A
belicosidade da desigualdade
Por
Alessandra Leles Rocha
Para todo lado que se olhe, os
veículos de comunicação e informação dão notícias de um mundo em conflito
pesado. Seres humanos expostos a todo tipo de violência e brutalidade estão à
mercê da inconsciência de seus pares. Mas, algo fica bem patenteado nesse
processo, as guerras e os conflitos armados visibilizam a desigualdade no
mundo.
Nenhum comportamento beligerante
é igualitário. Os lados que se confrontam nunca estão em pé de igualdade. Há
sempre um lado mais forte. Mais bem armado. Mais rico. Mais poderoso. De modo
que não há justiça na guerra. É uma luta franca de desigualdades.
Por essa razão, não há critérios
que possam ser estabelecidos capazes de mitigar o suficiente os impactos
devastadores. As estatísticas já sabem, de antemão, que o lado mais fraco será
o mais afetado. Seus inocentes pagarão o preço da insanidade bélica. Aliás, é
só correr as páginas da história para encontra-las recheadas de episódios
assim.
Então, fiquei pensando como é
triste a sina dos desafortunados desse mundo. De qualquer jeito que se pense, eles
estão vulneráveis as investidas do pior. Porque há sempre uma força os
impedindo de seguir adiante, de ascender socialmente, de viver em paz nos
limites da sua dignidade humana. Como se houvesse no mundo, uma satisfação
implícita na manutenção da desigualdade.
Aí, lembrei-me do filme “Elysium” (2013), com seu cenário
apocalíptico da Terra, bem de acordo com os caminhos que a humanidade vem
trilhando a passos largos. Uma discussão interessantíssima sobre poder,
polarização e desigualdade, a partir da perspectiva tanto do desassistido,
quanto do privilegiado. Um roteiro de ficção científica muito bem alicerçado na
dinâmica da realidade contemporânea.
A verdade é que as relações
sociais têm estado cada vez mais apoiadas em dois pilares, a judicialização e o
conflito. O diálogo entre as partes está se esfacelando em múltiplos fatores de
impossibilidade estruturados pelo próprio ser humano. Ele parece abdicar dessa
premissa, como se não quisesse despender energia ou tempo. Então, ele outorga a
terceiros, passa adiante a quem possa interessar, as suas próprias demandas e
interesses.
O resultado disso ou é a
intervenção da Justiça ou a manifestação prática da desinteligência
beligerante. Mas, nenhuma das duas deveria ser preferível ao diálogo. Na medida
em que esses caminhos se aprofundam como solução social, eles passam a ser
trivializados ao ponto de serem entendidos como um método prático e fácil,
podendo ser acionados a todo instante.
Isso significa que, por quaisquer
mínimas divergências, o ser humano nem cogita a possibilidade de uma mediação
dialógica; ele já parte para o imediatismo das resoluções que considera mais
simples e eficientes. Entretanto, ele se esquece de que elas operam sob o viés
da desigualdade, ou seja, a decisão não se dará necessariamente pelos fatos;
mas, pela interferência e acessibilidade do poder e do dinheiro.
A judicialização e o conflito
tende, então, a favorecer quem tem meios para alongar e aguardar por uma
decisão. Tratam-se, portanto, de mecanismos perversos de opressão e silenciamento
social. O desequilíbrio da justiça é tão flagrante em uma sociedade desigual,
que torna os caminhos decisórios, quase sempre, conhecidos previamente. O que
tende a levar os mais vulneráveis a desistir e abdicar de seus próprios
direitos, mediante tantas impossibilidades e obstáculos que lhes são impostos.
Em suma, esse movimento
representa não só a desconstrução dialógica humana; mas, a destruição do senso
empático que permite aos seres humanos reconhecerem a sua humanidade uns nos
outros. E esse é um prejuízo muito maior do que qualquer destruição material
possa representar, porque lança as pessoas a um nível de competição tão
arraigada, pelas coisas, que elas vão se esquecendo do significado do ser. Elas
ficam tão absortas em se enxergar nas diferenças e estereótipos que passam a
não ver o que está além disso, o ser humano sem gênero, raça, credo, status, nível
de escolaridade e afins; apenas, humano, com suas virtudes e defeitos, talentos
e dificuldades, ... sonhos e necessidades fundamentais.
A lição que deveria ficar de tudo isso é a seguinte: “Antes de julgares minha vida ou o meu caráter, calça os meus sapatos e percorre o caminho que eu percorri; vive as minhas tristezas, as minhas dúvidas, as minhas alegrias” (autor desconhecido). Porque são essas considerações que dissipam as desimportâncias, as quais julgamos tão importantes; afinal, “Em nossas vidas, a mudança é inevitável. A perda é inevitável. A felicidade reside na nossa adaptabilidade em sobreviver a tudo de ruim” (Sidarta Gautama – Buda).