Na
fronteira entre os fatos e as opiniões
Por
Alessandra Leles Rocha
É inadmissível retirar o direito
de fala de qualquer cidadão. Mas, também, é imperioso pensar que a manifestação
das ideias, dos pensamentos, das ideologias, não deve acontecer desamparada de
uma análise e reflexão crítica apropriada, sob pena de tornar-se uma
verborragia vulgar e inapropriada, sujeita a contestações e sinalizações de
desaprovação.
Essas considerações são bastante
relevantes, tendo em vista de que o país tem acompanhado a Comissão Parlamentar
de Inquérito (CPI), instaurada pelo Senado, a fim de apurar a gestão do governo
federal durante a Pandemia e o uso de recursos públicos advindos da União pelos
Estados, e percebido alguns momentos mais tensos e exasperados dos senadores em
relação aos depoentes.
Embora, muitos deles estejam
sendo convidados a depor no sentido de contribuir com informações importantes
sobre os fatos em investigação, isso não retira deles o compromisso de pautar
suas falas na verdade, na objetividade e na expressão do seu conhecimento a
respeito dos assuntos abordados.
Entretanto, alguns têm se
disposto a comparecer imbuídos de um fantástico descompromisso com o ato
legislativo em questão, demonstrado a partir de inúmeras estratégias narrativas
no sentido de recortar a realidade a tal ponto que ela possa caber em certos propósitos
pré-definidos. Inclusive, houve dentre os depoentes quem buscasse subterfúgio em
medidas cautelares junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), para que pudesse
mitigar os possíveis desconfortos advindos dos questionamentos a serem feitos.
O que significa o óbvio. Ninguém é
convidado para depor, em qualquer circunstância, se não for para contribuir com
a verdade dos fatos por meio de informações relevantes e pertinentes. Depor é
ser objetivo, franco e direto em relação a arguição em curso; portanto, a CPI
não é uma reunião de amigos, um encontro festivo ou casual. Então, não é
possível admitir que algo tão importante para o país se transforme em mera vitrine
de visibilização de egos e vaidades dos depoentes.
Ora, o gatilho que levou a
instauração da CPI são as centenas de milhares de mortes pela COVID-19, que
permanecem sendo computadas diariamente, pois a Pandemia segue a passos largos
o seu curso mortal. Temos que admitir, portanto, que os movimentos dos
depoentes na contramão da verdade, não só desrespeitam essa realidade
inconteste; mas, alimentam com intensidade a atmosfera de profundo escárnio e
desrespeito cidadão.
O que é potencialmente explosivo,
na medida em que cria um tensionamento de forças entre os participantes. São horas
de depoimento, que se transformam em um espetáculo de profunda desfaçatez; de
modo que esse comportamento acaba extrapolando as linhas da polidez e fazendo
transparecer uma indelicadeza, porque o próprio depoente se permite
desconstruir a própria credibilidade e dignidade. O depoente não é vítima; ele
está ali para responder adequadamente as questões que lhe forem inqueridas. E se
não o faz é por escolha, porque sabe que faltar com a verdade e com um
comportamento condizente tem as suas consequências.
Mas, de repente, um movimento
vitimizador emergiu em defesa de duas depoentes. Concordo, que o Senado da
República, ainda, é uma arena predominantemente masculina, o que tende a
manifestações mais rudes dos senadores em relação as mulheres sejam elas
senadoras ou não. Contudo, por mais sororidade que devemos manifestar, o que
ocorreu na CPI não cabe na limitação dessa análise, porque a impaciência e a
exasperação ocorreram em face da forma e do conteúdo dos depoimentos.
O fato é que as depoentes basearam
suas respostas em argumentos injustificáveis, sem comprovação científica
sustentada, não conseguiam expor com convicção as suas respostas sobre questões
elementares e pertinentes à sua própria formação profissional, apenas para se
alinhar a um recorte de realidade definido pelo governo federal, o qual não se
constrange em naturalizar o morticínio pandêmico e/ou em defender medidas
sanitárias contrárias à Ciência. Assim, ficou explícita uma contradição, tão
aviltante, entre os currículos laureados, que foram apresentados, e as falas
das depoentes, que se tornou impossível não sentir indignação.
Especialmente, numa situação em
que está em jogo milhares de vidas humanas, o mínimo que se faz necessário é
que os discursos se coadunem com as ações. Não dá para bradar a defesa da vida
defendendo ideias que não se sustentam ou que podem, até mesmo, agravar e muito
o panorama. É nisso que as pessoas devem se concentrar nesse momento, em
preocupar-se com aquilo que é realmente relevante. Olhar para o mundo e
perceber se estamos mais próximos ou distante do senso científico comum, das
práticas utilizadas para combater a Pandemia, dos sucessos alcançados nos
diferentes segmentos da sociedade, enfim...
Por isso não se esqueça, “Todos têm direito de se enganar nas suas
opiniões. Mas ninguém tem o direito de se enganar nos fatos” (Bernard Mannes
Baruch – financeiro e conselheiro presidencial democrata dos presidentes
Woodrow Wilson e Franklin Delano Roosevelt).