quinta-feira, 17 de junho de 2021

Improbidade versus Probidade


Improbidade versus Probidade 1

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Parece mesmo um poço sem fundo, o desprezo que muitos deputados e senadores da República nutrem pelos cidadãos brasileiros. Em plena Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a COVID-19, instaurada para investigar a condução do governo federal durante a Pandemia e o uso de recursos públicos pelos governadores para esse fim, a Câmara dos Deputados votou a toque de caixa a lei que altera a improbidade administrativa.

E por que isso é tão significativo? Porque, a improbidade administrativa representa todo ato ilegal ou contrário aos princípios da Administração Pública, cometido por agente público, durante o exercício de função pública ou decorrente dela. Paira no ar, portanto, uma tentativa descarada de aliviar, principalmente, quaisquer punições decorrentes do relatório final da referida CPI. Algo que seria uma afronta imperdoável aos quase 500 mil mortos pela Pandemia; bem como, a todos os demais cidadãos brasileiros que padecem os infortúnios dessa lamentável catástrofe sanitária.

Veja, nem mesmo as movimentações em função do pleito eleitoral de 2022, tão intensas nos últimos meses, foi motivo suficiente para constrangê-los e impedi-los de votar um projeto tão contrário aos esforços de combate à corrupção por eles defendidos. É a contradição plena e absoluta? Por um lado, sim; mas, por outro é, simplesmente, o abandono do peso de defender uma ideia que nunca coube de fato no cenário político nacional, ou seja, combater os veios da corrupção.

Infelizmente, não é de hoje que os representantes do povo legislam em causa própria e fazem de seus mandatos políticos uma profissão bastante rentável. De modo que o fazer política no Brasil se resume a um fisiologismo crônico e irremediável, que expressa uma relação de poder em que as ações e decisões políticas são tomadas com base na troca de favores, ou de favorecimentos e outros benefícios a interesses privados, em detrimento do bem comum da população.

E por ser um conjunto de práxis tão antigas e incrustadas no modelo político nacional, é muita ingenuidade pensar que haveria alguma resistência capaz de combatê-las satisfatoriamente. Acontece que as narrativas anticorrupção soam aos ouvidos da população como um alento, antes que tenham a possibilidade de refletir e depurar as narrativas. Distraídas, as pessoas são envolvidas pelas promessas de mudança, de transformação e de melhorias, as quais se repetem pleito a pleito sem jamais alcançar resultado efetivo.

Portanto, é essa credulidade ingênua do eleitor que, não só, dá guarida a renovação de mandatos dos nobres representantes do povo; mas, também, alimenta com seu silêncio e inação a continuidade das más práticas políticas. Infelizmente, a população tem dificuldade de perceber que clamores e lamúrias não sensibilizam a classe política nacional; seria necessária uma cobrança direta e contundente que lhes desse, de fato, vez e voz. Mas, como isso parece impossível de acontecer, tudo permanece como sempre foi.

O problema é que sempre pode piorar um bocadinho mais. Enquanto a população está entretida na sua consternação pandêmica, o mundo político continua a girar e a fazer acontecer segundo as vontades e as regalias de quem ocupa esse espaço. O que significa que muitos projetos têm sido votados em prejuízo grave à população, sem que ela se dê conta. Questões sociais. Questões ambientais. Questões trabalhistas. E por aí vai.

Fala-se muito da invisibilidade dos vulneráveis e excluídos da sociedade; mas, no fundo, a verdade é que a população brasileira, nos seus 94% distribuídos entre a classe média tradicional e a classe baixa, é invisível para a classe política. O escárnio em que se banham muitas das decisões parlamentares existe porque desconsidera a existência de uma taxa de 14,7% de desempregados no primeiro trimestre de 2021, de 14,5 milhões de famílias na miséria e de tantos outros índices que representam a desigualdade e a ineficiência do país. Entretanto, se eles não enxergam ou preferem não ver, isso não muda o fato de que o resto do mundo sabe muito bem como andam as coisas por aqui.

O mau desempenho do país no cenário globalizado do mundo, não é só em razão do Executivo; mas, também, do Legislativo nacional. Afinal, cabe a ele discutir e aprovar leis, fiscalizar gastos de recursos públicos e a execução dos programas do Executivo; mas, principalmente, aprovar o Orçamento da União.

Portanto, se o Brasil transita de maneira perigosa pelas vias da estagnação há um quinhão de responsabilidade do Legislativo no sentido de não mitigar ou estancar os absurdos e desvarios presentes nessa movimentação. Há de se ter, sempre, cuidado com a permissividade para que ela não se transforme em cumplicidade e destrua a honradez, a integridade e a honestidade da administração pública. Como explicou o antropólogo Gustave Le Bon, “A humanidade só saiu da barbárie mental primitiva quando se evadiu do caos das suas velhas lendas e não temeu mais o poder dos taumaturgos, dos oráculos e dos feiticeiros [...]”. 



1 Honradez, integridade, honestidade.