De
volta ao Brasil Colônia?!
Por
Alessandra Leles Rocha
Pelo menos é o que parece traduzir
a notícia, de que entidades de produtores rurais, em todo o país, organizam
para o próximo dia 15 de maio atos de apoio ao governo federal e ao fim das
medidas de isolamento social adotadas por governadores e prefeitos; bem como, contra
o Supremo Tribunal Federal (STF). Cientes de seu papel importante e secular no equilíbrio
da balança comercial brasileira, não é de se estranhar tal comportamento.
A questão é que estamos no século
XXI e o Brasil, assim como o resto do mundo, sobrevive a partir da satisfação
de outras necessidades que ultrapassam os limites do agronegócio. Sendo assim,
a impressão que se tem é de que estão demasiadamente absortos em si mesmos, ao
ponto de não conseguirem perceber as implicações de seus posicionamentos político
ideológicos para o desenvolvimento do país como um todo.
A certeza de navegar em mares de
aparente calmaria levaram o Titanic a afundar. Então, como diz o provérbio, “ao ver a barba do vizinho pegando fogo
deve-se colocar a sua de molho”. Ora, o país já convive com o êxodo das
multinacionais, em face da instabilidade política, jurídica e do chamado “Custo
Brasil”, o qual representa um conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas,
trabalhistas e econômicas que geram obstáculos concretos e negativos ao
ambiente de negócios e comprometem a competitividade dos produtos no mercado
global e os investimentos estrangeiros em seu território.
Sem contar, o quanto o governo se
mostrou negligente e despreparado para enfrentar as consequências da Pandemia e
dar o suporte necessário, o qual seus importantes parceiros comerciais
internacionais demandariam no momento. Então, só para citar algumas dessas
multinacionais, o Brasil se despediu da Sony, depois de 48 anos na Zona Franca
de Manaus. A Ford, a Audi e a Mercedes, no campo da indústria automobilística. E
outras, de segmentos variados, como a Nike, Fnac, Walmart, Nikon, Brasil Kirin,
Häagen-dasz, Glovo, RR Donnelley, Lush Cosméticos, Kiehl’s e Eli Lilly.
O que significa que essas perdas contribuíram
para elevar o número do desemprego no país, que já era bastante expressivo. Os últimos
dados divulgados em 30 de abril, dão conta de que entre desempregados e
desalentados o país alcança a triste cifra de aproximadamente 20 milhões de
seres humanos. E por consequência desse movimento há, também, o acirramento da
condição de pobreza.
Segundo dados da Fundação Getúlio
Vargas (FGV), o número de pobres que era de 9,5 milhões de pessoas em agosto de
2020, agora ultrapassa a fronteira dos 27 milhões em fevereiro de 2021. De modo
que a chamada “classe média”, que em 2011 representava 54% da população, depois
reduziu para 51% em 2020, agora é de 47% em 2021, o mesmo percentual da classe
baixa.
E esses são números que impactam
diretamente o agronegócio, porque nem só de exportação vivem eles. Quando os
mercados se fecham lá fora, por excesso de oferta, melhores condições de comércio,
sazonalidade climática etc., ou eles negociam aqui dentro ou perdem seus
investimentos bilionários.
Acontece que, diante do quadro
atual, a perda do poder aquisitivo pela população impõe uma nova dinâmica de
prioridade de produtos. O orçamento das famílias inicia um movimento
malabarista para garantir o essencial ou, pelo menos, a cesta básica. Afinal, não
se pode esquecer que a elite brasileira só representa 6% da pirâmide social.
De modo que, não me parece possível,
o setor do agronegócio ser capaz de resolver sozinho essas questões; nem
tampouco, encontrar motivos razoáveis para, diante delas, ainda, ser capaz de apoiar
o governo e propor insurgir contra o STF e quaisquer medidas que possam salvar a
vida de milhões de cidadãos brasileiros.
Isso me parece muita presunção ou
apego exacerbado sobre um tempo em que o apogeu do país estava pautado no setor
primário, ou seja, na extração de matérias-primas naturais e minerais. Entretanto,
aquele Brasil da “Casa Grande e Senzala”
original ficou nas páginas da história; muito embora, os desdobramentos e consequências
sociais nefastas desse período reverberem por outras formas e conteúdos contextualizados
a contemporaneidade.
Portanto, só posso dizer que é
triste, muito triste, saber que em plena Pandemia e frente a tantos desafios socioeconômicos
a serem enfrentados, o Brasil se permita fragmentar, polarizar, ideologizar, para,
no fim das contas, negociar em mercado de escambo com vidas humanas. Vidas,
cujas gerações seculares, permitiram que o país caminhasse sobre as vias urbanizadas
e industrializadas sopradas pelos ventos da Modernidade e que fizeram com que
ele usufruísse, ainda que a sombra dos grandes, as novidades do mundo.
Mas isso, infelizmente, parece
ser mesmo Brasil! Quando encontramos em sua história, em pleno século XIX,
palavras como estas, do jornalista e escritor Euclides da Cunha, “Nostalgia e revolta: tu não imaginas como
andam propícios os tempos a todas as mediocridades. Estamos no período
hilariante dos grandes homens-pulhas, dos Pachecos empavesados e dos Acácios
triunfantes. Nunca se berrou tão convictamente tanta asneira sob o sol! [...] É
asfixiante! A atmosfera moral é magnifica para batráquios. Mas apaga o homem.
[...]” 1. Porque elas nos dão a devida
dimensão de como este é um país desvirtuado da lógica, do bom senso e do
respeito pela ação malévola da cobiça e da vaidade.