Sobre
mães e cuidados
Por
Alessandra Leles Rocha
Em plena Pandemia, penso que o
Dia das Mães, finalmente, perde seu status comercial e passa a adquirir o
verdadeiro contorno da celebração. Não, um celebrar esfuziante e festivo; mas,
um celebrar afetivo e reflexivo. O que significa celebrar tanto aquelas que se
foram, especialmente pela COVID-19, quanto aquelas que, por sorte, ainda estão
entre nós. E, também, aquelas que estão prestes a se tornar.
Enfim, celebrar a presença
material e imaterial de uma espécie de gente fundamental para a existência
humana. Porque apesar de todas as evoluções e revoluções do mundo, a humanidade
só existe graças a elas. Diferentemente iguais na sua missão, lá vão elas
deixando a vida um pouco mais suave para transitar.
Ora, se tem uma característica comum
entre as mães, não há dúvidas de que sejam os cuidados. O cuidar, de todas as
formas possíveis e impossíveis, é linha mestra no dia a dia materno; embora, ela
acabe se desvirtuando e cuidando mais dos outros do que de si mesma. Algumas
extrapolam de maneiras inimagináveis; mas, dizem que preferem pecar por excesso
do que por negligência.
Então, eu fiquei pensando como a
Pandemia interferiu nesse processo. A maioria das mães se viu afastada e
impedida de “ser mãe”, no seu sentido
mais amplo e irrestrito. O medo ergueu uma barreira invisível entre elas e seus
“filhotes”. Uma série de limitações comportamentais e geográficas tomou conta
das relações materno afetivas e fez emergir uma angústia, um desalento, que não
tínhamos nos dado conta da existência e nem da extensão.
Aquele sonoro “Mãe!”, milhares de
vezes ao dia, de repente se recolheu aos momentos de interação tecnológica.
Chamadas de vídeo. Telefonemas. Entre os milhões de filhos, por aí, houve quem
fosse mais afortunado e pode desfrutar de alguma possibilidade de encontro
presencial. É claro, obedecendo aos protocolos sanitários impostos pela
Pandemia; mas, mesmo assim, uma oportunidade ímpar de estar sob cuidados.
No entanto, para muita gente isso
ficou na memória ou, quem sabe, nem tenha tido a chance de acontecer; posto
que, muitos bebês nascidos, nesse período, não chegaram a conhecer suas mães. E
isso foi de uma crueldade sem limites.
Mães perdendo seus filhos. Filhos
perdendo suas mães. Despedidas sem se despedir. Sem ritos. Sem flores. Sem
palavras. Sem o suporte emocional esperado. ... Laços de amor e afeto que foram
esgarçados pela dor de uma tristeza que não tem vacina, que não tem cura;
enquanto, o vírus segue implacável na sua saga destruidora.
Porque, por mais absurdo que
possa ser, a figura das mães não foi o suficiente para conter os arroubos
negocionistas de muitos filhos e filhas. De certo modo, eles deixaram muito bem
patenteada a sua indiferença, o seu desamor, o seu desinteresse pela vida de suas
mães. Fizeram festa. Se aglomeraram. Não usaram máscara. Não cumpriram o
isolamento social, quando solicitados. ... Trabalharam na contramão da vida,
achando graça e fazendo pouco caso do resto do mundo.
Que decepção sentiram suas mães! Depois
de tantos cuidados, se depararem com esse resultado de profundo individualismo
narcísico, de seus próprios filhos. Muitas foram contaminadas por eles. Outras,
os viram sendo hospitalizados. Um calvário a ser vencido na solidão, na
impossibilidade dessa presença mútua de mãe e filho.
Entretanto, quando superadas as
adversidades, quem sabe, uma possibilidade se acena como resgate do sentido
mais profundo das relações humanas. Porque, como escreveu Lya Luft, é preciso “que a gente possa ser mais irmão, mais
amigo, mais filho e mais pai ou mãe, mais humano, mais simples, mais desejoso
de ser e fazer feliz”.
Afinal de contas, diante de todas
as experiências profundas que se tem vivido nessa Pandemia, mais do que nunca,
fica evidente como a história não sobrevive sem essa humanidade tão peculiar das
mães.