É
... não existe crime perfeito!
Por
Alessandra Leles Rocha
Dizem os juristas que “Não existe crime perfeito”. De fato,
tudo o que perpassa pelo ser humano é passível de falhas, de equívocos, de
desajustes, enfim. Há pouco mais de 3 anos, a ex-vereadora e socióloga Marielle
Franco foi assassinada, no Rio de Janeiro, junto com o seu motorista, Anderson Pedro
Mathias Gomes. Até o momento muitas perguntas pertinentes ao caso permanecem
sem resposta, ou seja, há muitas lacunas importantes para dizer que o caso foi
efetivamente elucidado.
Marielle se encaixa subjetivamente
em um padrão que tem se mostrado cada vez mais desconfortante à uma parcela da sociedade
brasileira, ou seja, ela era feminista, negra, homossexual, defensora dos
Direitos Humanos e crítica aos abusos de autoridade contra moradores de comunidades
carentes. Daí o seu caso comprovar a tese acima com mais veemência; não se tratou
de um crime perfeito.
Ora, ele não aconteceu,
simplesmente, para se enquadrar nas estatísticas das violências urbanas e repousar
sobre pilhas de documentos, até cair no esquecimento coletivo, como acontecem
com outros tantos, país afora. O caso Marielle nasceu da comoção e da
repercussão pública em território nacional e internacional. E, certamente, esse
foi o descuido de seus assassinos. Esqueceram de observar quem era a vítima.
Marielle tinha, o que muitos
brasileiros e brasileiras não têm, vez e voz. Claro, conquistados à custa de
muito esforço e sacrifício para romper as barreiras das desigualdades sociais;
mas, também, do sexismo, da misoginia e da homofobia. Portanto, ela era alguém visível
em um mundo tão repleto de invisibilidade, que sua morte não teria como passar
em brancas nuvens.
Sem contar que a essência do
trabalho já transcendia as fronteiras do seu espaço geográfico de atuação, por
conta da capilaridade política que vinha sendo constituída a partir de uma
relação mais próxima com a população, por meio de palestras, debates e
encontros. Aliás, foi depois de um desses eventos que ocorreu o assassinato, quando
o carro em que ela estava foi alvejado a tiros, na região central do Rio de
Janeiro.
Daí o erro crasso de seus
assassinos: a morte não silenciou Marielle. Ao contrário, sua voz e sua
presença permanecem vivas e clamando por justiça, dentro e fora do país. Se apenas
alguns conheciam Marielle, de repente, milhões ficaram sabendo quem era aquela
jovem e guerreira mulher, nascida no Complexo da Maré, subúrbio carioca. E para
tentar entender a razão que levou alguém a assassiná-la, foram em busca de
saber mais e mais de sua história; o que causava cada vez mais estranheza
frente ao ocorrido.
Pois é, sem prestar muita
atenção, seus assassinos a colocaram em um rol de notáveis, onde o tempo não
macula as lembranças e nem os legados. Inverteu-se uma possível desimportância de
Marielle, para uma importância absoluta. O que fulgura entre nuvens de mistério
em torno do seu assassinato permanece inquietando o imaginário popular, fazendo
com que ela viva acima das disputas e rivalidades políticas, das politicagens
politiqueiras de uns e outros, do conservadorismo de fachada, ...
Como ela mesma disse em 2017, ao Brasil de Fato, “Ser mulher negra é resistir e sobreviver o tempo todo”. Então, ela permanece entre nós. Presente. Falante. Atuante nas suas defesas humanitárias. Afinal de contas, “Um homem (mulher) pode morrer, lutar, falhar, até mesmo ser esquecido, mas sua ideia pode modificar o mundo mesmo passado 400 anos”, porque “Igualdade, justiça e liberdade são mais que palavras, são perspectivas” (V for Vendetta, 2005).