20
anos depois...
Por
Alessandra Leles Rocha
Quando a 2ª Guerra
Mundial acabou, a humanidade foi levada a crer que aquele era o fim para a
perversidade humana. Só que não. A dor, a perplexidade, a indignação, ... são
sentimentos insuficientemente capazes de resistir a maldade de interesses
mundanos. Então, colocadas as casas em ordem se viu emergir a Guerra Fria, as
ameaças de ataques por ogivas nucleares, as novas faces do imperialismo, de
modo que a belicosidade se tornou uma sombra constante sobre o planeta,
tensionando subjetiva e objetivamente as linhas de poder.
Havia sempre uma ameaça,
um atentado, um massacre, sendo arquitetado ou executado em algum lugar. De
modo que a paz não conseguia ser mais do que uma aspiração. Gerações e gerações
pelo mundo cresceram experimentando esse processo de adaptação imposto pela
violência exacerbada, o qual revelou uma incapacidade dialógica às esferas de
poder, no sentido de construir uma diplomacia menos arraigada e mais flexível.
As palavras se refugiaram atrás de grandes arsenais de guerra a fim de
demonstrar toda a sua supremacia devastadora. Algo que fragilizava sobremaneira
as eventuais tratativas de acordo e armistício entre opositores.
Eis, então, que numa
manhã de sol em Manhattan, Nova Iorque, as Torres Gêmeas do World Trade Center foram atacadas por 2
aviões que se chocaram propositalmente contra elas. Era 11 de Setembro de 2001 e a organização fundamentalista islâmica al-Qaeda, sob a ação de 19 terroristas,
sequestrou quatro aviões de passageiros para executar o maior de todos os atentados
da história. Os outros dois aviões colidiram respectivamente contra a sede do
Departamento de Defesa dos Estados Unidos (Pentágono), no Condado de Arlington,
estado da Virgínia, e em um campo aberto próximo de Shanksville, no estado da
Pensilvânia, sem que houvesse sobreviventes em ambos.
Num sopro de fúria, o
mundo viu morrer 2996 pessoas de uma única vez; e mais de 6,2 mil feridos foram
computados nessa tragédia. A imprevisibilidade varreu as estratégias de guerra
conhecidas, até aquele momento. Não houve negociação. Não houve possibilidade
de se proteger. Não houve absolutamente nada que pudesse resguardar milhares de
vidas civis daquele conflito odioso. Aliás, o plano foi estruturado
meticulosamente para esse fim, porque não parecia ser o desejo desse grupo
terrorista um confronto direto com o exército norte-americano, em razão da
superioridade bélica existente.
Naquele 11 de
Setembro, então, o mundo voltou à estaca zero do terror. Pelo menos, no que diz
respeito ao mundo ocidental, todos se sentiram atacados e ameaçados. Poderia
ser apenas esse episódio, como poderiam estar planejados muitos outros. O
inesperado era tão grandioso e brutal que retirava a possibilidade de
identificar imediatamente o potencial de fogo do inimigo, em toda a sua abrangência
logística. Seriam necessários meses para isso, o que contribuía para arrastar
pelo tempo os sofrimentos físicos e morais, até que alguma ação responsiva
pudesse ressignificar, de algum modo, os acontecimentos.
Entretanto, lá se
foram 20 anos, milhões de coisas boas e ruins aconteceram pelo mundo, mas
ninguém que presenciou, direta ou indiretamente, o 11 de Setembro de 2001 consegue se desfazer das lembranças. À
revelia da sua vontade, essas pessoas se tornaram sobreviventes dessa guerra,
marcadas pelo horror humano que viram in
loco ou não, o qual lhes revelou a dimensão da fragilidade, da impotência,
do desespero e da aflição. Tudo de uma só vez. Foi como se o mundo tivesse sido
usurpado dos vestígios de inocência que tentava guardar na alma.
No
fim das contas, o Ocidente não foi mais o mesmo; mas, o Oriente também não. A
geografia do mundo se desalinhou de tal maneira que as perspectivas e as
expectativas se transformaram em sucessivos golpes de especulação. Uma
desconfiança reinante repleta de ruídos diplomáticos por todos os lados foi
configurada. Emergiu uma instabilidade tão intensa que se tornaram ainda mais
incisivos os jogos de poder. Tudo porque a humanidade descobriu que havia um
jeito novo de fazer guerra, de matar e morrer, de excluir a obviedade, de
surpreender os serviços de inteligência.
E o que ganhou o planeta com tudo isso? Nada. A Terra continuou do mesmo tamanho, a girar na imensidão azul do céu, no silêncio da sua galáxia. De perto as desigualdades sociais persistem; assim como, as ambições, os delírios, as compulsões, os instintos. A vida sempre no limite da combustão, prestes a explodir suas fagulhas, suas farpas. Com todas as suas legiões e legiões de pessoas consumidas pelo abatimento das tensões cotidianas, dos sobressaltos causados pelas infinitas faces do medo, das incertezas que as espreitam esperando o momento mais oportuno para agir. No fundo, reflexos de nossa própria humanidade, de nossas deformidades existenciais, muitas vezes ocultas, que nos levam a transgredir as linhas, a cometer toda sorte de pecados inconfessáveis, em nome de algo, de uma recompensa, que nunca sequer existiu.