AMOR,
AMAR, ...
Por
Alessandra Leles Rocha
Segundo Caio Fernando Abreu, “Somos inocentes em pensar, que sentimentos
são coisas passíveis de serem controladas. Eles simplesmente vêm e vão, não
batem na porta, não pedem licença. Invadem, machucam, alegram”. Particularmente,
estou de pleno acordo; sobretudo, quando paro para pensar sobre o amor.
Embora, considere legal, bacana, e
até divertida, aquela velha idealização do amor romantizado, do tipo folhetim,
com toda a sua passionalidade à flor da pele e as lágrimas e soluços contidos
em lencinhos bordados, o meu incansável realismo me lança de volta à vida como
ela é.
“De
repente, não mais que de repente ...”, como diria o Poetinha, um belo
dia somos arrebatados nas esquinas da vida. No mais típico trivialismo
cotidiano, sem muitas reverências e glamoures. Em um esbarrão. Uma troca de
olhares. Um discurso enviesado. Uma fila de espera. ... Nada roteirizado, planejado,
pré-fabricado.
E aí, me vem à frase de Edgar
Cézar Nolasco, em Claricianas, “Não me
lembro mais qual foi nosso começo. Sei que não começamos pelo começo. Já era
amor antes de ser”. Uau! Um curto-circuito na alma que faz tudo acender à
revelia, para que o mundo e a vida possam ser descortinados a partir de outras
perspectivas.
Por isso o amor é algo tão
pessoal e intransferível. Cada um tem um jeito de amar e de ser amado muito
singular, porque as relações de amor são únicas; embora, os seres humanos
pensem que não. É como música tocada a quatro mãos; mas, sob um arranjo e uma técnica
desenvolvida por aquela determinada parceria. É isso o que encanta, o que
transborda a emoção.
Afinal de contas, amor que é amor
tem potencial suficiente para fiar uma simbiose de delicadezas e afetos. Quem ama
cuida. Quem ama protege. Quem ama ampara. Quem ama se preocupa. Quem ama liberta.
Quem ama ... ama sem rótulos, sem obstáculos, sem objeções, porque sente a
segurança de uma subjetividade que se materializa nos mais pequeninos gestos.
Para esse amor não precisa vestir
nenhuma personagem. A cara lavada, a roupa amassada, o cabelo despenteado, ...
as aparências se tornam desimportantes. A dialogia dessa relação é
transcendente e só se traduz além dos corpos. Como encontrei nessa descrição: “Poderíamos casar, teríamos um apartamento,
tomaríamos café as cinco da tarde, discordaríamos quanto a cor das cortinas,
não arrumaríamos a cama diariamente, a geladeira seria repleta de congelados e
Coca-Cola, o armário, de porcarias, adiaríamos o despertador umas trinta vezes,
sentaríamos na sala de pijama e pantufas, sairíamos para jantar em dia de chuva
e chegaríamos encharcados, nos beijaríamos no meio de alguma frase, você pegaria
no sono com a mão no meu cabelo e eu, escutando sua respiração. Eu riria sem
motivo e você perguntaria porque, eu não responderia, saberíamos” (Caio
Fernando Abreu).
Essa simplicidade existencial do
amor, talvez, seja o antídoto contra a fugacidade, o qual a humanidade tanto
precisa. Um amor que não se curva aos rodopios do relógio. Que não se rende aos
protocolos do sistema. Que não se permite ser menor em nenhuma circunstância. Que
vive a cumplicidade; mas, também, o respeito e a empatia. Ah! Um AMOR em caixa
alta! Um amor, que nem mesmo uma Pandemia, seria capaz de extinguir.
No fim das contas, é como diz a
canção, “Amar pode machucar / Amar pode
machucar às vezes / Mas é a única coisa que eu conheço / Quando fica difícil / É
a única coisa que nos faz sentir vivos ...” (Photograph – Ed Sheeran). Não há
nada melhor do que um grande amor para restaurar a alma e recobrar os sentidos.
Em qualquer tempo. Em qualquer lugar. Porque “Andar sem amor pela vida é como ir para o combate sem música, como
empreender uma viagem sem um livro, como fazer-se ao mar sem estrela-guia”
(Henri-Marie Beyle – “Stendhal” – escritor francês).