Apesar
da apologia ao atraso ignorante; no fim das contas, tudo é Ciência!
Por
Alessandra Leles Rocha
Se o individualista se desse
conta de que o seu individualismo traz mais prejuízos a si mesmo do que à
própria coletividade, talvez, mudasse de opinião. O corte de 92% dos recursos
para a Ciência brasileira são um bom pontapé inicial para essa reflexão. Esse
estrabismo mental, pelo qual vem padecendo o país, particularmente nos últimos
três anos, não me parece mera política econômica restritiva; mas, um modo
disfarçado de apologia ao atraso ignorante, o qual é sempre revestido por uma
pontinha de “dor de cotovelo” pelo
sucesso do outro.
Por isso, para refletir sobre o
assunto, eu convido a todos a tecer algumas considerações a respeito. A
primeira e mais óbvia delas é o fato de que muitas pessoas não dão o devido
valor à construção do conhecimento científico e tecnológico por pura
dissociação entre a teoria e a prática. Daí a importância de olhar para o mundo
no entendimento do quão necessária é a existência de pessoas assim, trabalhando
com afinco para o progresso e o desenvolvimento do mundo nas mais diversas
áreas da vida humana.
Sim, porque a vida; sobretudo, no
mundo contemporâneo, é cada vez mais dependente da Ciência. Do abrir os olhos
pela manhã ao fechá-los no fim da noite, todos os segundos estão mergulhados em
ciência aplicada. No remédio que você faz uso contínuo. Na engenharia do carro
que você dirige. Nas sementes que produziram os alimentos que você consome. Nos
cuidados com as carnes do seu churrasco de fim de semana. No tratamento da água
e efluentes no município onde você mora. Nos aparelhos eletroeletrônicos que
você tem em casa. Nas roupas, sapatos e acessórios que você escolhe para
vestir. Nos produtos de higiene e beleza que você não dispensa para reforçar a
boa aparência. No tratamento dentário ao qual você se submete. Nos exames de
alta tecnologia que seu check up
anual demanda. Enfim...
Além disso, é fundamental reconhecer
que nem todo mundo nasceu com talento para ser cientista, para devotar seus
dias de vida as pesquisas, para enfrentar os desafios de conviver na
corda-bamba entre o êxito ou o fracasso na comprovação de suas teorias e
hipóteses, para fazer malabarismos orçamentários para colocar as ideias em
ação. De modo que cabe a esse restante de gente, então, o senso coletivo e
cidadão de apoiar, torcer, investir, desfrutar dos resultados e da compreensão
do que isso significa objetiva e subjetivamente para o país.
Segundo, porque lá se vão mais de
500 anos de uma história que subjuga o Brasil a ser comprador de Ciência e
Tecnologia ao contrário de assumir seu protagonismo e autonomia em criá-la e
produzi-la. De ser eterno exportador de matéria-prima (commodities) e importador de manufaturados. Porque isso significa
em primeiro plano fortalecer o desenvolvimento e o progresso dos outros ao
invés do nosso. Por consequência, ao agirmos assim estamos considerando que a
importação é melhor do que a exportação. Ora, como assim?! Desde quando
adquirir bens ou serviços originários ou procedentes de outros países, é mais
vantajoso para a balança comercial brasileira do que vendê-los, hein?! Desde
quando abrir mão dos próprios royalties é
vantagem para alguém?!
Na busca por traçar uma nova
realidade para essa situação é que as universidades federais brasileiras se
alicerçam no princípio da indissociabilidade entre Ensino, Pesquisa e Extensão
(Art. 207, da Constituição Federal de 1988), ou seja, para produzirem “cérebros” que atuarão na produção da Ciência
e da Tecnologia nacionais. Tornando, dessa forma, o país mais competitivo e
menos dependente do cenário internacional, o que promove redução de custos em
vários setores da economia. A título de exemplificação, segundo informações da Agencia Iberoamericana para la difusión de
la Ciencia y la Tecnologia (DICYT), “[...]a
avaliação de custo benefício do investimento Fapesp no Pipe1
mostrou um retorno de cerca de 6 reais para cada real investido [...]” 2.
Mas, contrariando esse
entendimento, a atual gestão federal tem trabalhado com afinco na
obstaculização do ensino, da pesquisa e da extensão, a partir de cortes cada
vez maiores e limitantes para a sobrevivência desse tripé de educação. De modo
que, a chamada “fuga de cérebros” tem
impactado diretamente na economia brasileira, ao ponto de que no ranking dos
países que mantêm profissionais qualificados, o Brasil caiu 25 posições entre
2019 e 2020, o que significa sair da posição 45 para 70. Portanto, isso é péssimo
porque, segundo Felipe Monteiro, professor do Instituto Europeu de
Administração, “Os países mais
desenvolvidos são os mais competitivos em talento. Você tem os melhores
talentos, você se desenvolve mais, você atrai melhores talentos. E você entra
num círculo virtuoso entre talento, competitividade e crescimento econômico” 3.
Então, a total precarização do
Ensino, da Pesquisa e da Extensão, no Brasil, induz os acadêmicos brasileiros a
investir cada dia mais na emigração intelectual. Quem ganha com isso? De saída,
a balança comercial dos países que os recebem, tendo em vista os royalties das pesquisas desenvolvidas
por esses acadêmicos para a iniciativa privada estrangeira, ou seja, eles
estarão contribuindo para a geração de diferentes bens e serviços a serem
comercializados dentro e fora desses locais. Depois, a população local porque
consegue preços mais satisfatórios para a aquisição de produtos de seu
interesse e demanda; visto que, os mesmos foram produzidos em seu território
nacional.
Isso significa que o Brasil não
está desprezando somente a Ciência e a Tecnologia. Está desprezando os seus
próprios cidadãos, tanto na sua humanidade existencial quanto em toda a sua potencialidade
intelectual e cognitiva. Está desprezando caminhos para sua recuperação
econômica, especialmente, depois dos impactos de uma Pandemia sem precedentes.
Está desprezando a possibilidade de consolidação de espaços nos cenários
tecnocientíficos internacionais. Está desprezando ...
Como se pudesse. Como se tivesse
realmente esse direito. Mas, a gestão atual não quer se nivelar por cima. Quer
se nivelar por baixo. Por isso não pode mostrar a competência dos outros, o know-how dos outros, a expertise dos outros, para não se
sentirem diminuídos, inferiorizados. Pena que isso é inútil, porque estejam
onde estiverem os verdadeiros “cérebros”
brasileiros, lá estará a melhor parte, a mais bem-sucedida, a de maior relevância
e destaque, do Brasil, fazendo história, fazendo Ciência, sendo reconhecida e
reverenciada pelo o que realmente importa.
1 Trata-se
de um Programa da Fapesp que aporta recursos para pesquisadores em pequenas
empresas visando finalização de desenvolvimentos tecnológicos direcionados à
inovação.