém fala é porque ninguém escuta. Reflexos dessa contemporaneidade cheia de pressa, cheia de afazeres, cheia de si mesma, que não se dispõe a parar um segundo para absorver e digerir os discursos e as narrativas, transformando cada centímetro de chão do planeta em uma nova “Babel”. O que não significa que essa predisposição não tenha método, não tenha objetivo. Tem sim, garantir uma pseudoliberdade, um pseudodireito de decidir à revelia do coletivo, o que poderia fazer romper as teias desse individualismo narcísico e doente. Caso contrário, já teriam levado a sério as palavras de Mahatma Gandhi, de que “Cada dia a natureza produz o suficiente para nossa carência. Se cada um tomasse o que lhe fosse necessário, não havia pobreza no mundo e ninguém morreria de fome”.

Diante da conjuntura atual, então, pare e reflita; pois, “O progresso é impossível sem mudança. Aqueles que não conseguem mudar as suas mentes não conseguem mudar nada” (George Bernard Shaw – escritor irlandês). E mudar a mente significa se desapegar, se desvencilhar de velhas crenças e valores, se permitir ressignificar a vida a partir da consciência de que “Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou ...” (Heráclito de Éfeso – filósofo pré-socrático).