A
absoluta relatividade das deficiências humanas
Por
Alessandra Leles Rocha
A recente fala do Ministro da Educação
sobre alunos deficientes causou enorme espanto e repercussão negativa entre a
população. Mas, por que o espanto? Ele é só mais um representante da
extrema-direita nacional, conservador e cheio de preconceitos, presente no
governo e que, por isso, encontra eco em uma parcela significativa da sociedade
brasileira.
Acontece que, nos últimos anos,
principalmente nos últimos 3, essas pessoas que andavam mascarando e contendo
suas deselegâncias perniciosas encontraram respaldo e legitimidade para
regurgitar seus absurdos sem o menor constrangimento. Fique, então,
apresentado: essa é a face rançosa do país. Aquela impregnada pela identidade
colonial, a qual insiste, terminantemente, em não se despregar.
Por isso, pouco importa que ele
seja Ministro da Educação ou de qualquer outra pasta, porque os riscos de uma
verborragia, como essa, seriam os mesmos. Nessa situação, o cargo em si não é
capaz de promover mudanças interiores tão profundas, porque o mal está muito
além da forma e do conteúdo, está arraigado na essência humana, em todos os
seus valores e princípios, em cada sinapse nervosa que corre pelo corpo. Não se
esqueçam de que o próprio é, também, um representante religioso da fé cristã e,
mesmo assim, consegue não despender empatia, respeito e fraternidade, como se
espera.
Mas, apesar de todos os pesares,
embora essas pessoas estejam se considerando na “crista da onda”, o mundo ao longo de décadas vem trabalhando
arduamente no sentido de desconstruir esse tipo de visão tacanha e
preconceituosa, em relação aos deficientes. Afinal, a deficiência é uma questão
absolutamente relativa.
Primeiro, porque pessoas podem
nascer deficientes; mas, também, podem se tornar deficientes, por alguma razão,
ao longo da vida. Não se trata, então, da incapacidade de um casal ter ou não
filhos deficientes. Muitos, inclusive, foram e, ainda, são rejeitados, ou
invisibilizados, por suas famílias em razão desse tipo de pensamento. Porque seus
pais, especialmente aqueles mais conservadores, tendem a se sentir
inferiorizados no seu orgulho, na sua vaidade.
Segundo, porque a deficiência não
é um fator limitante para a aquisição e desenvolvimento de habilidades e competências.
O conhecimento pode ser construído por diferentes caminhos, a partir das
demandas individuais de cada um. Mesmo quem não apresenta deficiência física ou
mental constrói seus conhecimentos de maneira muito singular. Ninguém aprende
da mesma forma, na mesma quantidade, ... nessa vida, a verdade é que ninguém chegará
ao fim sabendo tudo. Cada um adquire o seu próprio quinhão.
Por fim, estamos no século XXI. Até
aqui, a parceria entre Educação, Ciência e Tecnologia trouxe avanços
importantes no campo das deficiências. A Ciência sabe muito mais sobre as
causas e eventuais consequências dos diferentes tipos. O mercado já oferece
insumos e equipamentos que garantem melhor qualidade de vida aos portadores. E
a Educação tem construído estratégias e modelos de ensino, os quais
possibilitam um movimento de inclusão muito mais fundamentado e garantidor de autonomia
e autoralidade para os deficientes.
Parafraseando Caetano Veloso, “gente é pra brilhar, gente é pra ser
feliz” 1. Cada vez mais, a deficiência, no século XXI,
se coloca em franca ruptura dos paradigmas preconceituosos e arcaicos, por
conta desse direito existencial básico de todo ser humano, a felicidade. Ser
feliz; não apenas, estar feliz de vez em quando.
Aliás, na hora de cumprir com as
obrigações cidadãs do dia a dia, pagar impostos, votar, ninguém tem a ousadia
de dizer que “pessoas deficientes
atrapalham”. Abrem um largo sorriso e só faltam lhes estender tapete
vermelho, para que o ato se dissocie de qualquer peso burocrático e se torne
prazeroso, de algum modo “feliz”.
Segundo Gonzalez Pecotche,
educador e pedagogista, “todo conceito
que o homem não modifica com sua evolução, torna-se um preconceito”. Por isso,
pare e pense, quem disse que a humanidade é perfeita, a expressão ideal do ser?
Não, não é. Uma observação rápida ao redor, para perceber que a deformidade, a
deficiência, é regra e não exceção. Não se engane em pensar que a ausência de deficiência
física ou mental em um indivíduo resume a história, porque não.
Há centenas de milhares de
deficientes da alma, da ética, da moral, da civilidade, transitando entre nós,
distribuindo farpas e insultos à revelia, diariamente. E essa gente está em
todo lugar, inclusive na escola. São alfabetizadas. Muitas vezes, letradas. Mas,
não conseguem se despir dessa nódoa preconceituosa e agregada de hipocrisia,
porque no fundo, “muitas pessoas pensam que
estão a pensar quando estão apenas a rearrumar os seus preconceitos”
(William James – médico e um dos fundadores da psicologia moderna).