Uma
verdadeira ode à anticidadania!
Por
Alessandra Leles Rocha
Se por um lado a Pandemia jogou
luz sobre todas as mazelas nacionais, por outro o próprio governo mostrou a sua
imensa disposição em acirrar, ainda mais, as fronteiras da desigualdade. Começando,
talvez, por um sonoro “Viva a Ignorância! ”, tendo em vista sua total inoperância
em relação à Educação e a Cultura nacionais.
Dois pilares básicos da sociedade
que se mantêm como alvos frequentes de desmantelamento e precarização, quando
deveriam estar atuando positivamente na atual conjuntura, em favor, sobretudo,
da população mais carente. Aliás, é importante ressaltar o quanto os próprios profissionais
dessas áreas foram negligenciados nesse momento tão importante.
Escolas e espaços artístico-culturais
foram fechados e seus profissionais demitidos. Outros tiveram redução salarial drástica,
pela impossibilidade da prestação autônoma de serviços ou, simplesmente, porque
suas respectivas áreas de atuação passaram a demandar um contingente menor de
mão-de-obra. Mas, não se viu nenhuma iniciativa no sentido de dar-lhes algum suporte
social efetivo, nesse momento.
Uma total falta de clareza e
percepção sobre as demandas de um povo durante situações extremas. Olhar para a
Educação e a Cultura nacionais não se restringe ao cumprimento de uma obrigação
constitucional; mas, se expande por toda uma rede de amparo psicoemocional que pode
gerar um benefício incomensurável para a saúde física e mental da população,
inclusive, desses profissionais.
Mas, não. A ideia foi cortar,
ceifar quaisquer iniciativas e recursos dessas áreas. Nem sequer se deram ao
trabalho de propor um planejamento estratégico para elas, a fim de traçar um
panorama do setor em curto, médio e longo prazo. Deixando no ar, uma nítida impressão
de descaso em relação a grande massa cidadã que depende da existência de
políticas públicas consistentes, para melhorar a sua formação humana e laboral.
Então, eis que fui surpreendida,
com um novo burburinho a respeito da taxação tributária dos livros, no país 1. Depois do brasileiro perder a vida, a
dignidade, o trabalho, o arroz com feijão, agora, querem bater o martelo para
que ele não tenha acesso à cultura advinda dos livros. Ler, segundo a Receita
Federal, é prática para quem pode pagar, quem ganha mais de 10 salários mínimos.
Não pude deixar de fazer uma
ponte imediata entre o fato e o ensino da língua materna, o qual vem mostrando
resultados pífios nas avaliações de desempenho. O aluno brasileiro do ensino
fundamental e médio conta com 5 aulas semanais de Língua Portuguesa. Nelas são
estudadas Fonologia, Morfologia, Sintaxe, Semântica e Estilística, a partir de
atividades didático-pedagógicas, teóricas e práticas, propostas em materiais utilizados
pelo professor.
Olhando assim, superficialmente,
tudo parece adequado. Mas, então, por que o desempenho está sempre aquém das
expectativas? Porque, para conduzir qualquer aluno da alfabetização para o
letramento seria necessário que ele pudesse ler, muito além daquilo que é
propiciado naqueles 50 minutos de aula, recheados de interrupções diversas.
Só que entre dever e poder há um
abismo gigantesco. São muitos os obstáculos nesse processo. Primeiro, que nem
todas as escolas do país são dotadas de bibliotecas ou espaços de leitura bem
organizados e estruturados com acervos, frequentemente, atualizados.
Segundo, a questão do cumprimento
do planejamento curricular da disciplina de Língua Portuguesa. Ressalvadas raríssimas
exceções, as escolas brasileiras ainda se prendem, com muita veemência, aos
aspectos gramaticais da língua, ao contrário de abordagens que busquem a
construção de um conhecimento holístico da mesma. De modo que a leitura se
torna desprivilegiada na distribuição da carga horária.
E, por último, mas não menos
importante, porque os alunos, na sua grande maioria, não têm condições
financeiras para cultivar o hábito de ler. O custo dos livros no Brasil, ainda,
é muito elevado para que todas as pessoas possam adquiri-los.
Infelizmente, o salário mínimo,
conforme descrito na Constituição de 1988, vive a sina de uma insuficiência crônica.
Ele mal consegue suprir direitos fundamentais básicos. Entre alimentar o corpo
e alimentar a inteligência, a primeira opção sempre acaba vencendo. O que
significa que a impossibilidade de ampliação da leitura é só a ponta do iceberg, porque, certamente, eles também
não têm acesso aos cinemas, teatros, salas de concerto, shows e todo tipo de
expressão artístico-cultural, que deveria compor, também, a sua formação
educacional.
De modo que a pretensão do
governo, em relação à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com alíquota de
12% em substituição aos impostos PIS e Cofins 2;
bem como, a perda da isenção dos atuais benefícios fiscais concedidos ao
mercado livreiro, tende a ser uma “pá de cal” na formação cidadã brasileira. Uma
verdadeira ode à anticidadania!
O pior é que atitudes assim,
apesar de repulsivas e indigestas, não surpreendem diante das recorrentes
posturas do governo. O problema é perceber a inação da sociedade diante de algo
estarrecedor. Seu silêncio reafirma a sua conivência com a manutenção das
desigualdades. Como se não houvesse constrangimento algum em saber que os
direitos fundamentais nesse país só podem e devem ser desfrutados pelo topo da pirâmide
social.
Aquilo que lhe fizeram no passado
colonial, hoje, o país refaz com sua própria gente. Explora. Humilha. Dilapida.
Mas, apesar de tudo isso, ele não conseguiu mover um centímetro que seja a
simpatia do mundo. Cada vez menos desenvolvido. Cada vez menos produtivo. Enquanto
se firma cada vez mais pária. Cada vez mais à margem do hoje e do amanhã.
1 https://www.msn.com/pt-br/dinheiro/other/receita-diz-que-s%c3%b3-rico-l%c3%aa-e-livro-pode-perder-isen%c3%a7%c3%a3o-com-unifica%c3%a7%c3%a3o-tribut%c3%a1ria/ar-BB1fnNPi?ocid=mailsignout&li=AAggXC1
2 O PIS (Programa de Integração Social) e a COFINS (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) são siglas de dois tributos pertencentes à Constituição Federal, de 1988.