sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Sobre representatividade e outras questões relativas


Sobre representatividade e outras questões relativas

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

O campo político é só mais um, dentre inúmeros recortes possíveis de uma sociedade, na medida em que ele traz em si a ideia da representatividade. Mas a pergunta que eu me faço é se a representatividade é suficiente. Porque olhando para o contexto brasileiro, cada dia mais me convenço de que ela, por aqui, não passa de uma perpetuação de um padrão, de um modelo, de um status quo, que emerge de uma maneira que não permite aflorar e fluir uma condição verdadeiramente capaz de representar a diversidade, a pluralidade humana. Portanto, que representatividade é essa que se diz por aí? Será mesmo que todos os brasileiros têm nos seus representantes o lugar de fala de suas próprias vozes?

Não é à toa, que a torto e a direito essa representatividade acabe se tornando uma reafirmação limitada e opressora de valores, princípios, comportamentos, a tal ponto que seja entendida como uma diretriz a ser seguida por uma massa de pessoas.  De certo modo isso explica porque algumas pessoas se acham no direito de ultrapassar as fronteiras da civilidade, do respeito, da tolerância para coibir pela força das suas manifestações a consolidação de uma verdadeira representatividade, seja em que espaço social for.

Ao longo desses meses em que o Brasil esteve mais próximo do Senado Federal, acompanhando os trabalhos realizados pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a gestão da Pandemia no país, esse processo ficou bastante visibilizado por diferentes vieses de acontecimentos, tanto por conta dos parlamentares quanto dos depoentes. As marcas históricas presentes nos comportamentos sociais não resistem aos “atos falhos” do inconsciente e se deixam extravasar em discursos, narrativas e atitudes, demonstrando a insuficiência do arcabouço jurídico para conter e ressignificá-las.

Sim, porque ali, naquele ambiente, os presentes sabem muito bem discernir sobre o certo e o errado, o legal e o ilegal, o apropriado e o inapropriado, enfim. Mas, por força dos velhos hábitos se deixam levar nas situações e acabam extrapolando os limites, o decoro, e encenando momentos desnecessários de profundo constrangimento ao país. Foi assim, no fato de a CPI não ter entre os seus integrantes nenhuma senadora, o que gerou protestos da bancada feminina e uma “concessão” por parte do Presidente da Comissão para que elas pudessem arguir os depoentes. Foi assim, no caso de um depoente que chamou uma senadora de “descontrolada”, quando se viu acuado pela sua forma incisiva de arguição. Foi assim, no caso de homofobia expresso por um depoente contra um senador, ocorrido ontem. Na verdade, foi e tem sido assim, sempre.

Desde de criança ouço dizer “O que seria do amarelo se todos gostassem só do azul? ”. Hoje, eu compreendo que essas palavras simples falam de guerra e paz. Quando a sociedade se permite viver em constante restrição de representatividade, de diversidade, de pluralidade, ela abre um flanco imenso para desnaturalizar o que é tão natural, como se o mundo pudesse ser um conjunto de cópias xerográficas. Mas, como não é, isso gera conflito, gera intolerância, gera desrespeito, gera violência, ... gera guerra. Porque as pessoas desaprendem a conviver e coexistir com as diferenças, das mais simples as mais complexas. De modo que os padrões, os modelos, o status quo, determinam as dicotomias bom e ruim, bonito e feio, vencedor e perdedor, tolerável e intolerável etc.etc.etc., oportunizando, na verdade, a defesa de crimes como racismo, homofobia, misoginia, sexismo, xenofobia, etarismo, gordofobia, aporobofia.

Daí a importância de se refletir sobre a representatividade, sobre a diversidade, sobre os direitos humanos. Como disse a congressista norte-americana Alexandria Ocasio-Cortez, “Se você exige o fim dos distúrbios, mas não exige o fim das condições que criaram esses distúrbios, então você é um hipócrita”. Em pleno século XXI, essas questões não podem parecer existir dissociadas do cotidiano, porque não são. Quando as esferas do Poder nacional se abstêm de liderar esse movimento de questionar os padrões, os modelos, o status quo, eles prestam um desserviço descomunal para o país, porque o seu silêncio grita no inconsciente popular que há sim, uma dissonância entre a teoria e a prática. O que significa que, embora haja uma nova compreensão social e jurídica sobre representatividade, diversidade e direitos humanos, a prática demonstra-se resistente e apegada a uma zona de conforto, a qual nunca existiu.

Então, quando emergem conflitos dessa natureza nos espaços de Poder abre-se uma possibilidade de transformação que reverbera por toda a sociedade. Afinal, os exemplos, as influências costumam vir das camadas superiores, tendo em vista o seu lugar de fala já consolidado. E com as “bênçãos” delas, as poeiras do tempo são sacudidas, o terreno do cotidiano se reacomoda, as cortinas da vida são abertas...  Tudo começa a se reorganizar a partir de outros paradigmas e perspectivas. A evolução entra em movimento, de tal forma, que não há como frear ou interromper o seu fluxo. É claro que para as transformações serem efetivamente sentidas leva-se tempo; mas, isso também é importante, porque oportuniza uma assimilação das ideias, dos acontecimentos, das análises, das reflexões, muito mais consistente. Afinal, isso mexe com a identidade do país, de modo que ele precisa aprender a se reconhecer diante do espelho e aceitar Narciso como ele realmente é.