Sobre
representatividade e outras questões relativas
Por
Alessandra Leles Rocha
O campo político é só mais um, dentre
inúmeros recortes possíveis de uma sociedade, na medida em que ele traz em si a
ideia da representatividade. Mas a pergunta que eu me faço é se a
representatividade é suficiente. Porque olhando para o contexto brasileiro, cada
dia mais me convenço de que ela, por aqui, não passa de uma perpetuação de um
padrão, de um modelo, de um status quo,
que emerge de uma maneira que não permite aflorar e fluir uma condição
verdadeiramente capaz de representar a diversidade, a pluralidade humana.
Portanto, que representatividade é essa que se diz por aí? Será mesmo que todos
os brasileiros têm nos seus representantes o lugar de fala de suas próprias
vozes?
Não é à toa, que a torto e a
direito essa representatividade acabe se tornando uma reafirmação limitada e
opressora de valores, princípios, comportamentos, a tal ponto que seja
entendida como uma diretriz a ser seguida por uma massa de pessoas. De certo modo isso explica porque algumas
pessoas se acham no direito de ultrapassar as fronteiras da civilidade, do
respeito, da tolerância para coibir pela força das suas manifestações a consolidação
de uma verdadeira representatividade, seja em que espaço social for.
Ao longo desses meses em que o
Brasil esteve mais próximo do Senado Federal, acompanhando os trabalhos
realizados pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a gestão da
Pandemia no país, esse processo ficou bastante visibilizado por diferentes
vieses de acontecimentos, tanto por conta dos parlamentares quanto dos
depoentes. As marcas históricas presentes nos comportamentos sociais não
resistem aos “atos falhos” do
inconsciente e se deixam extravasar em discursos, narrativas e atitudes,
demonstrando a insuficiência do arcabouço jurídico para conter e
ressignificá-las.
Sim, porque ali, naquele
ambiente, os presentes sabem muito bem discernir sobre o certo e o errado, o
legal e o ilegal, o apropriado e o inapropriado, enfim. Mas, por força dos
velhos hábitos se deixam levar nas situações e acabam extrapolando os limites,
o decoro, e encenando momentos desnecessários de profundo constrangimento ao
país. Foi assim, no fato de a CPI não ter entre os seus integrantes nenhuma
senadora, o que gerou protestos da bancada feminina e uma “concessão” por parte do Presidente da Comissão para que elas
pudessem arguir os depoentes. Foi assim, no caso de um depoente que chamou uma
senadora de “descontrolada”, quando
se viu acuado pela sua forma incisiva de arguição. Foi assim, no caso de
homofobia expresso por um depoente contra um senador, ocorrido ontem. Na
verdade, foi e tem sido assim, sempre.
Desde de criança ouço dizer “O que seria do amarelo se todos gostassem
só do azul? ”. Hoje, eu compreendo que essas palavras simples falam de
guerra e paz. Quando a sociedade se permite viver em constante restrição de representatividade,
de diversidade, de pluralidade, ela abre um flanco imenso para desnaturalizar o
que é tão natural, como se o mundo pudesse ser um conjunto de cópias xerográficas.
Mas, como não é, isso gera conflito, gera intolerância, gera desrespeito, gera violência,
... gera guerra. Porque as pessoas desaprendem a conviver e coexistir com as
diferenças, das mais simples as mais complexas. De modo que os padrões, os
modelos, o status quo, determinam as
dicotomias bom e ruim, bonito e feio, vencedor e perdedor, tolerável e intolerável
etc.etc.etc., oportunizando, na verdade, a defesa de crimes como racismo, homofobia, misoginia, sexismo,
xenofobia, etarismo, gordofobia, aporobofia.
Daí a importância de se refletir
sobre a representatividade, sobre a diversidade, sobre os direitos humanos. Como
disse a congressista norte-americana Alexandria Ocasio-Cortez, “Se você exige o fim dos distúrbios, mas não exige o fim das condições que criaram esses
distúrbios, então você é um hipócrita”. Em pleno século XXI, essas questões
não podem parecer existir dissociadas do cotidiano, porque não são. Quando as
esferas do Poder nacional se abstêm de liderar esse movimento de questionar os
padrões, os modelos, o status quo,
eles prestam um desserviço descomunal para o país, porque o seu silêncio grita
no inconsciente popular que há sim, uma dissonância entre a teoria e a prática.
O que significa que, embora haja uma nova compreensão social e jurídica sobre representatividade,
diversidade e direitos humanos, a prática demonstra-se resistente e apegada a
uma zona de conforto, a qual nunca existiu.
Então, quando emergem conflitos dessa natureza nos espaços de Poder abre-se uma possibilidade de transformação que reverbera por toda a sociedade. Afinal, os exemplos, as influências costumam vir das camadas superiores, tendo em vista o seu lugar de fala já consolidado. E com as “bênçãos” delas, as poeiras do tempo são sacudidas, o terreno do cotidiano se reacomoda, as cortinas da vida são abertas... Tudo começa a se reorganizar a partir de outros paradigmas e perspectivas. A evolução entra em movimento, de tal forma, que não há como frear ou interromper o seu fluxo. É claro que para as transformações serem efetivamente sentidas leva-se tempo; mas, isso também é importante, porque oportuniza uma assimilação das ideias, dos acontecimentos, das análises, das reflexões, muito mais consistente. Afinal, isso mexe com a identidade do país, de modo que ele precisa aprender a se reconhecer diante do espelho e aceitar Narciso como ele realmente é.