quarta-feira, 16 de junho de 2021

É ... não existe crime perfeito!


É ... não existe crime perfeito!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Dizem os juristas que “Não existe crime perfeito”. De fato, tudo o que perpassa pelo ser humano é passível de falhas, de equívocos, de desajustes, enfim. Há pouco mais de 3 anos, a ex-vereadora e socióloga Marielle Franco foi assassinada, no Rio de Janeiro, junto com o seu motorista, Anderson Pedro Mathias Gomes. Até o momento muitas perguntas pertinentes ao caso permanecem sem resposta, ou seja, há muitas lacunas importantes para dizer que o caso foi efetivamente elucidado.

Marielle se encaixa subjetivamente em um padrão que tem se mostrado cada vez mais desconfortante à uma parcela da sociedade brasileira, ou seja, ela era feminista, negra, homossexual, defensora dos Direitos Humanos e crítica aos abusos de autoridade contra moradores de comunidades carentes. Daí o seu caso comprovar a tese acima com mais veemência; não se tratou de um crime perfeito.

Ora, ele não aconteceu, simplesmente, para se enquadrar nas estatísticas das violências urbanas e repousar sobre pilhas de documentos, até cair no esquecimento coletivo, como acontecem com outros tantos, país afora. O caso Marielle nasceu da comoção e da repercussão pública em território nacional e internacional. E, certamente, esse foi o descuido de seus assassinos. Esqueceram de observar quem era a vítima.

Marielle tinha, o que muitos brasileiros e brasileiras não têm, vez e voz. Claro, conquistados à custa de muito esforço e sacrifício para romper as barreiras das desigualdades sociais; mas, também, do sexismo, da misoginia e da homofobia. Portanto, ela era alguém visível em um mundo tão repleto de invisibilidade, que sua morte não teria como passar em brancas nuvens.

Sem contar que a essência do trabalho já transcendia as fronteiras do seu espaço geográfico de atuação, por conta da capilaridade política que vinha sendo constituída a partir de uma relação mais próxima com a população, por meio de palestras, debates e encontros. Aliás, foi depois de um desses eventos que ocorreu o assassinato, quando o carro em que ela estava foi alvejado a tiros, na região central do Rio de Janeiro.  

Daí o erro crasso de seus assassinos: a morte não silenciou Marielle. Ao contrário, sua voz e sua presença permanecem vivas e clamando por justiça, dentro e fora do país. Se apenas alguns conheciam Marielle, de repente, milhões ficaram sabendo quem era aquela jovem e guerreira mulher, nascida no Complexo da Maré, subúrbio carioca. E para tentar entender a razão que levou alguém a assassiná-la, foram em busca de saber mais e mais de sua história; o que causava cada vez mais estranheza frente ao ocorrido.

Pois é, sem prestar muita atenção, seus assassinos a colocaram em um rol de notáveis, onde o tempo não macula as lembranças e nem os legados. Inverteu-se uma possível desimportância de Marielle, para uma importância absoluta. O que fulgura entre nuvens de mistério em torno do seu assassinato permanece inquietando o imaginário popular, fazendo com que ela viva acima das disputas e rivalidades políticas, das politicagens politiqueiras de uns e outros, do conservadorismo de fachada, ...  

Como ela mesma disse em 2017, ao Brasil de Fato, “Ser mulher negra é resistir e sobreviver o tempo todo”. Então, ela permanece entre nós. Presente. Falante. Atuante nas suas defesas humanitárias. Afinal de contas, “Um homem (mulher) pode morrer, lutar, falhar, até mesmo ser esquecido, mas sua ideia pode modificar o mundo mesmo passado 400 anos”, porque “Igualdade, justiça e liberdade são mais que palavras, são perspectivas” (V for Vendetta, 2005).