sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Uma tempestade perfeita


Uma tempestade perfeita

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Uma tempestade perfeita. Isso é o que pode definir o Brasil nesse momento. O radicalismo na propositura de um “plano de governo” desconstruiu a base de sustentação do país, ou seja, a Economia. A fixação em dizer que todos os elementos de governança estavam incorretos, que tudo havia sido contaminado por uma ideologia de “esquerda”, interrompeu o fluxo natural de trabalho, sem conseguir apresentar uma contrapartida sequer, que fosse eficaz e satisfatória. Foi o corte pelo corte, sem critério, sem método, sem objetivo justificável. E isso, bem antes de surgir no horizonte uma grande Pandemia.

Quase 3 anos de governo e, até agora, nada de governar. Sim, porque governar significa agir em prol do desenvolvimento e da resolução de questões prioritárias para o país. Quando chamavam o Ministério da Economia de “Superministério”, tinha-se a percepção de que o governo entendia a importância da área. Afinal de contas, a administração pública depende de recursos e estes precisam ser, adequadamente, bem geridos. Mas, para surpresa geral, foi só mais uma expressão de efeito, um aceno à vaidade.

O tal Ministério não estava tão consciente, assim, da complexidade existencial brasileira e decidiu trilhar caminhos distintos em relação aos demais assuntos da gestão pública. Erro crasso que, agora, ameaça a paralisia geral do país. Ao dissociar Meio Ambiente e Sustentabilidade da Economia, por exemplo, meteram os pés pelas mãos.

Segundo o site da Folha de São Paulo, ontem, “sem chuvas, Brasil pode ter estagnação econômica e inflação”, ou seja, “crise de energia pode derrubar o PIB e aumentar a inflação no ano que vem” 1. O que significa não se tratar de uma infeliz coincidência; mas, a resposta em relação ao fato de que as “queimadas atingiram quase 20% do território brasileiro nos últimos 36 anos”, sendo que a “Amazônia e cerrado tiveram mais incêndios” 2. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), “agosto já registra maior número de queimadas no Amazonas em 2021” 3.

E como divulgado recentemente pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), a “influência humana é responsável por alta de 1,07°C na temperatura global [...]” e a “alta de 1,5°C a 2°C será vista neste século se não houver profunda redução nas emissões de gases de efeito estufa” 4.

Portanto, a humanidade está diante de alterações extremas na realidade climática do planeta, tais como, secas e desertificação, enchentes, furacões, degelo das calotas polares. De modo que esse processo não afeta somente a macro e microbiologia do planeta; mas, as relações sociais, porque interfere, principalmente, no modo de organização e desenvolvimento da sociedade urbanoindustrial.

Trata-se de uma rede integrada de demandas individuais e coletivas, cujos pilares de sustentação dependem do equilíbrio ambiental. Se há escassez de chuvas, por exemplo, secam os reservatórios, a produção de energia elétrica fica limitada e o risco de apagões se torna iminente.

Agora, quando se muda o assunto para a pauta da Pandemia, o Ministério da Economia, também, demonstra sua clara incapacidade resolutiva. De acordo com as análises do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), apesar de o país ter injetado R$524 bilhões do “orçamento de guerra” no combate à Pandemia, em 2020, ele não conseguiu controlar a crise sanitária.

Além disso, ainda, insiste em acreditar que irá superar tudo sem despender outros pacotes de estímulo fiscal capazes de favorecer a recuperação econômica e o alcance de objetivos estratégicos em médio e em longo prazo. Acontece que uma das consequências, já apontadas pelo Banco Mundial, em relação a toda essa conjuntura, “prevê nove anos de efeito negativo da Pandemia sobre emprego e salário no Brasil” 5.

Uma pena que diante deste cenário, o governo insista em ocupar os espaços vazios, as lacunas dessa caótica governança, formulando atritos e ruídos antiproducentes. Barulhos em demasia para fomentar a polarização político-ideológica, enquanto entretém o cidadão e desvia o seu foco sobre o que realmente importa.

Basta uma análise superficial das notícias do dia, ou da semana, para perceber que o cotidiano transcorre por essa via paralela, que beira um amadorismo e incompetência surreal. Nada parece sustentável, firme, seguro o suficiente para garantir um certo equilíbrio social pacificador.

Assim, nesse roteiro estabelecido pelo Brasil, a vida vai sendo embrulhada à revelia dos fatos e das necessidades, lançando para baixo dos tapetes as inconveniências e as impopularidades, como se fosse possível se desfazer de todas elas. Enquanto, os limites tendem a se tornar demasiadamente flexíveis, moldáveis aos interesses de uns e outros, a tempestade brasileira ganha forma e conteúdo cada vez mais preocupantes. Afinal, “a nossa atmosfera estava carregada de tempestade, a nossa própria natureza nublava-se, pois não tínhamos encontrado caminho algum...” (Friedrich Nietzsche – filósofo alemão).