Eu,
Você, Ele, ... Um país enlutado.
Por
Alessandra Leles Rocha
Negacionismo nenhum na
contemporaneidade será capaz de refutar as marcas deixadas pela experiência nefasta
da COVID-19. Mais de 700 mil mortes nos EUA. Mais de 600 mil mortes no Brasil.
E o mundo, ainda, assiste estarrecido a esse processo de destruição em massa.
Não, não foi só um vírus desconhecido
que arrasou o mundo de repente, do ponto de vista da sobrevivência biológica. Foi
tudo o que aconteceu e transitou pelos limites das relações humanas e sociais,
capaz de superdimensionar o sentimento de luto que se conhecia, até então.
Por sorte, no Brasil, a
instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o assunto
possibilitou a construção de um registro histórico incontestável sobre os
acontecimentos. Camada por camada a Pandemia foi dissecada, através de inúmeros
documentos e depoimentos de pessoas ligadas direta e/ou indiretamente aos
fatos, no contexto de um trabalho investigativo ao mesmo tempo que informativo
para a sociedade brasileira.
Se por algum momento se pensou
que a vulnerabilidade humana se restringia somente as investidas de um diminuto
e desconhecido agente viral, a realidade mostrou que não. A Pandemia revelou um
flanco aberto para os oportunismos e todo tipo de comportamentos antiéticos e
imorais.
Como falado na fatídica reunião
de 22 de abril de 2020, foram muitas “as
boiadas”, que vêm sendo passadas à revelia dos interesses republicanos e
trazendo uma infinidade de prejuízos sociais, ambientais, econômicos e
diplomáticos ao país.
É óbvio que em situações
calamitosas urge ao cidadão destacar as suas prioridades de atenção, de modo
que muitos acontecimentos acabam sim, passando à margem. No entanto, apesar
disso suas consequências e desdobramentos não passam imperceptíveis ao
cotidiano.
Queimadas. Desmatamentos. Aumento
da temperatura ambiental. Crise hídrica. Crise energética. Elevação contínua no
preço dos combustíveis e gás de cozinha. Inflação generalizada. Estagnação do
crescimento econômico. Desemprego. Miséria. Pobreza. Enfim...
Muitos desafios que têm se somado
aos próprios da Pandemia, como insuficiência de vacinas, desorganização no
programa de imunização, Fake News
antivacinas, apologia a tratamentos ineficazes contra o Sars-Cov-2, resistência
as medidas sanitárias profiláticas – uso de máscara, evitar aglomerações, higienização
das mãos com álcool em gel ou água e sabão, ... De modo que são muitas as
frentes de combate de uma guerra que, na verdade, não se resume a esse recorte
temporal exclusivamente.
Sem que nos déssemos conta
começamos a enxergar o mundo com lentes de aumento. Tudo ficou claro,
perceptível, visível. Finalmente, era chegada a hora da “faxina geral”, de revirar os arquivos do tempo e dar trato a cada
fio de meada que andava perdido e confuso em nossa mente. A velha mania de
postergar, de deixar para amanhã, mais dia menos dia cobra o seu preço,
começando sempre pela obrigação de enfrentar a vida como ela é.
A história do Brasil é sim, um confuso
“balaio de gatos”; mas, isso não é
pretexto para nos desobrigar a uma compreensão do passo a passo de como tudo
acontece em solo tupiniquim. Sobretudo, considerando que nesse país, a política
não só se tornou profissão, como, também, dinastia que passa de geração em
geração. Portanto, não é tão difícil, assim, perceber as conexões, os jogos de
interesse, as ligações entre uns e outros, as trocas de favores, os
apadrinhamentos e por aí vai.
Assim, cada camada desvendada
nesse processo nos trouxe luto. Luto em forma de espanto. Luto em forma de
vergonha. Luto em forma de desalento. Luto em forma de indignação. Luto... No fundo,
cada um sabe muito bem que há sempre algo a mais por vir. Algo que pode ser
ainda pior, mais degradante, mais constrangedor, mais absurdo, mais abjeto,
mais...
Assim como o vírus tem ampla
capacidade de mutação, a susceptibilidade aos desvios de caráter e conduta
também faz parte do perfil de alguns brasileiros. Quem nunca ouviu falar sobre
a máxima do “jeitinho”?! De modo que tem sempre alguém tentando levar vantagem
sobre os outros, mesmo que isso custe um preço alto demais.
Talvez, por isso, muitos insistam
em focar na Pandemia, para não admitir que as cifras da morte extrapolam, e
muito, as fronteiras dessas centenas de milhares já computadas. Para não ter
que lidar com todas as faces do luto que teimam em nos atingir direta e
indiretamente, objetiva e subjetivamente. Razão pela qual, tantos acreditam na
ideia de que nada nos atinge porque “o
brasileiro é feliz”, “vive sorrindo”,
“está sempre de bem com a vida”, ... Só
que as aparências enganam.
Desde 2012, a Assembleia Geral
das Nações Unidas instituiu o Dia Internacional da Felicidade (20 de março), no
sentido de propor aos países componentes ações que reflitam diretamente nos
pontos-chaves de seu desenvolvimento, ou seja, que correspondam na melhoria ou
na piora da qualidade de vida, na segurança, na educação e na taxa de emprego
dos seus cidadãos. Trata-se da possibilidade de construir uma percepção clara
sobre a importância da felicidade na vida do ser humano, em cada local do
planeta.
Neste ano, segundo o relatório
Felicidade Mundial de 2021, patrocinado pela Organização das Nações Unidas
(ONU) e realizado pelo Gallup World Poll, foram 142 países questionados sobre
seis fatores – Produto Interno Bruto (PIB), expectativa de vida, suporte
social, liberdade de expressão, generosidade e percepção da corrupção. E o
Brasil ocupou o 41º lugar na lista, ficando bem distante dos 10 primeiros - Finlândia
(1º), Islândia (2º), Dinamarca (3º), Suíça (4º), Países Baixos (5º), Suécia
(6º), Alemanha (7º), Noruega (8º), Nova Zelândia (9º) e Áustria (10º). Pois é,
o tal “sorriso no rosto” não é mesmo
o fiel da balança, quando o assunto é felicidade!
Esse resultado, me traz a
impressão de que fomos sim, arados pela realidade no mais profundo que se possa
imaginar, a tal ponto que o luto emergiu de nossas entranhas sem que pudéssemos
conter a sua expressão. Tudo ruiu em um de repente avassalador, sem redes de
proteção, sem onde se apoiar. Como um terremoto ou um tsunami, ou um furacão.
Muitos de nós foram alçados à
condição de refugiados de suas próprias histórias, verdadeiros seres errantes
em busca de um recomeço para uma nova identidade existencial. De modo que o arrastar
de suas almas parece pesado demais, pela certeza de que “Os mortos são uns invisíveis, e não uns ausentes” (Victor Hugo –
escritor francês). Então, as emoções pulsam no mesmo ritmo do coração.
Diante dessa conjuntura, que
parece carecer de tanto afeto, de tanta empatia, de tanto respeito, ao menos se
deveria buscar um entendimento próprio e silencioso sobre o significado desse estado
de luto.
Apesar dele nos colocar reunidos
debaixo do mesmo manto, a dor e o sofrimento tem sua forma e seu conteúdo em um
grau de especificidade muito particular. Porque ninguém é mais ou é menos, o
que relativiza tudo, inclusive, o tempo de assimilação, de ressignificação, de
aceitação, de reconstrução diante das tragédias da vida.
No fim, apesar de todos os
pesares, de todas as perdas, é como disse Fernando Sabino, “Andei. Por caminhos difíceis, eu sei. Mas olhando o chão sob meus pés,
vejo a vida correr. E, assim, cada passo que der, tentarei fazer o melhor que
puder. Aprendi. Não tanto quanto quis, mas vi que, conhecendo o universo ao meu
redor, aprendo a me conhecer melhor, e assim escutarei o tempo, que ensinará a
tomar a decisão certa em cada momento. E partirei, em busca de muitos ideais. Mas
sei que hoje se encontram meu passado, futuro e presente. Hoje sinto em mim a
emoção da despedida. Hoje é um ponto de chegada e, ao mesmo tempo, ponto de
partida. Se em horas de encontros pode haver tantos desencontros, que a hora da
separação seja, tão-somente, a hora de um verdadeiro, profundo e coletivo
encontro. De tudo ficarão três coisas: a certeza de estar sempre começando, a
certeza de que é preciso continuar e a certeza de ser interrompido antes de
terminar. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sonho uma
ponte, da procura um encontro” (Trecho do livro “O Encontro Marcado”).