segunda-feira, 17 de maio de 2021

A belicosidade da desigualdade


A belicosidade da desigualdade

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Para todo lado que se olhe, os veículos de comunicação e informação dão notícias de um mundo em conflito pesado. Seres humanos expostos a todo tipo de violência e brutalidade estão à mercê da inconsciência de seus pares. Mas, algo fica bem patenteado nesse processo, as guerras e os conflitos armados visibilizam a desigualdade no mundo.

Nenhum comportamento beligerante é igualitário. Os lados que se confrontam nunca estão em pé de igualdade. Há sempre um lado mais forte. Mais bem armado. Mais rico. Mais poderoso. De modo que não há justiça na guerra. É uma luta franca de desigualdades.

Por essa razão, não há critérios que possam ser estabelecidos capazes de mitigar o suficiente os impactos devastadores. As estatísticas já sabem, de antemão, que o lado mais fraco será o mais afetado. Seus inocentes pagarão o preço da insanidade bélica. Aliás, é só correr as páginas da história para encontra-las recheadas de episódios assim.

Então, fiquei pensando como é triste a sina dos desafortunados desse mundo. De qualquer jeito que se pense, eles estão vulneráveis as investidas do pior. Porque há sempre uma força os impedindo de seguir adiante, de ascender socialmente, de viver em paz nos limites da sua dignidade humana. Como se houvesse no mundo, uma satisfação implícita na manutenção da desigualdade.

Aí, lembrei-me do filme “Elysium” (2013), com seu cenário apocalíptico da Terra, bem de acordo com os caminhos que a humanidade vem trilhando a passos largos. Uma discussão interessantíssima sobre poder, polarização e desigualdade, a partir da perspectiva tanto do desassistido, quanto do privilegiado. Um roteiro de ficção científica muito bem alicerçado na dinâmica da realidade contemporânea.

A verdade é que as relações sociais têm estado cada vez mais apoiadas em dois pilares, a judicialização e o conflito. O diálogo entre as partes está se esfacelando em múltiplos fatores de impossibilidade estruturados pelo próprio ser humano. Ele parece abdicar dessa premissa, como se não quisesse despender energia ou tempo. Então, ele outorga a terceiros, passa adiante a quem possa interessar, as suas próprias demandas e interesses.

O resultado disso ou é a intervenção da Justiça ou a manifestação prática da desinteligência beligerante. Mas, nenhuma das duas deveria ser preferível ao diálogo. Na medida em que esses caminhos se aprofundam como solução social, eles passam a ser trivializados ao ponto de serem entendidos como um método prático e fácil, podendo ser acionados a todo instante.

Isso significa que, por quaisquer mínimas divergências, o ser humano nem cogita a possibilidade de uma mediação dialógica; ele já parte para o imediatismo das resoluções que considera mais simples e eficientes. Entretanto, ele se esquece de que elas operam sob o viés da desigualdade, ou seja, a decisão não se dará necessariamente pelos fatos; mas, pela interferência e acessibilidade do poder e do dinheiro.

A judicialização e o conflito tende, então, a favorecer quem tem meios para alongar e aguardar por uma decisão. Tratam-se, portanto, de mecanismos perversos de opressão e silenciamento social. O desequilíbrio da justiça é tão flagrante em uma sociedade desigual, que torna os caminhos decisórios, quase sempre, conhecidos previamente. O que tende a levar os mais vulneráveis a desistir e abdicar de seus próprios direitos, mediante tantas impossibilidades e obstáculos que lhes são impostos.

Em suma, esse movimento representa não só a desconstrução dialógica humana; mas, a destruição do senso empático que permite aos seres humanos reconhecerem a sua humanidade uns nos outros. E esse é um prejuízo muito maior do que qualquer destruição material possa representar, porque lança as pessoas a um nível de competição tão arraigada, pelas coisas, que elas vão se esquecendo do significado do ser. Elas ficam tão absortas em se enxergar nas diferenças e estereótipos que passam a não ver o que está além disso, o ser humano sem gênero, raça, credo, status, nível de escolaridade e afins; apenas, humano, com suas virtudes e defeitos, talentos e dificuldades, ... sonhos e necessidades fundamentais.

A lição que deveria ficar de tudo isso é a seguinte: “Antes de julgares minha vida ou o meu caráter, calça os meus sapatos e percorre o caminho que eu percorri; vive as minhas tristezas, as minhas dúvidas, as minhas alegrias” (autor desconhecido). Porque são essas considerações que dissipam as desimportâncias, as quais julgamos tão importantes; afinal, “Em nossas vidas, a mudança é inevitável. A perda é inevitável. A felicidade reside na nossa adaptabilidade em sobreviver a tudo de ruim” (Sidarta Gautama – Buda).