Improbidade
versus Probidade 1
Por
Alessandra Leles Rocha
Parece mesmo um poço sem fundo, o
desprezo que muitos deputados e senadores da República nutrem pelos cidadãos
brasileiros. Em plena Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a COVID-19,
instaurada para investigar a condução do governo federal durante a Pandemia e o
uso de recursos públicos pelos governadores para esse fim, a Câmara dos
Deputados votou a toque de caixa a lei que altera a improbidade administrativa.
E por que isso é tão
significativo? Porque, a improbidade administrativa representa todo ato ilegal
ou contrário aos princípios da Administração Pública, cometido por agente
público, durante o exercício de função pública ou decorrente dela. Paira no ar,
portanto, uma tentativa descarada de aliviar, principalmente, quaisquer
punições decorrentes do relatório final da referida CPI. Algo que seria uma
afronta imperdoável aos quase 500 mil mortos pela Pandemia; bem como, a todos
os demais cidadãos brasileiros que padecem os infortúnios dessa lamentável catástrofe
sanitária.
Veja, nem mesmo as movimentações
em função do pleito eleitoral de 2022, tão intensas nos últimos meses, foi
motivo suficiente para constrangê-los e impedi-los de votar um projeto tão contrário
aos esforços de combate à corrupção por eles defendidos. É a contradição plena e
absoluta? Por um lado, sim; mas, por outro é, simplesmente, o abandono do peso
de defender uma ideia que nunca coube de fato no cenário político nacional, ou
seja, combater os veios da corrupção.
Infelizmente, não é de hoje que
os representantes do povo legislam em causa própria e fazem de seus mandatos
políticos uma profissão bastante rentável. De modo que o fazer política no
Brasil se resume a um fisiologismo crônico e irremediável, que expressa uma
relação de poder em que as ações e decisões políticas são tomadas com base na
troca de favores, ou de favorecimentos e outros benefícios a interesses privados,
em detrimento do bem comum da população.
E por ser um conjunto de práxis
tão antigas e incrustadas no modelo político nacional, é muita ingenuidade
pensar que haveria alguma resistência capaz de combatê-las satisfatoriamente. Acontece
que as narrativas anticorrupção soam aos ouvidos da população como um alento,
antes que tenham a possibilidade de refletir e depurar as narrativas. Distraídas,
as pessoas são envolvidas pelas promessas de mudança, de transformação e de
melhorias, as quais se repetem pleito a pleito sem jamais alcançar resultado
efetivo.
Portanto, é essa credulidade ingênua
do eleitor que, não só, dá guarida a renovação de mandatos dos nobres
representantes do povo; mas, também, alimenta com seu silêncio e inação a
continuidade das más práticas políticas. Infelizmente, a população tem dificuldade
de perceber que clamores e lamúrias não sensibilizam a classe política
nacional; seria necessária uma cobrança direta e contundente que lhes desse, de
fato, vez e voz. Mas, como isso parece impossível de acontecer, tudo permanece
como sempre foi.
O problema é que sempre pode
piorar um bocadinho mais. Enquanto a população está entretida na sua
consternação pandêmica, o mundo político continua a girar e a fazer acontecer
segundo as vontades e as regalias de quem ocupa esse espaço. O que significa
que muitos projetos têm sido votados em prejuízo grave à população, sem que ela
se dê conta. Questões sociais. Questões ambientais. Questões trabalhistas. E
por aí vai.
Fala-se muito da invisibilidade dos
vulneráveis e excluídos da sociedade; mas, no fundo, a verdade é que a
população brasileira, nos seus 94% distribuídos entre a classe média
tradicional e a classe baixa, é invisível para a classe política. O escárnio em
que se banham muitas das decisões parlamentares existe porque desconsidera a existência
de uma taxa de 14,7% de desempregados no primeiro trimestre de 2021, de 14,5
milhões de famílias na miséria e de tantos outros índices que representam a
desigualdade e a ineficiência do país. Entretanto, se eles não enxergam ou
preferem não ver, isso não muda o fato de que o resto do mundo sabe muito bem
como andam as coisas por aqui.
O mau desempenho do país no
cenário globalizado do mundo, não é só em razão do Executivo; mas, também, do
Legislativo nacional. Afinal, cabe a ele discutir e aprovar leis, fiscalizar
gastos de recursos públicos e a execução dos programas do Executivo; mas,
principalmente, aprovar o Orçamento da União.
Portanto, se o Brasil transita de maneira perigosa pelas vias da estagnação há um quinhão de responsabilidade do Legislativo no sentido de não mitigar ou estancar os absurdos e desvarios presentes nessa movimentação. Há de se ter, sempre, cuidado com a permissividade para que ela não se transforme em cumplicidade e destrua a honradez, a integridade e a honestidade da administração pública. Como explicou o antropólogo Gustave Le Bon, “A humanidade só saiu da barbárie mental primitiva quando se evadiu do caos das suas velhas lendas e não temeu mais o poder dos taumaturgos, dos oráculos e dos feiticeiros [...]”.