quarta-feira, 7 de abril de 2021

Uma verdadeira ode à anticidadania!


Uma verdadeira ode à anticidadania!

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Se por um lado a Pandemia jogou luz sobre todas as mazelas nacionais, por outro o próprio governo mostrou a sua imensa disposição em acirrar, ainda mais, as fronteiras da desigualdade. Começando, talvez, por um sonoro “Viva a Ignorância! ”, tendo em vista sua total inoperância em relação à Educação e a Cultura nacionais.

Dois pilares básicos da sociedade que se mantêm como alvos frequentes de desmantelamento e precarização, quando deveriam estar atuando positivamente na atual conjuntura, em favor, sobretudo, da população mais carente. Aliás, é importante ressaltar o quanto os próprios profissionais dessas áreas foram negligenciados nesse momento tão importante.

Escolas e espaços artístico-culturais foram fechados e seus profissionais demitidos. Outros tiveram redução salarial drástica, pela impossibilidade da prestação autônoma de serviços ou, simplesmente, porque suas respectivas áreas de atuação passaram a demandar um contingente menor de mão-de-obra. Mas, não se viu nenhuma iniciativa no sentido de dar-lhes algum suporte social efetivo, nesse momento.

Uma total falta de clareza e percepção sobre as demandas de um povo durante situações extremas. Olhar para a Educação e a Cultura nacionais não se restringe ao cumprimento de uma obrigação constitucional; mas, se expande por toda uma rede de amparo psicoemocional que pode gerar um benefício incomensurável para a saúde física e mental da população, inclusive, desses profissionais.  

Mas, não. A ideia foi cortar, ceifar quaisquer iniciativas e recursos dessas áreas. Nem sequer se deram ao trabalho de propor um planejamento estratégico para elas, a fim de traçar um panorama do setor em curto, médio e longo prazo. Deixando no ar, uma nítida impressão de descaso em relação a grande massa cidadã que depende da existência de políticas públicas consistentes, para melhorar a sua formação humana e laboral.

Então, eis que fui surpreendida, com um novo burburinho a respeito da taxação tributária dos livros, no país 1. Depois do brasileiro perder a vida, a dignidade, o trabalho, o arroz com feijão, agora, querem bater o martelo para que ele não tenha acesso à cultura advinda dos livros. Ler, segundo a Receita Federal, é prática para quem pode pagar, quem ganha mais de 10 salários mínimos.

Não pude deixar de fazer uma ponte imediata entre o fato e o ensino da língua materna, o qual vem mostrando resultados pífios nas avaliações de desempenho. O aluno brasileiro do ensino fundamental e médio conta com 5 aulas semanais de Língua Portuguesa. Nelas são estudadas Fonologia, Morfologia, Sintaxe, Semântica e Estilística, a partir de atividades didático-pedagógicas, teóricas e práticas, propostas em materiais utilizados pelo professor.

Olhando assim, superficialmente, tudo parece adequado. Mas, então, por que o desempenho está sempre aquém das expectativas? Porque, para conduzir qualquer aluno da alfabetização para o letramento seria necessário que ele pudesse ler, muito além daquilo que é propiciado naqueles 50 minutos de aula, recheados de interrupções diversas.

Só que entre dever e poder há um abismo gigantesco. São muitos os obstáculos nesse processo. Primeiro, que nem todas as escolas do país são dotadas de bibliotecas ou espaços de leitura bem organizados e estruturados com acervos, frequentemente, atualizados.  

Segundo, a questão do cumprimento do planejamento curricular da disciplina de Língua Portuguesa. Ressalvadas raríssimas exceções, as escolas brasileiras ainda se prendem, com muita veemência, aos aspectos gramaticais da língua, ao contrário de abordagens que busquem a construção de um conhecimento holístico da mesma. De modo que a leitura se torna desprivilegiada na distribuição da carga horária.

E, por último, mas não menos importante, porque os alunos, na sua grande maioria, não têm condições financeiras para cultivar o hábito de ler. O custo dos livros no Brasil, ainda, é muito elevado para que todas as pessoas possam adquiri-los.

Infelizmente, o salário mínimo, conforme descrito na Constituição de 1988, vive a sina de uma insuficiência crônica. Ele mal consegue suprir direitos fundamentais básicos. Entre alimentar o corpo e alimentar a inteligência, a primeira opção sempre acaba vencendo. O que significa que a impossibilidade de ampliação da leitura é só a ponta do iceberg, porque, certamente, eles também não têm acesso aos cinemas, teatros, salas de concerto, shows e todo tipo de expressão artístico-cultural, que deveria compor, também, a sua formação educacional.

De modo que a pretensão do governo, em relação à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com alíquota de 12% em substituição aos impostos PIS e Cofins 2; bem como, a perda da isenção dos atuais benefícios fiscais concedidos ao mercado livreiro, tende a ser uma “pá de cal” na formação cidadã brasileira. Uma verdadeira ode à anticidadania!

O pior é que atitudes assim, apesar de repulsivas e indigestas, não surpreendem diante das recorrentes posturas do governo. O problema é perceber a inação da sociedade diante de algo estarrecedor. Seu silêncio reafirma a sua conivência com a manutenção das desigualdades. Como se não houvesse constrangimento algum em saber que os direitos fundamentais nesse país só podem e devem ser desfrutados pelo topo da pirâmide social.

Aquilo que lhe fizeram no passado colonial, hoje, o país refaz com sua própria gente. Explora. Humilha. Dilapida. Mas, apesar de tudo isso, ele não conseguiu mover um centímetro que seja a simpatia do mundo. Cada vez menos desenvolvido. Cada vez menos produtivo. Enquanto se firma cada vez mais pária. Cada vez mais à margem do hoje e do amanhã.



2 O PIS (Programa de Integração Social) e a COFINS (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) são siglas de dois tributos pertencentes à Constituição Federal, de 1988.