segunda-feira, 10 de maio de 2021

Velhos hábitos nunca morrem


Velhos hábitos nunca morrem

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Curioso que a “nova política” queira resgatar dos confins da história o voto impresso. Ele que tanto favoreceu aos tempos da República Velha, garantindo o acesso aos cargos eletivos por meio da compra de votos com a utilização da máquina pública e/ou do abuso do poder econômico pelos Coronéis. Era o verdadeiro escambo do voto: par de botinas, dentadura, pintura da casa, empregos, cirurgias, vagas em escolas, ...

Em um país de dimensões continentais, como o Brasil, a dificuldade de fiscalizar todo o processo eleitoral resultava em inúmeras fraudes e a perpetuação de determinados grupos políticos no poder. Sem contar, que a distância também resultava no atraso da apuração dos votos; pois, as urnas demoravam a chegar as seções de apuração. O resultado levava sempre alguns dias, dependendo da localidade, para sua consolidação.

Tendo em vista toda a fragilidade de credibilidade existente no processo, em 1932, o primeiro Código Eleitoral brasileiro trouxe a previsão, em seu artigo 57, do “uso de máquinas de votar, regulado oportunamente pelo Tribunal Superior”, resguardado o sigilo do voto. A partir daí, o sistema eleitoral brasileiro se convergiu a tomar as providências que pudessem, em momento oportuno, consolidar essa orientação 1.  Até que, em 1996, o país vivenciou a primeira eleição informatizada.

Desde, então, as urnas eletrônicas foram sendo aprimoradas, de acordo com os avanços científicos e tecnológicos disponíveis no mundo contemporâneo, a fim de propiciar cada vez mais segurança e agilidade ao processo. Basta ver, que encerradas as votações, os resultados são enviados aos Cartórios Eleitorais para serem computados, para que a população possa conhecer, o mais breve possível, os seus representantes no Legislativo e no Executivo.

Tudo isso significou um salto importantíssimo para a Democracia brasileira e que, agora, por razões obscuras, estão tentando desconstruir sob alegações infundadas de eventual possibilidade de fraude. Desconsiderando o papel fundamental do voto na representação política da sociedade; bem como, toda a luta que se seguiu no sentido de torná-lo um direito de todos os cidadãos brasileiros, agora, tenta-se acintosamente constranger os avanços do progresso nacional mediante tal proposta.

Algo preocupante, tendo em vista a conjuntura polarizada que vem se constituindo no país, nas últimas décadas. O descontentamento popular em relação aos rumos governamentais é visível. Um sinal de que a representatividade política não tem conseguido promover os avanços necessários ao desenvolvimento nacional e, ao contrário, tem permanecido reafirmando todas as mazelas e desafios seculares.

Como o voto é obrigatório, no Brasil, a cada pleito eleitoral tem-se observado um aumento exponencial dos votos nulos e nas abstenções. Em 2018, por exemplo, o somatório desses votos representou 42,1 milhões, ou seja, 1/3 do total de eleitores. Um sinal de que os vencedores não têm alcançado uma representatividade majoritária de fato. Eles se elegem a partir de um percentual de votos válidos que não traduz em si a maioria da população; mas, a maioria de 2/3 dos eleitores que compareceram às urnas.

E sabe-se disso, graças ao aparato tecnológico envolvido nas eleições. Cada urna eletrônica, antes de ter iniciado a votação, passa por um protocolo de verificação, por parte do presidente da sessão eleitoral, mesários e fiscais de partidos políticos, que emite um relatório chamado “zerésima”, no qual, além de todas as informações de identificação da urna, há a comprovação da inexistência de qualquer registro de voto até aquele momento.

Quando finalizado o período de votação, os dados contidos nos cartões de memória das urnas são gravados criptografados em um pendrive, que é encaminhado ao Cartório Eleitoral para transmissão ao Tribunal Regional Eleitoral.

Todos os programas e sistemas utilizados são, portanto, desenvolvidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e auditados rigorosamente para verificação da integridade e autenticidade dos mesmos. Quaisquer tentativas de alteração dos votos, a urna é capaz de verificar a inconsistência e emitir alerta de erro de integridade 2.

Por todas essas considerações é que esta não é uma questão de simples consulta pública de opinião a respeito; mas, de um mergulho histórico e reflexivo. Sem isso, pode-se incorrer não na mudança, pura e simples, do modo de se votar; mas, na possibilidade factível da manipulação, da usurpação, da alienação dos direitos já conquistados.

Afinal, como bem manifestou Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988, “Quando se tira o voto ao povo, o povo é excluído do centro para a periferia da história, perde o pão e a liberdade, o protesto passa a ser agitação e a greve rotulada de subversão”.