Eu
vou. Tu vais. Ele vai. ...
Por
Alessandra Leles Rocha
Mais de 420 mil mortes pela
COVID-19, no Brasil. Razão mais do que suficiente para mantermos as medidas
sanitárias preventivas, tanto individual quanto coletivamente. Mas, nesse mar
tumultuoso da Pandemia, estamos cientes de que uma corrente contrária é liderada
pelo próprio Presidente da República.
Infelizmente, ele não se incomoda
e nem se constrange em agir sob negação dessas práticas, o que gera um profundo
descontentamento entre os que apresentam uma compreensão diferente a respeito. De
modo que a indignação corre solta nas mídias sociais.
E de tanto observar essa promoção
contínua de ruídos, de repente, algo saltou das entrelinhas, depois que o
presidente convocou seus apoiadores a saírem às ruas, no próximo dia 15 de
maio, e manifestou-se da seguinte maneira: “eu
vou lá para o meio”. De fato, ele tem estado constantemente se permitindo
aglomerar e desrespeitar as medidas sanitárias; porém, esse não é o ponto.
Um ser humano que enfrentou o
infortúnio de um atentado, por arma branca, em plena campanha eleitoral e, posteriormente,
foi submetido a diversas cirurgias, por intercorrências médicas oriundas desse
ferimento inicial, seria, no mínimo, mais previdente e evitaria se expor dessa
maneira. Sem contar que esse episódio o impediu de participar dos debates eleitorais,
promovidos na ocasião, e, dessa forma, ele não pode dar visibilidade as suas
propostas enquanto candidato à presidência.
Por isso, sendo a autoridade
maior do país, a própria investidura do cargo já demanda um comportamento mais
cauteloso e prudente, dada a responsabilidade que se tem nas mãos. Haja vista,
como demorou, por exemplo, o prefeito da cidade de São Paulo, para afastar-se
das suas atribuições, a fim de se dedicar ao tratamento de uma doença em
estágio muito grave. Porque essas transferências transitórias, embora decorram
de motivos de saúde, implicam em aspectos técnicos e burocráticos importantes e
complexos.
O que significa que todo gesto de
cautela manifesto pelo presidente, por si só, seria plenamente justificável. No
entanto, além disso, ele mesmo vem reiterando aos veículos de informação e
comunicação: “Só Deus me tira da cadeira
presidencial”. E se ele tem tanto apreço ao cargo, como parece revelar essa
afirmação, é estranho que ele não se sinta desconfortável em fomentar situações
de risco desnecessárias. Afinal, altivez não tem nada a ver com coragem. Se
expor inadvertidamente não é sinal de valentia.
Sem contar, que já não restam
dúvidas quanto ao seu perfil centralizador de governança. Por mais que ele se
sinta amparado por uma assessoria de total confiança, no caso de uma eventual
excepcionalidade, reza o dito popular que “é
o olho do dono que engorda a boiada”.
Ora, por trás de qualquer função
ou trabalho está a marca identitária de quem o realiza, porque ali se encontram
sonhos, interesses, resultados esperados, ... que são da ordem do subjetivo
daquele indivíduo. Por mais que o outro devote boa intenção, o outro é sempre o
outro. Um olhar diferente. Uma perspectiva diferente. Uma atitude diferente.
Enfim...
Em contrapartida, também, causa
estranheza pensar se os apoiadores dele o têm em tão alta conta, porque não
manifestam esse apreço desmobilizando esse tipo de atitude? Parecem tão
enceguecidos no seu ideário mítico que confundem o presidente com qualquer
estrela do cenário midiático. Segundo Torquato Tasso, poeta italiano do século
XVI, “O que o mundo chama de mérito e
valor são ídolos que têm apenas nome, mas nenhuma essência. A fama vos encanta,
vós altivos mortais, com um doce som, e que parece tão bela é um eco, um sonho,
melhor que um sonho, uma sombra, que a cada sopro de vento se dispersa e
desaparece”.
Assim, não é à toa, terem se
esquecido do seguinte fato, há pouco mais de 2 anos, foram às urnas para o
eleger e garantir as suas expectativas quanto aos rumos da governança nacional.
Entretanto, nem se deram ao trabalho de verificar se está tudo como sonharam em
ver. Estão sob euforia. E isso deveria preocupar ao maior interessado.
Porque se eles estão assim, não
se preocupam consigo e nem com os outros. De certa forma, uma consequência natural
da contemporaneidade, quando tudo é breve. 15 minutos de fama e um novo ídolo
surge para ocupar o lugar, porque já estão sob fastio. Os interesses, as
necessidades, as vontades, ... tudo é fugaz. Então, basta que alguém apareça
manifestando o discurso que satisfaça aquele recorte de tempo e a debandada de
apoio acontece. Como escreveu Zygmunt Bauman, “Vivemos tempos líquidos. Nada é para durar”.
Essa é, portanto, uma breve
reflexão. Mas, dela se abre espaço para começar a dissecar as camadas que se
sobrepõem a realidade visível; pois, “A
pior cegueira é a mental, que faz com que não reconheçamos o que temos pela
frente” (José Saramago – Ensaio sobre a Cegueira). Só assim, conseguiremos conectar as obviedades e destilar os
desvarios, até extrair as gotas de sanidade que purificam a razão.