Velhos
hábitos nunca morrem
Por
Alessandra Leles Rocha
Curioso que a “nova política” queira resgatar dos
confins da história o voto impresso. Ele que tanto favoreceu aos tempos da
República Velha, garantindo o acesso aos cargos eletivos por meio da compra de
votos com a utilização da máquina pública e/ou do abuso do poder econômico pelos
Coronéis. Era o verdadeiro escambo do voto: par de botinas, dentadura, pintura
da casa, empregos, cirurgias, vagas em escolas, ...
Em um país de dimensões continentais,
como o Brasil, a dificuldade de fiscalizar todo o processo eleitoral resultava
em inúmeras fraudes e a perpetuação de determinados grupos políticos no poder. Sem
contar, que a distância também resultava no atraso da apuração dos votos; pois,
as urnas demoravam a chegar as seções de apuração. O resultado levava sempre
alguns dias, dependendo da localidade, para sua consolidação.
Tendo em vista toda a fragilidade
de credibilidade existente no processo, em 1932, o primeiro Código Eleitoral
brasileiro trouxe a previsão, em seu artigo 57, do “uso de máquinas de votar, regulado oportunamente pelo Tribunal Superior”,
resguardado o sigilo do voto. A partir daí, o sistema eleitoral brasileiro se
convergiu a tomar as providências que pudessem, em momento oportuno, consolidar
essa orientação 1. Até que, em 1996, o país vivenciou a primeira
eleição informatizada.
Desde, então, as urnas eletrônicas
foram sendo aprimoradas, de acordo com os avanços científicos e tecnológicos disponíveis
no mundo contemporâneo, a fim de propiciar cada vez mais segurança e agilidade
ao processo. Basta ver, que encerradas as votações, os resultados são enviados
aos Cartórios Eleitorais para serem computados, para que a população possa
conhecer, o mais breve possível, os seus representantes no Legislativo e no Executivo.
Tudo isso significou um salto importantíssimo
para a Democracia brasileira e que, agora, por razões obscuras, estão tentando
desconstruir sob alegações infundadas de eventual possibilidade de fraude. Desconsiderando
o papel fundamental do voto na representação política da sociedade; bem como, toda
a luta que se seguiu no sentido de torná-lo um direito de todos os cidadãos
brasileiros, agora, tenta-se acintosamente constranger os avanços do progresso
nacional mediante tal proposta.
Algo preocupante, tendo em vista
a conjuntura polarizada que vem se constituindo no país, nas últimas décadas. O
descontentamento popular em relação aos rumos governamentais é visível. Um sinal
de que a representatividade política não tem conseguido promover os avanços
necessários ao desenvolvimento nacional e, ao contrário, tem permanecido
reafirmando todas as mazelas e desafios seculares.
Como o voto é obrigatório, no
Brasil, a cada pleito eleitoral tem-se observado um aumento exponencial dos
votos nulos e nas abstenções. Em 2018, por exemplo, o somatório desses votos representou
42,1 milhões, ou seja, 1/3 do total de eleitores. Um sinal de que os vencedores
não têm alcançado uma representatividade majoritária de fato. Eles se elegem a
partir de um percentual de votos válidos que não traduz em si a maioria da
população; mas, a maioria de 2/3 dos eleitores que compareceram às urnas.
E sabe-se disso, graças ao
aparato tecnológico envolvido nas eleições. Cada urna eletrônica, antes de ter
iniciado a votação, passa por um protocolo de verificação, por parte do presidente
da sessão eleitoral, mesários e fiscais de partidos políticos, que emite um
relatório chamado “zerésima”, no qual, além de todas as informações de
identificação da urna, há a comprovação da inexistência de qualquer registro de
voto até aquele momento.
Quando finalizado o período de votação,
os dados contidos nos cartões de memória das urnas são gravados criptografados
em um pendrive, que é encaminhado ao
Cartório Eleitoral para transmissão ao Tribunal Regional Eleitoral.
Todos os programas e sistemas utilizados
são, portanto, desenvolvidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e auditados
rigorosamente para verificação da integridade e autenticidade dos mesmos. Quaisquer
tentativas de alteração dos votos, a urna é capaz de verificar a inconsistência
e emitir alerta de erro de integridade 2.
Por todas essas considerações é
que esta não é uma questão de simples consulta pública de opinião a respeito;
mas, de um mergulho histórico e reflexivo. Sem isso, pode-se incorrer não na
mudança, pura e simples, do modo de se votar; mas, na possibilidade factível da
manipulação, da usurpação, da alienação dos direitos já conquistados.
Afinal, como bem manifestou
Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988,
“Quando se tira o voto ao povo, o povo é excluído
do centro para a periferia da história, perde o pão e a liberdade, o protesto
passa a ser agitação e a greve rotulada de subversão”.