O
que é verdade no mundo contemporâneo?!
Por
Alessandra Leles Rocha
Foi preciso que as
conjunturas beirassem o extremismo radical, para que um sinal de alerta soasse,
em relação às FakeNews. De repente, as pessoas começaram a entender que não
se tratavam de “simples” mentiras;
mas, de um enviesamento da ética, da moral, da civilidade, que compromete pela
perversidade e crueldade, as relações humanas e sociais. Assim, busquei traçar
um fio condutor para compreender melhor a respeito.
O recorte temporal contemporâneo
mostrou-se altamente permissivo, o que explica as pessoas ansiarem muito mais
pela liberdade do que pela segurança. Pensam que podem tudo e não se
responsabilizam por absolutamente nada, porque depositam a chave dos seus
direitos existenciais nas suas escolhas, as quais são impulsionadas por meros desejos
e vontades. Portanto, sua visão de mundo, de coletividade, foi reduzida às
perspectivas do seu próprio individualismo.
No entanto, tendo em
vista que a contemporaneidade se exibe rotulada pela pressa, pela efervescência
dos acontecimentos, pelo volume de afazeres e obrigações, o individualista utiliza
disso para justificar a superficialidade no trato das suas ações e
comportamentos. Vivendo sob um regime de metas e objetivos implacáveis a serem
alcançados. Tudo precisa ser ágil, rápido, para que possa ser cumprido.
Dentro desse
contexto, a comunicação e as linguagens foram remodeladas para se ajustarem a
esse movimento. São bilhões de informações por minuto percorrendo as vias tecnológicas
de última geração, para promover uma atualização, quase que, em tempo real. Acontece
que, por mais integrado que o ser humano esteja a tudo isso há uma
impossibilidade natural de absorção das notícias e a decodificação delas para a
consolidação do conhecimento. Passam, então, a existir cada vez mais lacunas que
comprometem a percepção e a compreensão da realidade. Algo que é acrescido,
também, pelo fato da insuficiência e ineficiência do letramento humano.
Durante muito tempo
foi cultuada uma crença de que a alfabetização era suficiente para dotar o indivíduo
de uma apropriação comunicativa satisfatória. Mas, há algumas décadas, já se
sabe que não. Alfabetizar é um processo no qual se aprende a conhecer e
organizar os sinais, códigos e símbolos existentes na linguagem escrita verbal
e não-verbal, com o propósito de ler e escrever corretamente. Já o letramento
se refere a um processo pedagógico de aquisição e domínio da leitura, escrita e
interpretação textual, a partir dos diferentes contextos sociais. Sendo assim, está
se proliferando um contingente imenso de pessoas comunicativamente vulneráveis.
De acordo com um estudo
publicado no Research and Politics 1, em
2019, “usuários de redes sociais que leem
apenas os títulos das matérias pequenas obtêm apenas pequenas doses de
informação, mas têm confiança em excesso. [...] a maioria das pessoas não
consome os conteúdos na íntegra – o usuário de Facebook mediano clica em apenas
7% das matérias sobre política que aparecem em seu feed – e, mesmo, com o baixo
nível de aprofundamento, muitos deles acreditam ter mais conhecimento do que
realmente possuem; principalmente aqueles com sentimentos e opiniões mais
fortes” 2.
O que demonstra uma
porta aberta para a disseminação e incorporação das FakeNews. Conforme
explica a neurocientista cognitiva Maryanne Wolf, da Universidade da Califórnia
(UCLA), em Los Angeles, “[...] o fato de
lermos cada vez mais em telas, em vez de papel, e a prática cada vez mais comum
de apenas ‘passar os olhos’ superficialmente em múltiplos textos e postagens
online podem estar dilapidando nossa capacidade de entender argumentos
complexos, de fazer uma análise crítica do que lemos e até mesmo de criar
empatia por pontos de vista diferentes do nosso”. Querendo ou não, “tudo isso tem o poder de impactar desde a
nossa performance individual no mercado de trabalho até nossa tomada de
decisões políticas e a vida em sociedade” 3.
Portanto, lidar com as
FakeNews,
evitando graves prejuízos, passa diretamente pela compreensão de que a
sociedade contemporânea está exposta a novas formas de produção e circulação de
informação e de conhecimento. Isso significa a necessidade de desenvolver
outras habilidades de leitura, interpretação e comunicação; além daquelas tradicionais,
para que se efetivem construções de sentido mais apuradas.
Sem esse discernimento,
o raciocínio “globalizante” poderá, sempre,
conduzir à crença de que qualquer informação, desconsiderando fonte, forma e conteúdo,
é o suficiente para mantê-lo integrado à sua “bolha” social. Aí, antes que perceba, você terá sido lançado em
queda-livre, sem redes de proteção, aos braços da Pós-Verdade, esse
mecanismo peculiar, de criar e modelar a opinião pública, no qual apequena e
distorce os fatos pela utilização demasiada de artifícios simbólicos apelativos.