Psiu!
Silêncio!
Por
Alessandra Leles Rocha
Bem, os fatos, na verdade, são de
conhecimento público. Os desdobramentos da Pandemia, no Brasil, são
experimentados pela população há mais de um ano. As carências e dificuldades
nos campos da saúde há décadas. Então, o silêncio do ex-Ministro na Comissão Parlamentar
de Inquérito (CPI) sobre a COVID-19, na próxima semana, traz sim, um sentimento
de indignação coletiva e de desejo de reparação social muito exacerbado, na
grande maioria da população.
Afinal de contas, ele é um
servidor público comum e não agente político, conforme expresso pela
Constituição Federal de 1988. Deveria, então, estar plenamente ciente de sua
responsabilidade com a valorização da lei acima dos interesses privados, com as
eventuais divergências ou convergências políticas/ideológicas e as simpatias ou
desavenças pessoais, com os princípios éticos estabelecidos pela legislação no
exercício da função, com a transparência na disponibilização de dados e
informações; enfim, com a eficiência na administração pública. Por isso, tanto
mal-estar.
Contudo, entre raivosos e
aliviados com a solicitação do ex-Ministro junto ao Supremo Tribunal Federal
(STF) para a manutenção do direito de permanecer em silêncio durante a sua
oitiva no Senado Federal, isso diz mais do que se possa imaginar.
Primeiro porque já se exclui a
possibilidade de tentar trair a verdade. Tendo em vista que os depoimentos se
pautam em informações de outros depoentes, documentos e matérias jornalísticas,
silenciar significa abdicar do direito ao contraditório e, portanto, ratificar
eventuais pontos de vista que podem lhe comprometer de alguma forma.
Assim, embora, convidado a depor
na CPI, como testemunha, a opção por silenciar parece ter o impacto de lançá-lo
aos braços da autocondenação, antes mesmo, que qualquer palavra lhe seja
proferida pelos outros.
Na verdade, o silêncio produz uma
aura de vulnerabilidade, ainda maior, sobre o ex-Ministro, porque lhe faz transparecer
uma consciência de fragilidade incapacitante em promover quaisquer
manifestações de autodefesa.
Como se o peso daquelas
narrativas estivesse efetivamente acima da sua capacidade de desconstruí-las ou
reformulá-las, de forma a atenuar seus contornos mais questionáveis e tornar
sua compreensão um pouco mais palatável a opinião pública.
Além disso, ao se propor ficar
sentado durante longas horas, ouvindo sem responder nada, ele se defrontará com
uma tarefa nada fácil. Todos os atos e as omissões de sua gestão no Ministério
da Saúde estarão, de uma única vez, cobrando o seu ônus.
Dissecadas em pormenores de extrema
complexidade, ele será lançado a um labirinto de memórias, no mínimo,
desconfortáveis; as quais, o colocarão em uma posição reflexiva sobre os
caminhos do poder, da autoridade e da autonomia na investidura de um cargo.
Pois é, pode ter parecido esperteza
ficar em silêncio; mas, tenho cá as minhas dúvidas. Ele não será desgastado
pelas próprias palavras, que pode se recusar a dizer; mas, justamente, pela
ausência de todas elas.
Isso porque, à revelia de sua
vontade, ele vai ouvir as vozes de dentro e de fora, como se o depoimento
acontecesse em dois níveis de consciência, o seu e o do mundo. Porque o
silêncio não apaga os registros de sua memória; ao contrário, ele os acende com
muito mais vigor. Por isso, pode-se faltar com a verdade para os outros; mas,
não para si mesmo.
Além disso, o seu silenciar não
muda o fato de que a ausência da reafirmação oral será, facilmente, suplantada
a partir da materialidade das provas que irão sustentar o relatório final da
CPI; bem como, de outros depoimentos correlatos que podem contribuir de maneira
efetiva para elucidação dos fatos. Todos os atos práticos realizados por ele
estão registrados formalmente, documentados, então...
Como escreveu Pablo Neruda, “Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências”. A questão não é o que trata o recorte de tempo em que vigora a CPI; mas, o conjunto da obra que se arrasta por todos os dias da Pandemia, desde seu início. É este punhado de longos dias que busca pela responsabilização dos fatos apurados, a fim de trazer um pouco de paz e de alento aos que foram brutalmente atingidos por essa catástrofe sanitária.